Augusto Boal

Blog

8º Oprima – Encontro do Teatro do Oprimido e Ativismo

11.04.2018

8º Oprima – Encontro do Teatro do Oprimido e Ativismo: Da potência do teatro político na luta contra o fascismo

                   Iniciado há oito anos por iniciativa de coletivos de Teatro do Oprimido de Portugal, que tem por afinidade o trabalho com Teatro do Oprimido como meio de investigação da sociedade, formação, organização e luta, em 2018 foi a primeira vez que o evento foi realizado em uma cidade espanhola.

             Em Madrid funciona, no bairro Lavapiés, a Escola de Artes La Tortuga, em que são ofertados diversas modalidades de cursos, de um amplo leque de linguagens artísticas, sendo o teatro o principal eixo de trabalho. Organizado de forma colaborativa, os anfitriões se encarregam de hospedar as pessoas que vem de Portugal, Espanha e do Brasil em suas casas, e organizam a comida com revezamento de equipes, no La Tortuga, e cada participante colabora com uma taxa de inscrição e outra para bancar os custos da comida durante todos os dias do evento.

          O público do evento é composto pelos integrantes dos grupos de Teatro do Oprimido portugueses e espanhóis, por militantes de movimentos sociais, sindicais e estudantes de artes cênicas interessados em aprofundar suas pesquisas sobre teatro.

            A programação do encontro parte de um método de oficinas e cursos de, no máximo, quatro turnos, em dois dias, para que muitas experiências sejam compartilhadas e que os oficineiros possam também participar como estudantes de outras ações formativas. Para a oitava edição do encontro foram organizadas as seguintes oficinas: Teatro e Sindicalismo, com um grupo de Teatro do Sindicato Anarquista CNT; “No solo duelen los golpes” com a escritora e militante feminista Pamela Palenciano; Dramaturgia Dialética com Sérgio de Carvalho, diretor da Cia do Latão e professor da Universidade de São Paulo; Teatro e Militância, com Rafael Villas Bôas, professor da Universidade de Brasília e coordenador do Coletivo Terra em Cena; Antígona e o Poder, com Deyanira Schurjin, professora da Escola La Tortuga; Dialética do Desejo, com o deputado federal português do Bloco de Esquerda e curinga de Teatro do Oprimido José Soeiro.

                  Além das oficinas, pela parte das noites ocorreram mesas de debates e rodas de conversa sobre os seguintes temas: Teatro do Oprimido e Militância;  Gênero, Migração e Precariedade; e Colonialismo, Racismo, experiências de opressão e resistência. E foram apresentadas as peças “Hotel Exploração” do Coletivo Las Kellys formado por camareiras do setor hoteleiro de Madrid; uma cena de Teatro Fórum do coletivo português Tartaruga Falante, sobre assédio sexual no metrô, a peça do coletivo Trabalho Doméstico do coletivo de trabalhadoras domésticas formado por trabalhadoras migrantes que vivem na Espanha, e foram exibidos em vídeo trechos da peça “Maria 28” do coletivo Peles negras, máscaras negras” formado por filhos de cabo verdianos que vivem na periferia de Lisboa, a capital portuguesa.

            A abertura do encontro foi realizada com uma apresentação e debate sobre a experiência da cultura política de resistência construída pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no decorrer de seus trinta e quatro anos de existência, feita pelo professor Rafael Villas Bôas, que é também integrante da Brigada Nacional de Teatro do MST, criada a partir de processo formativo que ocorreu entre 2001 e 2005 desenvolvido por Augusto Boal e curingas do Centro do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro.

         Do ponto de vista da promoção de espaços de intercâmbio entre diversos segmentos organizados de trabalhadoras e trabalhadores que fazem uso do Teatro do Oprimido como ferramenta de formação, organização social e luta política o evento foi notável. O interesse vívido do encontro pelo entendimento de diversas formas organizativas de segmentos de trabalhadoras, que compreendeu um amplo arco, desde os trabalhadores sem terra brasileiros, até as camareiras do setor hoteleiro e as trabalhadoras domésticas migrantes que vivem em Madrid, fez com que diversos temas como as marcas do processo colonial, da escravidão e do racismo, além das  consequências do sistema patriarcal e do avanço da luta feminista fossem debatidos de maneira articulada e interna aos desafios de cada segmento e país, e não apenas de forma abstrata. Esse ponto de partida objetivo expôs, em diversos momentos, os desafios atuais para a organização da classe trabalhadora, e deixou evidente a dificuldade de organizações partidárias e sindicais para se aproximar de debates como os que foram ali pautados e desenvolvidos em mesas e em processos de oficina teatral.

