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“O arquivo, como impressão, escritura, prótese ou técnica hipomnésia em geral, não é somente o local de estocagem e de conservação de um conteúdo arquivável passado, que existiria de qualquer jeito e de tal maneira (…). Não, a estrutura técnica do arquivo arquivante determina também a estrutura do conteúdo arquivável em seu próprio surgimento e em sua relação com o futuro. O arquivamento tanto produz quanto registra o evento. É também nossa experiência política dos meios chamados de informação.”
Jacques Derrida em Mal de Arquivo.
Este texto se propõe a cumprir o papel de um testemunho. Não de um mero relato. A trajetória do acervo de Augusto Boal é mais do que apenas uma descrição das diversas e literais andanças e mudanças que sofreram as muitas caixas de materiais e documentos que hoje formam um arquivo de teatro político de extrema relevância para a história cultural do Brasil. Trata-se de um testemunho porque também abarca a luta para manter viva uma memória, não só a de Augusto Boal, mas uma coletiva. É um testemunho da resiliência de Cecilia Thumim Boal, companheira de vida e de trabalho de Boal, que abraçou a tarefa de preservar (a qualquer custo) um conjunto de materiais colecionados pelo companheiro ao longo de sua vida, por saber de cara pertencia a todos, não só a sua própria memória afetiva. Este texto narra um comprometimento com a luta pela preservação. E também procura dar voz a história do acervo através dos testemunhos, oferecidos a mim, por Cecilia Boal e Celia Leite Costa (que como veremos exerceu papel fundamental nessa história). Portanto, ao contar dos caminhos percorridos pelo arquivo, contamos também uma história de militância. Uma que reflete as dificuldades que a vasta maioria dos acervos de cultura do país enfrentam desde sempre, pela falta de políticas públicas efetivas e contínuas, dispondo apenas de eventuais e escassíssimos recursos públicos e/ou privados. E que sofrem, sobretudo, por omissão, de uma não valorização.
No eixo inicial desta história temos Augusto Boal, que em vida iniciou importante processo (consciente ou não) de auto-arquivamento de suas produções intelectuais e de toda sorte de registros de seus próprios trabalhos como teatrólogo, diretor, dramaturgo, escritor, pensador, professor, político e ativista politico-teatral, e que tornaria possível a existência póstuma do referido acervo. Documentação acumulada de forma contínua durante todas as suas mudanças territoriais e profissionais. Segundo Cecilia, nem ela mesma, que o acompanhou mundo afora em exílio político compulsório (passando por Buenos Aires, Lisboa e Paris), havia se atentado aos volumes que armazenavam nas residências que ocuparam durante seus 43 anos de casados. Uma coleção de memórias casualmente (des)organizadas por Boal em caixas, sem métrica, que juntas constituiriam um amplo conjunto de aproximadamente 10 mil itens de produções intelectuais e registros pessoais e históricos. E que imaginamos poderia ter sido ainda mais amplo e robusto não fossem as eventuais perdas decorrentes das constantes travessias fronteiriças.
Aqui é inevitável pensar que Boal, dentro de seu entendimento sempre político da vida e da arte, já dava início a alguma instância de preservação, mesmo que de forma espontânea e desordenada. Ao não se desfazer de seus próprios trajetos de memória, ao não negá-los, ainda que primariamente por motivação afetiva, Boal, como um colecionador instintivo, nos permite hoje um olhar futuro sobre o seu trabalho passado. Ou seja, confere ao seu arquivo a mesma potência de suas técnicas teatrais – a partir da valorização da memória e dos processos históricos impulsionar transformações políticas e sociais.
Prova disso, é que os caminhos do arquivo propriamente dito foram iniciados por Boal ainda em vida, quando encaminhou em 2008 para a UNIRIO, em regime de comodato, os materiais que havia reunido durante sua trajetória. As caixas, no entanto, permaneceram lá intocadas por dois anos. Até que, já em 2010 (ano seguinte ao falecimento de Boal), após tentar sem êxito (apesar dos esforços) financiamento para a organização e preservação do arquivo, o professor responsável sugere à Cecilia sua retirada, tendo em vista que alguns documentos de suportes mais frágeis começavam a deteriorar. Aqui tem início saga comum a tantos outros acervos que lutam, de forma independente, pela preservação de materiais de notório interesse público, enquanto são obrigados a testemunhar seu possível apagamento fisico pelas múltiplas ações do tempo.
Neste mesmo ano de 2010, Cecilia cria o Instituto Augusto Boal, que já nasce com a vocação para a preservação. Visando divulgar e dar continuidade à obra de Boal, o Instituto logo se ocupa de seu arquivo. Este composto por: textos, correspondências, fotografias, recortes de jornais, registros de montagens teatrais e oficinas realizadas em diversos países, além de fitas de áudio e vídeo. As caixas de documentos são retiradas da UNIRIO e colocadas em uma sala, alugada por Cecilia, como pouso provisório. Novas negociações rumam em direção à Fundação Darcy Ribeiro. Por um breve momento os materiais parecem ganhar nova casa. Mas, de novo, a ausência de recursos da própria fundação para manter-se, e com isso tratar o acervo, inviabiliza sua permanência na instituição. É neste interim que Cecilia ganha o apoio fundamental de Celia Leite Costa, que se tornaria, dali em diante, sua fiel companheira neste enredo. Comprovando que redes de apoio e solidariedade continuam sendo importantes alianças na árdua tarefa de lutar por preservação num país desprovido de políticas para tal fim.
