Augusto Boal

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Aula do Seminário de Dramaturgia de 1966

03.11.2016

dramaturgia-3ra-aula-11_03_1966
Aula de 11/3/1966
O elemento essencial do teatro é o espetáculo de uma vontade livre, consciente dos meios que emprega para atingir um determinado objetivo, sendo que essa vontade conflitua com vontades antagônicas.
O que é liberdade? Essa definição se baseia nos estudos Hegel (Poética), onde ele já coloca o mesmo problema. Acrescenta que não se refere ao tipo de liberdade que não é a liberdade do cerceamento físico do personagem, quer dizer, o personagem pode ser livre mesmo em condições de sua liberdade física. É uma liberdade espiritual.

Dois exemplos: na possibilidade do personagem exteriorizar os movimentos de sua alma. Prometeus está acorrentado e não pode fazer nada. É o exemplo mais grave de prisão e no entanto, o personagem é livre porque pode dizer não a Zeus, tem a liberdade de se negar. Na medida em que tem liberdade de dizer, não pode ser um prisioneiro.
Segundo exemplo: Personagem de um quadro de Murillo, esse que aparece batendo no menino porque está comendo uma banana, mas, enquanto apanha, o menino manifesta desejo de comer a banana. É mais fraco do que a mãe e portanto está prisioneiro do outro personagem, mas é livre porque manifesta exteriormente a sua vontade. É exteriormente e dentro de certas medidas. Pode manifestar-se em termos de volição.
Não se refer e só a isto, mas faz uma gradação, uma violação, e já entra num terreno mais perigoso. Fala que certamente o personagem livre é aquele que manifesta sua vontade para o mundo objetivo, mas, ao mesmo tempo, é necessário que este personagem não esteja internamente, ou melhor, não tenha posto na sua cabeça certos objetivos interiorizados ou certos valores do mundo exterior.
Exemplo o personagem dramático por excelência, livre por excelência, que, além de poder manifestar livremente sua vontade, ele detém em si mesmo todos os poderes: o poder judiciário, por exemplo. Exemplo: o príncipe medieval desejando matar alguém que não tem que temer nenhuma pena que poderia existir fora dele. Ele é um homem que detém em si todo o poder. Decide nos três poderes. Este personagem não só é livre porém também não encontra fora de si nenhum obstáculo que não seja obstáculo ético, pois o único poder que não detém é o da liberdade ética. A moral que não depende dos homens.
Ia além: na medida em que a sociedade evoluía, ela ia incorporando costumes, hábitos, tradições, leis e nuances de lei, como se fosse sedimentado. Por exemplo: a sociedade Século XV tinha mais do que a do Século X, esta mais do que o século V, etc. Acrescentava tantas filigramas de lei, etc., que com o desenvolvimento da civilização haveria de chegar um momento em que um personagem de teatro seria impraticável, porque não haveria mais liberdade do personagem, pois estaria preso a todos estes hábitos, costumes, etc. Aos poucos vai se complicando mais a vida social que os seres ficarão confusos e presos.
Então o conceito de liberdade dele era este, isto é, o personagem é livre na medida em que se manifesta exteriormente.
O personagem teatral não é um ser humano que exerce as vontade particulares; é um personagem cuja vontade se identifica com algo universal. Por exemplo: Créon não é aquele particularmente que deseja não enterrar um dos irmãos de Antígone. A vontade se insere num universal que é a prioridade da lei do estado sobre a de família. Na medida em que ele se insere neste universal, tem uma necessidade de ação que não é capricho…
Na lei de Brunetière, ele fala uma coisa que o conflito é fundamental; o conflito de uma vontade consciente dos meios que emprega para atingir seu objetivo. O personagem deve saber quais os meios que emprega. Algumas peças talvez fugissem a essa regra, apesar de serem peças de teatro, apesar de serem inquestionavelmente peças de teatro. Archer tenta refutar a lei do conflito.
Exemplos: Otelo e Édipo. O primeiro é o personagem que já está enredado e que não está consciente de seus meios, ignora uma coisa – que Desdêmona é inocente. Édipo é ainda mais, porque quer descobrir o assassino de Laio, quando começa a peça já aconteceram todos os fatos que poderia dar o conflito. Quando começa a peça não há conflito possível. Se ele está pagando os pecados do pai, se eles está em luta contra Zeus. Ainda isto, o conflito entre ele e os deuses na peça e ele Édipo está numa armadilha. Então, segunda Archer, aqui não haveria conflito de vontades.
Romeu e Julieta é peça ou não? É bom teatro ou não. Qual o conflito entre Romeu e Julieta? William Archer coloca essas três peças como negação da teoria de Brunetière. Então, onde está o conflito de vontades conscientes? Essas peças negariam a validade dessa lei?
RESPOSTA: O conflito entre Romeu e Julieta não é entre eles mas sim entre os demais elementos da peça. Todos os tipos de conflito se encontram.
Monólogo é teatro? “Ser ou não ser” é teatro. Claro. Desde o começo. Monólogo não é uma peça, mas ele é teatral na medida em que tiver um conflito que não é entre um personagem e outro mas sim entre uma vontade e outra conta-vontade desse mesmo personagem. Há duas vontades antagônicas no mesmo personagem. Essa característica de conflito vale independentemente tanta para obras-primas como para peças ruins, como “As mãos de Eurídice”. É o personagem único criando conflitos o tempo todo. Mas essa peça é teatral.
Em Édipo ele tem uma vontade definida: ele quer saber quem matou Laio. Esta é sua meta- Quer punir o assassino. Não é consciente que o criminoso é ele mesmo. Mas ele é consciente dos meios que emprega para saber quem foi. A tragédia só se move porque há uma sequência de conflitos entre ele e Tirésias, por exemplo. A cena é teatral porque há um conflito de vontades. A peça existe porque há um conflito. O conflito seria entre ele e Deus, mas Tirésias é um preposto de Deus.
O caso de Otelo: ele sabe o que quer: ele quer matar Desdêmona, porque pensa que ela o traiu, por isso quer matá-la. Está consciente dos meios que emprega para matar Desdêmona e luta contra diversos obstáculos. Na primeira cena do terceiro ato a cena entre Otelo e Iago, um tentando convencer o outro que está errado.
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