Augusto Boal

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ECOS DA HOMENAGEM AUGUSTO BOAL 80 ANOS EM SÃO PAULO 4

15.06.2011

AUGUSTO BOAL.
Lembro-me de Boal, como gosto de chamá-lo, andando para lá e para cá, agitado, ágil e risonho no Teatro de Arena de São Paulo, ainda nos anos 50. Nunca estive perto dele, mas de longe era perceptível o seu empenho e alegria com o que fazia.
Tudo era novidade para mim que tinha vindo do Recife, em 1956, depois de meu casamento com um paulistano, Raul Hasche, nos tempos que havia uma enorme distância entre o que se podia fazer lá e o que já se fazia na ”Paulicéia Desvairada”, em termos de teatro.
O Arena mudou-se para o Rio, o Golpe de Estado nos atingiu malvadamente a todos, quer aos que se sabiam diminuídos e submetidos ao autoritarismo do Estado, quer aos que se animavam com os “tempos da moralidade”, da extinção da corrupção. Não se ouvia mais falar de Boal, obviamente, nem de muito/as dos que sonhavam com um Brasil melhor e mais justo. Exilaram-se. Esconderam-se. Ficaram mudos para poderem viver. Foram presos e torturados. Muitos foram mortos. Centenas continuam “desaparecidos”.
Vem a Abertura política, retornam os artistas, os filósofos, os autores e os atores. Os educadores e os cientistas. Pouco a pouco todos os e as que não conseguiam viver longe do Brasil voltam, alegremente, embora ainda temerosos com os atos cruéis da ditadura, para “repovoar” nossas cidades de esperanças e alegrias. Nosso país se renova e a luta pela liberdade de expressão, mesmo que ainda cambaleante, vai tomando o seu espaço usurpado como tinha sido pelos militares e seus pares no poder.
Boal entra em cena, novamente. Agora com o Teatro do oprimido, que partindo da pedagogia do oprimido, mas com características próprias, se divulga pelo Brasil e pelo mundo. Faz sucesso porque atende às aspirações e aos desejos populares.
Os anos se passaram e, de repente, eu já viúva, me caso com o “educador da consciência crítica”, Paulo Freire, que influenciou Boal a criar o teatro do oprimido. Representação dramática ou cômica que tem como fim último o mesmo do Método Paulo Freire de Alfabetização: possibilitar aos oprimidos e oprimidas, pela conscientização, saírem da condição de objeto para se tornarem também sujeitos da História.
Boal não copiou Paulo. Não foi seu discípulo no sentido que é atribuído correntemente à esta condição. Ele foi um recriador de Paulo, como tanto queria o meu marido. Tomou as bases da utopia freireana e a socializou no teatro de rua, no teatro conscientizador, no teatro que abre as portas para a cidadania e a libertação, assim como Paulo tinha feito com a educação. Inventaram a pedagogia e o teatro político brasileiro, a partir do cotidiano dos brasileiros e das brasileiras. Por isso se tornaram universais. Tanto Boal como Paulo se preocupavam, portanto, em resgatar a humanidade roubada deles e delas.
Numa linda noite carioca Boal e Cecília nos receberam para um jantar e para conversas amenas, no lindo apartamento deles, de frente para o mar. Anos depois ele, enquanto Vereador do Rio, propõe e entrega a Medalha Prefeito Pedro Ernesto a Paulo. No dia anterior foi nos receber no Aeroporto Santos Dumont. Não posso esquecer a cena, espontânea, amorosa, nada teatral: ele em passo ritmado, face risonha com um buquê de flores na mão, o qual segurava com firmeza, mas com ternura caminhando devagarzinho em direção a Paulo. Entrega o buquê. Abraçam-se e trocam beijos.
Anos depois Boal e Paulo recebem numa mesma cerimônia, o mesmo título: o de Doutor Honoris Causa da Universidade de Nebraska, em Omaha, nos EEUU. A cerimônia tinha a cara dos dois: homens sérios, pensadores famosos alegres como crianças. Era o primeiro desses títulos de Boal. Paulo, dez anos mais velho, recebia o seu trigésimo. Ficamos alguns dias juntos, nos conhecemos de perto, ficamos mais próximos e amigos.
Dois anos depois sou novamente recebida por Cecíla e Boal no nos apartamento deles do Arpoador. Falamos muito sobre Paulo. Perguntaram-me como tinha sido os últimos dias de Paulo. Boal se espantava como Paulo, na UTI de famoso hospital de São Paulo, tinha morrido depois que “tudo tinha passado…quando tudo estava sobre controle”, na voz dos medidos. Com Boal também foi a mesma coisa. Os médicos também disseram a Cecília, descanse em paz que seu marido está bem!
Almas gêmeas na generosidade e na grandeza da entrega para o querer bem aos outros e às outras; na astúcia de perceber a realidade perversa, mas continuarem firmes lutando com esperança por um mundo melhor; na amorosidade de amarem pessoas de qualquer cultura; na tolerância com relação às fragilidades humanas, que fingiam não ver Partiram, em condições idênticas, num mesmo dia, o 2 de maio, mas com 12 anos de diferença. Triste coincidência ou vontade de Deus?
Como “anjos” viveram sem querer ver as maldades humanas. Como homens amantes da Vida devem estar conversando no Céu sobre o querer bem que tiveram por muita gente de diferentes partes do mundo, mas, sobretudo sobre o amor que têm por mim e por Cecília!
Nita Freire
Ana Maria Araújo Freire é Doutora em Educação pela PUC/SP. Entre seus livros publicados se destaca o Paulo Freire: uma história de vida. Indaiatuba: Editora Villa das Letras, 2006. Prêmio Jabuti 2007, 2º Lugar, Categoria Biografia.