Célia, historiadora, arquivista e na época, em 2011, diretora técnica da Fundação Museu da Imagem e do Som (MIS), é convidada por Cecilia a colaborar na criação de um projeto de captação para a Lei Rouanet visando a catalogação e organização do material em questão. Junto como Luiz Boal, assumem essa tarefa. Aplicando a metodologia desenvolvida pelo CPDOC[1] (inclusive com a contribuição de Celia durante seus muitos anos de trabalho no centro), estimam inicialmente, a partir das inúmeras caixas de documentos desordenados, um acervo de 40 mil itens, que após posterior limpeza e retirada de cópias, viria a se tornar o conhecido conjunto de aproximadamente 10 mil itens.
Sem o apoio de instituição cultural (por também sofrerem de negligência pública e escassez de recursos financeiros) que se disponibilizasse a fazer a guarda e tratamento dos materiais, as caixas retornaram para a casa de Cecilia, ao antigo escritório de Boal. O acervo recebe então proposta de aquisição da Biblioteca da Universidade de Nova Iorque. Mas a ideia de retirar o acervo do país não agrada Cecilia que, a despeito da falta de interesse em território nacional, acreditava que o acervo pertencia à memória do Brasil. A proposta acabou sendo publicizada na imprensa mobilizando determinados setores acadêmicos e institucionais. Surgem tratativas para a aquisição do acervo por parte da Funarte e do Itaú Cultural – todas malfadadas. Até que, neste contexto, em 2011, um acordo alinhavado pelo então ministro da educação, Fernando Haddad, assegura limitados recursos para a preservação inicial dos materiais que seguiriam, em comodato, para a Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ao relatar esse período, Cecilia ressalta a importância da UFRJ para o acervo através principalmente dos esforços de Eleonora Ziller, do Departamento de Letras, que, junto com Eduardo Coelho, coordenava a pequena equipe designada para iniciar o tratamento do acervo, que logo se encontrou sem condições de manter o trabalho. Como lembra Cecilia, Eleonora não só abraçou o arquivo, institucional e afetivamente, mas conseguiu assegurar recursos para a digitalização das fitas VHS que se deterioravam de forma acelerada. Trabalho este que, por sua vez, foi também motivado e executado por Fabian Boal, filho mais velho de Cecilia e Boal. Mas, como já notório, políticas públicas no Brasil sofrem de crônica e assombrosa volatilidade ou descontinuidade ao sabor das transições (quando não convulsões) políticas do país. As de cultura ainda relegadas a condição de supérfluas. Assim, com os prenúncios das turbulências políticas que afetariam o país em 2013, as condições financeiras da UFRJ são drasticamente afetadas. A dramática precarização das universidades públicas que seguiria (e segue até hoje) atingiu, como sabemos, todo o sistema de ensino, e claro, o trabalho de preservação do acervo.
2014 trouxe outros importantes projetos paralelos e com isso novos parceiros e recursos fundamentais para o Instituto Augusto Boal e o acervo. Foi ano de intenso trabalho na preparação de duas grandes exposições que aconteceriam em 2015. A primeira, uma retrospectiva da vida e obra de Boal, no CCBB do Rio de Janeiro. E, em seguida, uma grande exposição sobre o Teatro de Arena de São Paulo[2], intitulada “Arena Conta… Teatro e Resistência no Brasil (1965-1970)”, fomentada pelo Sesc Nacional, com circulação em vários estados. Com a ajuda de Celia, Cecilia começou a mexer nos materiais que seguiriam para as duas exposições. Esse processo gerou dois importantes impactos no projeto do acervo. Por um lado, permitiu que Celia iniciasse seu processo de definição do arranjo documental do arquivo. E, por outro, trouxe recursos para tratar parte significativa dos documentos.
O suporte do Sesc ao Instituto torna-se fundamental, em especial através de Marcia Rodrigues, da gerência nacional de cultura. Seu interesse em realizar importante exposição a partir do acervo Boal, acaba por disponibilizar recursos suficientes para que toda a fase do Teatro de Arena fosse catalogada. Mais uma vez faz-se essencial o papel daqueles que compreendem a importância e engendram esforços em prol da preservação e da memória cultural do país. Como Marcia mesmo pontua, em entrevista feita pelo Instituto Augusto Boal sobre o que motivou seu apoio na época: “fiquei impressionada com a riqueza do material e a necessidade de manter o registro dessa história tão importante para o teatro latino americano. Entendo que a preservação desse acervo é importante para a história das artes cênicas no Brasil e na América Latina e infelizmente sabemos que não existem políticas públicas no momento que tenham essa preocupação. O acervo tem a possibilidade de propiciar que gerações atuais conheçam um trabalho pujante, de resistência, que transborda fronteiras físicas com conteúdos estéticos e éticos na dimensão da reflexão e crítica.”
