"Principais obras de Augusto Boal são reeditadas"
17.09.2013
Matéria de Maria Eugênia de Menezes publicada no jornal O Estado de S. Paulo:
Estados Unidos e Coreia. Egito e Canadá. França e África do Sul. Mas também Índia, Noruega, Argentina. Todos esses países estiveram na rota de Augusto Boal: o mais internacional entre os nossos diretores, o mais afamado homem de teatro que o Brasil já produziu.
Com reedição a ser lançada no próximo dia 19, pela Cosac Naify, o volume Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas tem muito a ver com o reconhecimento alcançado por esse estudioso mundo afora. “É um livro muito importante porque fecha um período e abre outro”, considera Julián Boal, filho do encenador – morto em 2009 – e autor do posfácio que acompanha a nova edição.
Esses dois períodos apreendidos por Boal no livro estão fortemente vinculados aos acontecimentos que convulsionavam o País nos anos 1970. Escrito durante o exílio do autor, a obra faz, primeiramente, um balanço de suas atividades no Teatro de Arena, as tentativas de politização da cena, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. “O que encontramos no livro é ele entendendo como suas hipóteses falharam. E que seria necessário reformulá-las para dar conta daquela nova situação”, observa Julián.
Não bastava dizer aos operários e camponeses o que eles “deveriam” fazer. O caminho para um teatro verdadeiramente engajado não estava apenas em um discurso que pregasse o que deveria ser feito. Mas em uma nova maneira de estar em cena. Uma revolução que ia além do conteúdo. Considerava o nascimento de uma “forma revolucionária” igualmente importante.
Teatro do Oprimido é apenas o primeiro dos títulos de Boal que voltarão a estar disponíveis nas livrarias. Ao seu relançamento, se seguirá a publicação de suas obras mais importantes: títulos teóricos, como Jogos para Atores e não-Atores (1988), suas incontáveis incursões pela dramaturgia, além de livros de viés autobiográfico, entre eles Milagre no Brasil (1977) e Hamlet e o Filho do Padeiro (2000).
Escrito nos anos 1970, ‘Teatro do Oprimido’ ainda capta atual realidade política
Augusto Boal passou boa parte de sua vida lutando contra o teatro. Contra aquele teatro que conheceu, “que dizia àqueles que assistiam quem eles eram, quais eram os seus problemas e quais as soluções a serem dadas”, comenta o filho do diretor, Julián Boal.
Em Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, o estudioso lançava-se à investigação de um novo meio de se relacionar com o público. Propunha subverter a lógica tradicional – intérpretes no palco, espectadores na plateia. Se as relações entre as pessoas não mudassem, nada poderia ser, de fato, transformado.
O livro, que é agora relançado, traça uma constante analogia entre artes cênicas e vida política. A mesma relação hierárquica que existia na sala de espetáculos se espraiava para fora dela: na maneira como dividimos o mundo entre as pessoas que sabem e as que não sabem, entre aquelas que têm o direito de agir e as que não têm. “A atualidade de suas ideias está precisamente aí: nessa dualidade que ainda pauta o nosso sistema parlamentar, um sistema de democracia em que o cidadão não tem o direito de se expressar. Ou, pior, em que sua expressão não é levada em conta”, pondera Julián.
Eram anos difíceis aqueles em que Boal se lançou a escrever essa obra. Desde 1956, havia se estabelecido em São Paulo. Após estudar direção e dramaturgia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, começara a exercitar um novo estilo de realismo. Também viria a nacionalizar a dramaturgia, criando textos como Revolução na América do Sul. E a forjar outras feições para os musicais quando trouxe à cena Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes.
A ditadura veio frustrar todo um virtuoso ciclo de produção. Ao ser obrigado a deixar o País, em 1971, o artista viu-se impedido de praticar o seu ofício. A solução? Migrar para o campo das ideias. “O Teatro do Oprimido tem a potência de um impulso interrompido. Curiosamente, o fato de não poder fazer teatro não enfraqueceu o seu pensamento. Fez com que toda sua energia se concentrasse na reflexão”, diz Julián.
Foi por meio da palavra que esse artista dominou o mundo. Se seus títulos estavam fora de catálogo no Brasil e começam agora a ser reeditados, o mesmo não ocorreu em nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, onde estão constantemente disponíveis. “Ele está sempre sendo publicado e republicado lá fora. Estou assinando novos contratos o tempo todo”, comenta Cecília Boal, psicanalista e viúva do estudioso.
Um de nossos mais importantes críticos teatrais, Sábato Magaldi já diagnosticava nos anos 1990 a necessidade de reter Augusto Boal no Brasil. “Sua potencialidade criativa não tem sido devidamente aproveitada entre nós. Enquanto o resto do mundo, dos Estados Unidos ao Japão, do Canadá a Austrália, valoriza a sua teoria e a sua prática.”
Para Cecília, o problema é ainda mais amplo, não sendo possível circunscrevê-lo nem a Boal nem ao Brasil. “Isso não acontece só aqui”, considera. “Esse teatro mais ligado à pesquisa está abandonado de uma maneira geral – à exceção de alguns poucos lugares, que dão valor à erudição e à universidade.”
Aparentemente, porém, a situação está prestes a melhorar. Uma recente polêmica envolveu o acervo de Augusto Boal. Por sua relevância, o conjunto de 20 mil documentos e 2 mil fotografias chegou a ser disputado pela Universidade de Nova York. Após protestos da classe artística, a Universidade Federal do Rio de Janeiro acabou assumindo a guarda da coleção: o processo de tratamento das obras já começou e o CCBB prepara uma grande exposição desse conjunto.
A mostra deve abrir em agosto de 2014, no Rio. Em seguida, segue para as outras unidades do centro cultural, em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. “Mas também temos planos para que essa exposição chegue a outros lugares, uma opção seria levá-la para algumas universidades”, diz Cecília.
Muito mudou desde que Boal lançou o seu Teatro do Oprimido. Havia, naquele momento, uma possibilidade de revolução popular que não mais se coloca no horizonte. Substituíram-se governos militarizados por outra forma de controle social: o autoritarismo do discurso único.
“Se no tempo das ditaduras tinha um sentido você falar em participação
popular, hoje numa época de Facebook e Big Brother isso não se dá da mesma maneira”, considera Julián, que se dedica a divulgar a técnica do pai por meio de cursos e oficinas.
Bertolt Brecht foi uma das maiores influências de Boal. E, diferenças à parte, talvez seja coerente olhar para seus legados de maneira análoga: ambos perderam parte de seu sentido com o passar do tempo. Mas também se viram revestidos de novos significados e usos quando confrontados com novas realidades.