Augusto Boal ou a arte de fazer de um limão uma limonada
18.06.2014
Recentemente a psicologia, que é a minha praia , tomou emprestado um termo da física para descrever a capacidade de sobreviver a fortes abalos psíquicos, às situações traumáticas.
Resiliência, para a física, é uma caraterística mecânica que define a resistência aos choques.
É a tradução elegante de um ditado popular, a forma chique de dizer que alguém é capaz de fazer de um limão uma limonada.
Em 1971, Boal foi sequestrado na saída de um ensaio.
Mantido baixo um nome falso no Dops de São Paulo e posteriormente julgado , Boal resolveu deixar o Brasil por algum tempo, que certamente não imaginou tão longo.
Teve o mesmo destino dos seus colegas latino americanos : processos de pesquisa interrompidos, teatros fechados, elencos – grupos esgarçados.
Estes homens de teatro perderam tudo: o seu local de trabalho, os seus companheiros, o seu público e a sua língua.
Foram impedidos de fazer o que mais amavam, silenciados, censurados e banidos.
Os vínculos entre as lideranças teatrais dos diversos países latino-americanos se estilhaçaram pela ação das ditaduras e até hoje nunca foram reconstituídos.
É possível avaliar o que isto significa em termos de dano para um país? Para um continente? O impacto que este cerceamento da sua cultura produz em termos de história, memória e identidade?
Naquele momento da história, os latino-americanos haviam voltado o seu olhar para dentro, para si mesmos, os seus países, a sua cultura, e começado a construir linguagens próprias.
Para além do valor estético destas produções, elas pareciam animadas pelo desejo de afirmar uma identidade.
Este movimento, sem dúvida , deve ter tido a sua importância, a julgar pela violência com que foi reprimido.
O teatro do oprimido é uma resposta que um latino-americano, oprimido, encontrou para sobreviver à perda da sua possibilidade de continuar desenvolvendo o seu trabalho.
É o limão e a limonada.
Boal perdeu o teatro mas se apropriou das ruas, perdeu o seu elenco e transformou todo mundo em ator.
E, em resposta ao silêncio imposto, convidou todo mundo a tomar a palavra.
Essa foi a sua alternativa.
Cecilia Boal