No ano seguinte, em 2016, é vez do Instituto Moreira Salles (IMS) se interessar pela rica documentação e realiza a exposição “Cartas do Exílio”, baseada nas cartas trocadas entre Boal e seus conterrâneos durante seus quase 15 anos de exílio por conta da ditadura militar no Brasil. Preocupada com a condição física das cartas guardadas, Cecilia negocia com o IMS a doação da totalidade da série documental intitulada ‘Correspondência Pessoal e Correspondência de Terceiros’, já inteiramente catalogada pela pequena equipe do IAB, liderada por Célia.
Aos poucos o material vai ganhando corpo e organização, ao passo que a situação da UFRJ infelizmente se deteriora. Em 2018, os materiais que lá ainda se encontravam retornam, mais uma vez, ao seu pouso de origem no antigo escritório de Boal, na casa de Cecilia. Lá, a incansável equipe do IAB com os escassos recursos provenientes dos projetos citados, constroem um banco de dados online e dão prosseguimento a catalogação e digitalização dos documentos, mesmo após findo os recursos. Ainda se empenham em criar e alimentar um site extremamente rico em conteúdo, com a trajetória completa de Boal.
Mas a preservação de um arquivo demanda constantes cuidados de manutenção e espaço adequado. Um penúltimo capítulo em busca desse lugar levaria Cecilia a negociações com a Fundação Casa de Rui Barbosa, que demonstrou interesse em abrigar o arquivo no seu Centro de Memória. No entanto, a assinatura do contrato que se daria em julho de 2018 não acontece, mais uma vez, devido as oscilações políticas do país (lembremos, este foi o ano da última e calamitosa eleição presidencial que tomou de assalto o país). Mas, o que outrora poderia reverberar como frustração pela demora burocrática neste processo, acabou por significar, de forma tortuosa, a salvaguarda do acervo. Já que hoje também a Casa de Rui sofre com o absurdo desmonte obscurantista da cultura desencadeado a partir das eleições.
Por fim, em 2019, bons ventos voltaram a soprar na direção do acervo, concluindo o que espera-se um capítulo feliz e final dessa história. Após muitas conversas, Cecilia e o Museu Lasar Segall em São Paulo efetivaram a doação do arquivo físico ao museu. O acervo Augusto Boal, que já se encontra de 85% a 90% catalogado e digitalizado, restando apenas uma pequena parcela a ser finalizada pela Lasar Segall, está hoje sob a guarda de suas excelentes instalações técnicas. Já o banco de dados, ou seja, o arquivo online, permanece sob a responsabilidade do Instituto Augusto Boal que, mesmo sem recursos financeiros, o mantem vivo. Esse feito se deve puramente à resistência e militância de Cecilia Boal e dos fiéis parceiros que conseguiu angariar ao longo dos últimos 10 anos.
A luta pela preservação é tão política quanto afetiva, e faz jus à história do próprio Boal. Este é um acervo que se propõe a provocar reflexões a respeito das “diversas vertentes da cultura brasileira presentes na obra teatral e literária de Boal, tendo em vista o caráter revolucionário de suas propostas, bem como sua militância por meio do uso de técnicas teatrais.”[3] Em suma, o trajeto percorrido pelo acervo até encontrar-se hoje no Museu Lasar Segall foi um extremamente sinuoso, mas sem sombras de dúvida construído na luta, com perseverança, solidariedade e, por que não, amor pela cultura.
Abri este texto com uma citação de Derrida retirada do texto “Mal de Arquivo”. O arquivo, como indica Derrida, fala não só do passado, mas sobre “a própria questão do futuro, a questão de uma resposta, de uma promessa e de uma responsabilidade para amanhã”. Preservar é também ressignificar, carrega em si a possibilidade de transformação. E, assim, encerro com uma fala de Cecilia Boal que ecoa não só como uma conclusão para sua saga pessoal, mas como um alerta para a situação da preservação e conservação no Brasil. “Hoje em dia o trabalho com acervos, como foi e é com o de Boal, é um verdadeiro trabalho de militância e resistência política, porque o que há no Brasil é um projeto de apagamento da memória. Não só não há resgate, como querem apagá-la.”
A luta pela memória da obra de Boal está circunscrita na luta pela memória política, social e cultural do Brasil. Ao lutarmos pela nossa memória coletiva honramos Boal, que dedicou sua vida ao exercício pleno da democratização da cultura e ao não apagamento da história de nosso país.
por Fabiana Comparato
Fabiana trabalha com pesquisa, tradução, escrita e conteúdos culturais, tendo trabalhado também com gestão e políticas públicas para cultura. Atualmente colabora com o Instituto Augusto Boal, como pesquisadora e redatora.
Equipe IAB:
Cecilia Boal
Celia Costa
Thaís Paiva
Alexandre Behnken
Colaboradora:
Fabiana Comparato
[1] O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) é a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas.
[2] O Teatro de Arena, importante celeiro de dramaturgia brasileira nos anos 1950 e 1960, e que revolucionou o teatro no país, foi dirigido por Augusto Boal por aproximadamente 15 anos, de 1956 a 1970.
