16 de março – Aniversário Augusto Boal
16.03.2018
Hoje no dia 16 de março de 2018 Augusto Boal completaria 87 anos!
Gostaríamos de homenageá-lo publicando um texto lindo que ele próprio escreveu em seu aniversário de 70 anos!
“AUGUSTO BOAL: OS PRÓXIMOS 70 ANOS
A PAISAGEM, A FAMÍLIA
Seguindo o exemplo dos mais velhos, eu nasci. Seguindo o exemplo dos meus pais, viajei. O exemplo do Nelson, escrevi. Do Gassner, estudei.
Seguindo o exemplo do poeta Antônio Machado, que me explicou que o caminho quem o faz é o caminhante ao caminhar, caminhei – nunca sozinho! – abrindo vielas, atalhos.
NA ARENA DO ARENA
Sempre tive irmãos: comecei em teatro aos nove anos, dirigindo irmãos – Augusta, Aída, Albertino, Gil – em fascículos do “Conde de Monte Cristo”, que minha mãe recebia pelo correio, sempre aos sábados; representávamos, sempre aos domingos, para uma platéia familiar, depois do ajantarado, sempre em nossa casa. Sempre tive, na minha infância, consistência.
Irmãos encontrei no Arena: anos a fio. Irmãos no Oficina, Opinião, Machete de Buenos Aires, Barraca de Lisboa, CTOs em Paris e aqui no Rio… Irmãos busquei a vida inteira. Sempre os tive. Rendo graças!
SUBVERSIVOS SUBVERTERAM A DEMOCRACIA
E A PALAVRA SUBVERSÃO
Sempre fui legalista, democrata. Em 64 e 68, subversivos sublevados, subservientes, subverteram a democracia, e nos chamaram de subversivos – nós, que defendíamos a legalidade, fomos acusados de destruí-la. Amantes da liberdade, aprisionados. A democracia rolou montanha abaixo.
A solidão é alucinógena: na cela, alucinei!
Em liberdade, vivemos presos ao tempo, livres no espaço. Na prisão, presos no espaço, estamos livres no tempo.
Solidão é doença que não tem cura, mas tem tratamento: escrever.
A palavra é um ser vivo, que se beija com carinho – com ela conversei, contei segredos, confidências. Amo as palavras: preciso vê-las, cheirá-las, tocá-las. Lápis, caneta, olivetti, laptop… – não importa a roupagem: amo o corpo nu da palavra bailarina.
Escrevi a dor: doía menos, doendo mais! Escrevi o sonho: sonhei intenso.
NO EXÍLIO, ENTENDI O POETA E SEUS GORJEIOS,
SABIÁS QUE LÁ NÃO TRINAM COMO CÁ
Não sei se fujo ou persigo: sei que é sina! Aberta a porta da cela, abriu-se a porta do mundo. Nunca mais soube em que chão cairiam meus sapatos, antes do sono: em que cidade ou país, ou qual a cama. Minha imagem do exílio é um par de sapatos: em que chão amanhã?
Descalçando meus pés – tamancos, chinelos – fui semeando Teatro do Oprimido por toda parte – hoje vive em mais de 50 países mundo afora – até em países que são mundos, como a Índia! – até em línguas que nem suspeito.
Nunca esqueci o teatro testemunho, que sempre fiz, continuei fazendo e quero mais: dirigi peças de Cortázar, Garcia Marquez, Griselda Gambaro, Guarnieri e até as minhas, na França, Argentina, Estados Unidos, Portugal, Áustria, Alemanha, por esses mundos estranhos, mundo a fora.
VOLTEI PRO MORRO, MAS NÃO ENCONTREI CACHORRO, COMO CARMEN HAVIA PROMETIDO…
Voltamos, Cecília e eu, mais Fabián e, agora, também Julián, nascido em Buenos Aires. Depois de 15 anos na Argentina, Portugal e França, o Brasil outra vez.
Descobri que a Bondade é uma invenção humana: precisa ser aprendida e ensinada. Não nasce em toda parte, como flor silvestre, maria-sem-vergonha: precisa ser cultivada.
O ser humano é mau aluno e pior professor. Acreditei que o teatro podia ajudar: na democracia do Teatro-Fórum, todos aprendem juntos – quem sabe, ensina; quem não, aprende. Como na Pedagogia do mestre Paulo Freire. Não se diz o que se pensa: entra-se em cena, atua-se o pensamento. A Palavra faz-se Ato, a idéia ganha corpo. O pensamento sangra.
Transgressão: sem ela, impossível libertar-se. Liberdade não se outorga: conquista-se.
Cecília que também é Rosa, e a Rosa que é Luíza, mais eu que sou Augusto, os três criamos um projeto, a Fábrica de Teatro Popular – Darcy Ribeiro deu benção e subvenção. Durou seis meses. Sementes duraram mais.
O DESEJO E A LEI
Bárbara, Claudete, Helen, Geo e Olivar – comigo estão já faz dez anos, parece que desde sempre! – junto com gente e mais gente, de perto e de longe, foram remando o barco: mar bravio.
Um dia nasceu a boa idéia, sorridente: não basta descobrir os bons caminhos – é preciso que o Desejo seja Lei. A lei é sempre o desejo de alguém, desde Hamurabi: por que não o nosso?
Fui eleito vereador: pela primeira vez na História do Teatro e na História da Política, uma companhia teatral inteira foi patrocinada pelo Poder Legislativo. Foi a primeira vez, em nossas vidas, que recebemos salário em dia…
Valeu a pena: em quatro anos, promulgamos treze leis vindas das ruas, escolas, sindicatos, vindas da gente pobre falando teatro. Teatro fazendo a Lei.
OS PRÓXIMOS 70 ANOS
Setenta já se foram – cheios, repletos, eu juro. Mas o mundo não se acabou, gente: está sempre começando, recomeçando novos começos.
Já ouço as três pancadas de Molière: começa o segundo ato.
Confesso: quero viver!”
Augusto Boal