           A conjuntura marcada pelo retrocesso político em nossos países foi demarcada não apenas nos debates e nas oficinas, apareceu também nas ações de rua que fizemos. Em uma intervenção de Teatro Imagem em que utilizamos a água que corria abaixo da estátua de Tirso de Molina – na praça que leva o mesmo nome em homenagem ao dramaturgo – parte do elenco deitou ao lado da água como se estivesse caída à beira mar, representando corpos de imigrantes mortos nas tentativas de travessia, e passando por cima deles estavam turistas felizes carregando suas malas, se desviando dos cadáveres e da realidade indigesta da desigualdade do capitalismo, em busca do direito ao prazer. Carregavam na testa faixas em que se podia ler “Cruzeiros”. A Europa como continente turístico contraposta à miragem dos migrantes que buscam ali não o prazer e o turismo mas uma alternativa mínima de sobrevivência. Uma imagem simbolicamente forte, que mobilizou o olhar de todos os que passavam pela praça.

           O que não esperávamos eram reações explosivas movidas pelo fascismo e pela xenofobia, contra a cena mas, sobretudo, dirigida à pessoas da oficina que faziam a ressonância invisível conversando com as pessoas que passavam. Uma mulher branca, loira, muito alta e forte, explodiu contra Maria, uma integrante do grupo Madalenas de Sevilha: de que país você é?! Perguntou a mulher, e Maria, que é espanhola de Sevilha, respondeu ser da Argentina. Daí por diante a agressividade aumentou e quase chegou às vias de fato: a mulher, seguida depois por um homem branco alto, que passava com a filha, descontava nos migrantes o sentimento de frustação pela crise social por que passam todos. Como se a culpa fosse dos migrantes, como se fossem invasores do bem estar social europeu a lhes causar dificuldades econômicas e políticas. Ficamos todos bastante impactados ao nos deparar com a veemência do sentimento fascista se manifestando, sem pudor, em praça pública.

Intervenção na Plaza Tirso de Molina

         Porque foi o apoio popular aguerrido e violento como esse que fez com que, na Itália e na Alemanha, surgissem as milícias populares para confrontar “os inimigos do país”. E, como sabemos, no caso alemão, milícias como as freikorps se tornaram posteriormente as temidas SS nazistas quando o nacional-socialismo de Hitler ascendeu ao poder.

       No encontro, portanto, foram debatidos os temas da agenda anti-capitalista de acordo com a maneira como são enfrentados pelos segmentos que estão se organizando para combate-los: os sem terra brasileiros que fazem luta e arte para enfrentar o avanço devastador do agronegócio que conta com toda a força da indústria cultural, as camareiras de Madrid que resistem cotidianamente ao aumento da super-exploração da força de trabalho, manifesto em mais quartos a arrumar, por menos tempo, e com menos mulheres contratadas; as trabalhadoras migrantes domésticas, desamparadas pela lei, submetidas à invisibilidade e precariedade; a luta de todos os não brancos, suspeitos de sempre por conta de suas diferenças, sejam elas étnicas, religiosas, de aparência.

              O interesse vivo pelos contextos de origem e pela força atual das formas do teatro político, pela origem soviética, ou alemã, de estruturas estéticas posteriormente organizadas por Augusto Boal na linguagem do Teatro do Oprimido fez com que o trabalho das oficinas articulassem, sem dicotomias, sem maniqueísmos e preconceitos estabelecidos, o teatro de agitação e propaganda, o teatro épico, o teatro dialético e o teatro do oprimido, de maneira didática e produtiva, facilitando aos participantes tanto a compreensão teórica e histórica quanto o domínio técnico de métodos, de exercícios cênicos e de procedimentos de direção que certamente serão de grande utilidade para todos nós em tempos de acirramento do fascismo em nossos países e de necessidade de fortalecimento da luta anti-capitalista.

           Por fim, cabe ressaltar a semelhança do Centro de Investigação Cultural La Tortuga, em seus objetivos e dinâmica de atuação, com a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político Popular Nuestra América, que reúne até o momento as Escolas de Teatro Político de Buenos Aires, a Escola de Teatro Popular do Rio de Janeiro, a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do Distrito Federal, a Escola de Teatro Político de Florianópolis e a Escola de Teatro Político de São Paulo. Os coletivos de teatro político e vídeo popular, articulados aos movimentos sociais de massa, aos sindicatos que não descartaram a formação e a organização popular, e a grupos de pesquisa que atuam sobre a agenda de esquerda nas universidades (luta de classes articulada à luta anti-patriarcal, anti-racista e decolonial) estão à recolocar em pauta iniciativas de articulação mais permanentes do que as tradicionais oficinas episódicas e efêmeras, e a reconstruir – em contexto de retrocesso da democracia liberal burguesa – os termos da práxis leninista, que considerava fortemente as articulações entre arte, política e formação a partir da premissa da agitação e propaganda soviética: informar, formar e organizar.

Rafael Villas Bôas

Professor da UnB, do Coletivo Terra em Cena

e da Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF

 

Wellington Oliveira

Professor da Secretaria de Educação do DF

Pesquisador do Terra em Cena

e doutorando em Educação Artística pela Universidade do Porto

 

Tags:

| |