[3] trecho retirado do texto de apresentação do acervo, encontrando no banco de dados online.
Carta de Augusto Boal à Cesar Maia, escrita e pronunciada na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, provavelmente em 1995.
“Senhor Prefeito, senhoras e senhores, vereadores ou não: quero me congratular com V. Ex. Acho saudável que os poderes se encontrem, dialoguem. Quero também dizer que este diálogo, para que seja fecundo, deve ser franco e sincero.
No passado, trocamos farpas, espinhos, fomos mutuamente deselegantes. Confesso que não deveria ter comparado V. Exa. a um jogador de futebol da minha infância, jogador imprevisível, incoerente, Tuninho Buscapé. E creio que V. Exa. não tinha o direito de difundir rumores segundo os quais nós do PT teríamos assinado um pacto secreto com Satanás. Sabemos todos que nós, petistas, embora não tenhamos lugar garantido no Céu, tão pouco freqüentamos paragens infernais. Errou V.Exa e errei eu, porque V. Exa. pode ter todos os defeitos que tiver, mas certamente não é incoerente. O que nós questionamos é a natureza dessa coerência que faz do Prefeito um aliado incondicional de 16% dos eleitores que nele votaram no primeiro turno – a crer no que ele mesmo disse em artigo no JB! – e não aliado da maioria da população carioca, como seria seu dever.
O gesto do Prefeito, vindo ao nosso encontro, deve ser premiado com a nossa sinceridade, franqueza, sem escamotear discordâncias, nem esconder nossa indignação. Ser cortês não significa mentir ou calar, mas, ao contrário, tudo revelar, expor à luz do sol e ao julgamento da cidadania.
Aceitamos o diálogo embora convencidos de que diálogo não haverá, a não ser o dos surdos. Assistiremos a monólogos entrecruzados: o abismo que separa nossas convicções políticas não se constitui apenas de discordâncias partidárias ou programáticas. Trata-se de um abismo ético e moral.
Somos antropocêntricos: para nós, o ser humano – e não os números, – deve estar no centro de todas as nossas decisões políticas. O que é que isso significa?
Destaco dois capítulos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, refere-se à devastação que a Prefeitura permite e promove na rede hospitalar.
Na segunda feira passada tivemos aqui nesta Casa a presença de médicos e funcionários de hospitais municipais. E o que ouvimos nos fez duvidar se estávamos no Rio de Janeiro ou no Bangladesh; o que ouvimos justificou a letra da canção: “O Haiti é Aqui”.
Senhor Prefeito: saiba Vossa Exa. que no Hospital Miguel Couto, atualmente, o cardápio servido aos doentes consta apenas e tão somente de feijão e angu. Nem carne, nem peixe, nem galinha doente, nem rapadura: só angu e feijão. Pão não existe porque a dívida com a padaria não foi paga. Saiba V.Exa. que, naquele Hospital, os doentes têm uma regalia negada aos médicos, enfermeiros, anestesistas e funcionários: só doentes têm direito à água potável. Os sãos adoentam bebendo água insalubre: dentro de pouco tempo todos terão direito à água potável, pois estarão todos enfermos. Isto no Rio de Janeiro, cidade que V.Exa. governa.
Saiba V.Exa. que já houve casos em que médicos foram infectados por não usarem luvas: luvas não foram compradas por falta de verba. Hospitais deixam de ser o lugar onde médicos curam doentes e passa a ser o lugar onde doentes infectam médicos.
Saiba V.Exa. o mais estarrecedor: médicos, enfermeiros, anestesistas estão abandonando seus postos e até a profissão – a profissão e até o país! – em virtude dos salários miseráveis que recebem. Pode um médico – mesmo iniciante – sobreviver, no Rio de Janeiro com 180 reais mensais? Livros de medicina existem que custam quase isso.
Corolário inevitável: falta pessoal em todos os hospitais. Em recente reportagem publicada na imprensa, médicos revelaram a angústia que sentiam ao serem obrigados a escolher entre 4 ou 5 pacientes graves, qual o que deveria sobreviver, quais os que morreriam, pois não há médicos, nem anestesistas, nem medicamentos para todos. Cada médico, como Schindler, faz a lista dos que deverão viver, e à morte condena os demais. Na Alemanha nazista, os judeus eram condenados por serem judeus; no Rio de Janeiro, os pobres por serem pobres. Mas a morte é a mesma, seja a causa mortis racismo ou negligência.
Saiba V.Exa. que, na cidade que governa, existe pena de morte e os que são condenados a aplicá-la são os trabalham em nossos hospitais. Vítimas, condenadas a ser algozes.
O descalabro que tantas vezes foi denunciado em nossas escolas, impera em nossas casas de saúde, transformadas em corredores da morte.
Não espero de V.Ex.a. nenhuma explicação: V.Exa. dirá que os hospitais municipais do Rio recebem pacientes de todo o Estado, o que é verdade, e que a Prefeitura não tem dinheiro para enfrentar essa situação, o que não é verdade. Fosse essa a vossa resposta – como foi recente declaração vossa à imprensa – eu diria que não é verdade: seria, se os leitos dos hospitais estivessem disponíveis na sua capacidade atual, quando estão destroçados; seria, se remédios e aparelhos cirúrgicos existissem, e não existem; seria, se fossem os funcionários bem pagos – não são.
