Augusto Boal

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Paulo José fala sobre Murro em ponta de faca

10.08.2017

Quando Nena me convidou para dirigir uma montagem de Murro em Ponta de Faca eu estava sem tempo nenhum. Mas Ficou aquela coceira mexendo no meu bestunto. Afinal, era uma forma de homenagear Augusto Pinto Boal, em artes Augusto Boal, e para nós, que havíamos trabalhado e aprendido tanto com ele, simplesmente Boal.

Boal trouxe para o Teatro de Arena o Método, forma abreviada de chamar o método que Constantin Stanislavski foi desenvolvendo em sua vida na arte.

Boal trouxe método ao nosso trabalho teatral, muitas vezes criativo, mas sem uma reflexão sobre o sentido da arte. Boal trouxe uma relação dialética entre paixão e ideologia, entre sentimento e razão, entre liberdade e responsabilidade. Num grupo teatral tão criativo como o Arena (tinha Guarnieri, tinha Juca de Oliveira, tinha Vianinha, tinha Chico de Assis, tinha Fauzi Arap, Flavio Migliaccio, Nelson Xavier, Milton Gonçalves, Ary Toledo, tinha tanta gente criativa!), alguém tinha de amarrar o guiso no gato, sistematizar as experiências, os laboratórios, o processo que leva um texto escrito a se transformar em teatro. Esse alguém era o Boal. Nós todos éramos adúlteros, tínhamos paixões pelo cinema, a tv nos seduzia, o Arena era um

entra-e-sai de recursos artísticos. Somente um sempre ficou segurando as pontas e as barras mais pesadas: ele, Boal. Em 1978 eu havia dirigido a primeira montagem de Murro em Ponta de Faca, sua peça mais pessoal, escrita durante seus anos de exílio. Uma peça emocionante, especialmente para nós, seus filhos/irmãos, que pudemos ter em mãos um documento precioso, mais do que uma peça teatral, um testemunho vivo de um exilado, mudando mais de país do que de sapatos, depois de prisão e

torturas no DOPS, OBAN, em São Paulo. A montagem de 78, que tinha produção de Othon Bastos, pretendia chamar a atenção sobre Boal, reforçando o movimento pró anistia. Infelizmente, quando Boal voltou ao Brasil a peça já havia saído de cartaz.

Passados mais de trinta anos, volto a vivenciar, como diz Boal, “as andanças de muita gente maravilhosa (cada qual no seu feitio) que eu andei encontrando, e  desencontrando, em tantos aeroportos, estações, gares, no sol ou na neve”.  Este espetáculo é um tributo a Boal, que nos deixou no ano passado.

Mas a equipe, elenco, recursos artísticos e técnicos, montada pela Nena, deixaria Boal orgulhoso, como deixaram este que vos escreve com a certeza que teatro vale a pena, o teatro nos engrandece, nos faz melhores. Não cito nomes para não cometer injustiças, mas considerem-se todos beijados e abraçados.

Vai começar a arrumação e desarrumação das malas no palco. E Boal, mais vivo do que nunca, em nós e em suas obras, diz que isso que estarão vendo, meus caros amigos, é a vida que nós estamos vivendo. É bom teatro mas não é teatro: é verdade líquida e certa. Me lembra Walt Withman, na epígrafe de seu Leaves of Grass:

CUIDADO,

QUEM TOCA NESTE LIVRO

TOCA NUM HOMEM

Paulo José

2010
Acesse o site da peça e acompanhe as apresentações que serão feitas em 11 cidades do Paraná em Agosto! No canal do Youtube Paulo José fala do processo de direção: https://goo.gl/2Ko9rz

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