O fato do Souza Aguiar receber pacientes de outras cidades só agrava situação gravíssima, mesmo sem essa afluência. Fosse essa vossa resposta, diria eu que dinheiro existe e muito. É preciso buscá-lo onde está: no bolso dos ricos. Esta é tarefa do Prefeito. Porém, V.Exa. declarou à imprensa sentir-se comprometido apenas com 16% da população. E esses não são os pacientes da rede hospitalar carioca.
V.Ex.a. é coerente – Robin Hood às avessas – e premia constantemente os ricos eleitores com isenções e outros agrados. Aqui vai um exemplo, na própria área da saúde. Foi a Prefeitura que solicitou e obteve a remissão da dívida das companhias seguradoras de saúde, no ano passado, através do PL212/93. Nós calculamos que essa lei aqui votada, às pressas, fez a Prefeitura perder mais do que 15 milhões de dólares. Foi o nosso cálculo então. Queríamos certeza oficial e fizemos um RI solicitando precisões. Não tivemos resposta.
A Prefeitura nos pede em Mensagem (PL296/93), que ainda não foi votada, remissão de dívidas de ISS para as Agencias de notícias. Esta isenção vigorou até 1988 e foi anulada, com justiça, pela Lei nº 1371, de 30/12/88. Por quê revogar a justa lei? As agencias ameaçam mudar-se do Rio. Será verdade? Crê alguém que a United Press, Associated Press, e outras, iriam abrigar-se em Roraima, se lá obtiverem a isenção que aqui pleiteiam? Claro que não: as agencias de notícias ficarão sempre onde as notícias acontecem.
A Prefeitura, através do PL 700/94, pede a anistia de débitos de IPTU de imóveis recadastrados na Barra e no Recreio. A Prefeitura teria o direito de cobrar os últimos 5 anos, e ela esta buscando anistiar mais ou menos US$1.200.000,00 a que tem direito com o novo valor resultante da alteração do cadastro. O Município gastou uma enorme soma de recursos para promover o recadastramento e quer perdoar os devedores, sem sequer calcular o valor total desta divida.
Casas e casebres em situação irregular às margens de uma lagoa declarada área de proteção ambiental despejavam detritos, comprometendo o ecossistema e destruindo o manguezal (embora o Barrashopping faça exatamente a mesma coisa). Depois de anos de disputa judicial, foi sustada uma liminar, pela Juíza da 2a Vara de Fazenda Pública. Isso permitia que a Prefeitura removesse os moradores, embora não autorizasse a derrubada das casas. O Prefeito cumpriu com rigor a ordem judicial, e foi além, derrubando as casas.
Já no caso do Iate Clube Jardim Guanabara, que se gaba publicamente de ter incorporado ao seu patrimônio mais de 8 mil m2 de praia e do Sport Clube Jardim Guanabara, que fez o mesmo, o Prefeito acha por bem não cumprir as portarias U/SMA 61 de 23/12/93 e 4 de 29/7/92 que obrigam a remoção do que foi edificado na areia e dos muros que impedem, inconstitucionalmente, o acesso da população à praia.
Como eu desejaria que V.Ex.a. uma vez na vida fosse incoerente e nesse fugaz lampejo de incoerência, reaparelhasse hospitais e escolas, humanizasse os salários da educação e da saúde. Nesse dia, V.Ex.a. teria o aplauso de bem mais do que os vossos 16% de eleitores.
CESAR MAIA
TERCEIRIZAÇÕES:
COMLURB -Foi contratada uma empresa privada para a coleta de lixo.
SERVIÇOS DE AMBULÂNCIAS
CARNAVAL – A Prefeitura firmou um convênio com a LIESA (Liga das Escolas de Samba), entregando a ela o Carnaval.
CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES para a rede publica em regime de prestação de serviços. No caso, professores aposentados. Ele vetou no projeto que autoriza estas contratações, justamente a obrigatoriedade da realização de concurso publico. Segundo informações do SEPE, a Prefeitura pretende terceirizar os serviços de apoio das escolas (merendeiras e serventes) e dos hospitais.
Criou uma secretaria extraordinária para terceirizações e privatizações.
Contratou o torturador Paulo Cesar Amendola de Souza como Superintendente da Guarda Municipal.
Ele foi denunciado pelo Grupo Tortura Nunca Mais desde 1982 e comanda uma Guarda Municipal extremamente truculenta, violenta, que tem tido como tarefa básica , desde sua criação, espancar camelôs.
VIA PARQUE – IATE CLUBE JARDIM GUANABARA
Casas e casebres em situação irregular às margens de uma lagoa declarada área de proteção ambiental. Despejavam detritos na lagoa comprometendo o ecossistema e destruindo o manguezal (embora o Barrashopping faça exatamente a mesma coisa). Depois de uma disputa judicial, foi sustada uma liminar anterior, permitindo desta forma que a Prefeitura removesse os moradores, embora não autorizasse a derrubada das casas. O Prefeito cumpriu com rigor apenas parte da ordem judicial, derrubando ilegalmente as casas. Já no caso do Iate Clube Jardim Guanabara, que se gaba publicamente de ter incorporado ao seu patrimônio mais de 8 mil m2 de praia e o Sport Clube Jardim Guanabara que fez o mesmo, o Prefeito acha por bem não cumprir as portarias U/SMA 61, de 23/12/93 e 4 de 29/07/92, que obrigam a remoção do que foi edificado na areia e dos muros que impedem, ilegal e inconstitucionalmente, o acesso da população à praia.
VETOS
PL 1228/92
“Dispõe sobre a pratica de revistas intimas nos funcionários(as) pelas empresas, e da outras providencias”.
Autor: Adilson Pires
Veto foi derrubado, tendo sido transformado na Lei nº2001 de 30/06/93 – DCM de 01/07/93
PL 1830/92
“Proíbe a construção residencial ou comercial na orla marítima com gabarito capaz de projetar sombra sobre o areal e / ou calçadão”.
Autor: Wilson Leite Passos
Veto mantido em 08/12/93 – DCM de 10-12-93
PL 1992/92
“Altera o Decreto 9809 de 21/11/90”
Autor: Guilherme Haeser
Vetado pelo Executivo e o veto foi mantido. Altera o Decreto 9809, que isenta os bancos de multa e juros de mora sobre ISS devido (referente não a totalidade do que os bancos devem).
PL 2074/92
“Dispõe sobre a publicação no Diário Oficial do Município da relação de compras, bem como das obras e serviços contratados pelos órgãos da Administração Publica Direta e Indireta e da outras providencias.
Autor: Adilson Pires
Veto foi mantido e projeto foi ao arquivo.
Projeto Multirio – (310-93)
Criava a Empresa Municipal de MULTIMEIOS, para dotar as escolas municipais de antenas parabólicas e aparelhos de video cassete. Um absurdo, quando se levam em consideração as prioridades da Educação no Rio de Janeiro. Lei nº 2029 de 18/10/93.
Ele vetou todos os artigos que permitiam que houvesse um mínimo de controle pelos servidores da SME , pela Câmara e pela população sobre o projeto.
No Orçamento para o ano de 1994, através de emendas negociadas com o líder do governo, foram acrescentadas verbas aos programas de trabalho destinados a pagamento de pessoal da educação e da saúde. O Prefeito, por Decreto, remanejou esses recursos e mais alguns , para capeamento e recapeamento de logradouros, desfalcando esses programas de trabalho. Hoje alega não ter recursos para melhoria salarial dessas categorias.
LINHA AMARELA X SAÚDE
O Prefeito anunciou publicamente que pretende investir cerca de 200 milhões de dólares na execução das obras e projetos da Linha Amarela. Esta deve captar não mais que 20% do tráfego dos horários de pico e 10% do de outros horários, além de transportar apenas 80 mil passageiros/dia em transporte coletivo, o que é pouquíssimo, segundo todos os especialistas consultados. Uma absurda relação custo/benefício. Custo alto para muitos e benefício para a minoria. Sem contar o custo ambiental.
Estima-se que a Prefeitura venha a gastar durante o ano de 1994, cerca de 130 milhões de dólares com a SAÚDE. E ele alega que não tem verba para a saúde. O Hospital Souza Aguiar, o maior pronto-socorro do Estado, quase fechou por falta de profissionais e equipamentos. Os profissionais de saúde recebem uma remuneração ridícula.
SUPERÁVIT DA PREFEITURA ANUNCIADO PELA IMPRENSA DE 65 MILHÕES DE REAIS.
No final de 1994, as notícias de jornais davam conta de 1 bilhão de reais de ‘superávit’ , que certamente vai ser utilizado em obras viárias, de embelezamento ou qualquer outra coisa que não a melhora das condições das redes municipais de Saúde e Educação. O Prefeito ofereceu 3 empréstimos , taxa de 1% ao ano , ao Governo Estadual para terminar o rabicho da Tijuca e para equipar a Polícia Militar .Para o Governo Federal , para a ampliação do porto de Sepetiba. Segundo o próprio César Maia, a origem destes recursos é o PREVI-RIO. Dinheiro, portanto, do funcionalismo público municipal e não da prefeitura.
RELACIONAMENTO ENTRE CESAR MAIA E REDE HOTELEIRA
PL 2048/92 (dezembro de 1992) – recém-eleito, César Maia propôs uma redução de 75% no valor da taxa de lixo dos hotéis. (Aprovado pela Câmara).
PL 286/93 – Depois de tomar posse, o Prefeito propôs nova mudança no cálculo da taxa de lixo dos hotéis, considerando-os como área residencial para efeito de cobrança da referida taxa. Isso provoca mais uma enorme redução no valor da mesma. Aprovado pela Câmara.
PL 773/94 – “Dispõe sobre a redução do IPTU dos imóveis utilizados por hotéis e dá outras providências”. Mais tarde foi condensado num projet_o tributário. Aí ele propõe uma redução do IPTU dos hotéis e similares por cinco anos no valor de 60 a 40%, progressivamente, além do perdão de 60% de suas dívidas.
Em maio de 1994, o Jornal “O DIA” publica matéria em que afirma ter havido compensação tributária: banquete no Hotel Meridien para funcionários da Prefeitura cuja conta foi abatida da dívida de IPTU deste hotel. Em resposta a Requerimento de Informações do Vereador Fernando William, no item 3, há a informação de que a compensação havia sido autorizada pelo Prefeito.
Em 29/09/94 o Diário Oficial publicou tomada de preços – nº 025/94. Objeto: prestação de serviços referentes ao aluguel de salão de Hotel 5 estrelas. Valor estimado: R$103.087,17.
Até 31/12/90 os hotéis eram ISENTOS de IPTU. Alguns acumulam dívidas até hoje.
PL 419/93 – Remite créditos tributários do Botafogo. Foi transformado em emenda ao projet_o que modificava o Código Tributário e, apesar de aprovada no Plenário, foi vetada pelo Prefeito. Era um grande empenho do Líder do Governo na Câmara, José Moraes, que desistiu da liderança.
No inicio de seu mandato o Prefeito propôs inúmeras anistias de IPTU e outros tributos – PLs 3,4,5,etc. de 1993. Em si mesmos, eles não aso muito importantes, mas eram dispensas de receitas para o Município, inviabilizando maiores recursos para investir na Educação e Saúde, por exemplo. A exceção importante nesta regra foi a anistia e isenção concedidas a aposentados e pensionistas maiores de 65 anos , com renda mensal familiar de até 2 salários mínimos para imóveis de até 80 m2. Aqui é um exemplo importante, porque, quando se trata de beneficiar os pobres, o prefeito é minucioso, coloca mil restrições para conceder anistias e isenções.
PL 296/93 – Trata da remissão de dívidas de ISS para agências de notícias isenção para as agências de notícias vigorou até 1988 e foi anulada pela Lei no. 1371, de 30/12/88.
PL 700/94- Pede anistia de débitos de IPTU de imóveis recadastrados na Barra e no Recreio. Esta anistia incide na diferença entre o valor devido de IPTU e taxas pelos dados cadastrais atuais com o novo valor resultante da alteração do cadastro e o que era devido anteriormente (anistia de = ou – US$1.200.000,00. Este projeto foi incorporado no projeto tributário acrescido de uma emenda que dizia que só poderia ser beneficiário desta anistia o proprietário de um único imóvel no Município. Foi aprovado o projeto, mas o Prefeito vetou esta restrição).
Este projeto tributário incluiu uma emenda da nossa bancada, mais Guilherme e F. William, que cobrava ISS das Instituições financeiras. Foi aprovada e sancionada em 30.12.94. Em fevereiro de 1995, o Prefeito mandou ofício à Câmara dizendo que houve erro na publicação, vetando essa emenda!!!!!!!!!!! PL 700-A/94.
Orçamento 1995 – Negociação complicada e secreta, envolvendo muitos recursos destinados principalmente à viabilização da Linha Amarela. Prioridade para as áreas viária e urbanística, negando os imprescindíveis recursos para as carentes áreas da Educação e da Saúde.
(Quanto aos profissionais da Educação, que são, em média , 50 mil, cerca de 10 por dia pedem exoneração. Só em outubro de 1994 foram 138. E dos aprovados em concurso, metade desiste. Isto sem falar na parte física da rede, em péssimas condições. O mesmo podemos dizer em relação à Saúde, cuja situação caótica põe em risco a vida da população da cidade).
Outra menina dos olhos do Prefeito é o ‘Projeto Rio Cidade’, o maior exemplo de inversão de prioridades, uma vez que privilegia setores da sociedade que já dispõem de estrutura, em detrimento de outros que nem o básico possuem. São melhorias estéticas em certos pontos da cidade, visando incrementar o setor turístico.
O Orçamento é obrigatoriamente enviado à CMRJ até 30/09. No dia 09/12/94, o Prefeito enviou uma mensagem à Câmara dizendo que houve um “erro” no Orçamento devido ao Plano Real, na estimativa da receita de IPTU, ISS e ICES (repasse) de cerca de 70 milhões no total. Nesta mensagem ele diz claramente que esta receita vai para o pessoal da Saúde e da Educação (ativos e inativos).
As nossas emendas ao orçamento retiravam recursos da Linha Amarela e as deslocavam para a Saúde e Educação (dava mais ou menos 50% de reajuste para estas categorias). Com a mensagem do Prefeito de que havia mais recursos e que estes iriam para o pessoal da Saúde e da Educação, numa média de 22% de aumento !!! , nossas emendas foram para o bloco de rejeição, perderam o apoio de alguns Vereadores e foram, natural e inevitavelmente para o arquivo.”
Palestra conferida por Augusto Boal “Entre o teatro e a vida” e debate com o público.
Nessa palestra, Augusto Boal leu a primeira versão do artigo “O teatro como vida e a vida como teatro” publicado no livro “O teatro como arte marcial”, em 2003. Também fala sobre uma experiência teatral desenvolvida com empregadas domesticas, relatada no mesmo volume com o título “A mulher no espelho”.
Link: Entre o teatro e a vida *pdf
Pedro Vianna Godinho Peria
A pesquisa de Iniciação Científica (Graduação em Administração Pública da FGV-SP), Teatro e Participação Social: a experiência do Teatro Legislativo de Augusto Boal como instrumento de participação(PERIA, 2019), analisou o Mandato Político-Teatral Augusto Boal sob o enfoque da Democracia Participativa e investigou quais os ensinamentos que o laboratório político-teatral empreendido por Boal na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro de 1993 a 1996 podem trazer para o desenvolvimento de nossas instituições participativas.
Articulando os domínios teatral, da relação constante com grupos de Teatro do Oprimido, e legislativo, da proposição de projetos e articulação político-partidária, o Mandato Político-Teatral de Augusto Boal implementou um desenho participativo novo, aqui chamado de artístico de co-produção e pedagogia. O seu gabinete, que misturava pessoas vindas do movimento social de base com artistas e partidários, passou por conflitos internos e pressões externas para tentar uma outra forma de fazer Política, pela Arte.
Esse projeto democraticamente eleito usou o Teatro como meio para buscar transitividade na Política, baseada na interação, na troca, no diálogo. Buscando escapar do paradigma demagógico – e autoritário -, frequente no contato com oprimidos, Boal decidiu basear as atividades do seu mandato num modelo de produção conjunta e educação política, viabilizados pelas técnicas do Teatro do Oprimido. Aqui reside o primeiro ensinamento do laboratório do vereador. Tratando-se de um projeto de Democracia Participativa, a melhor forma de qualificar a participação é envolver o cidadão, nesse caso, cidadãos oprimidos, em todo o processo de decisão política. Complementar a isso, a educação sobre a administração pública deve ser entendida como central para que o fazer conjunto não se limite apenas àquela decisão política imediata. Assim, o fazer (co-produção) e o conhecer (educação política) são faces de um mesmo processo.
O uso dessas duas dimensões, apresentadas aqui como os caráteres co-produtivo e pedagógico do Teatro Legislativo, significa acreditar na potência de uma cidadania ativa. Se o Teatro do Oprimido permite aos oprimidos o uso dos meios de produção teatral, o Teatro Legislativo permite aos oprimidos o uso dos meios de produção da cidadania. Essa percepção é radical, pois as classes privilegiadas não têm medo da cidadania quanto ela está restrita aos direitos do cidadão como eleitor. Pelo contrário, elas desejam esse cidadão. Temem apenas a cidadania democrática, a cidadania ativa. Há um grande salto qualitativo entre o cidadão meramente eleitor, contribuinte e obediente às leis, e o cidadão que exige a igualdade através da participação, da criação de novos direitos, novos espaços e da possibilidade de novos sujeitos políticos, novos cidadãos ativos. (BENEVIDES, 1994)
Nesse sentido que a capacidade democratizante do Teatro Legislativo deve ser considerada como ampla. Ou seja, deve-se entender a crença numa cidadania ativa e o seu fortalecimento por meio de meios co-produtivos e pedagógicos como um conjunto efetivo para a implementação de modelos participativos profundos.
Estando o primeiro ensinamento possível do Teatro Legislativo ligado ao seu caráter co-produtivo e pedagógico, o segundo aprendizado que pode-se retirar da experiência relaciona-se com o caráter artístico. A grande inovação da proposta boalina é, sem dúvida, o uso de uma Arte Subversiva como meio para a criação de relações políticas co-produtivas e educativas. O sentido transversal que o Teatro do Oprimido toma no Teatro Legislativo produz, como visto, uma característica contraditória, que, se gerou conflitos e desentendimentos internos, também foi responsável por produzir incômodo no ambiente sacralizado da Câmara dos Vereadores. De fato, um dos objetivos era fomentar a cidadania ativa e, como efeito colateral, mas planejado, o Mandato Político-Teatral trouxe transtorno para o dia-a-dia dos representantes. É um movimento coerente: não faria sentido se propor a ampliar a Democracia Representativa sem perturbar os seus cânones. Novamente, sem cair nos vícios da demagogia, o gabinete de Boal mostrou que todo movimento que se proponha disruptivo deve gerar incômodo.
Nesse sentido, o fracasso eleitoral para o segundo mandato talvez mostre uma parte do sucesso da experiência. Se, em apenas quatro anos, a proposta do Teatro Legislativo conseguiu incomodar a mídia, que fez uma campanha de difamação; o prefeito, que vetou todos os projetos que podia; os vereadores, que tentaram cassar o mandato; e o próprio Partido dos Trabalhadores, que não forneceu o apoio devido, é evidente que o sistema político estabelecido se sentiu atacado e impediu a continuidade da experiência. Essa formulação não tira a responsabilidade do dramaturgo em conseguir se emplacar como um candidato forte em 1996, mas mostra como o princípio disruptivo do Teatro Legislativo não foi abandonado ou reduzido durante o mandato.
Esses dois ensinamentos mostram, resumidamente, que um movimento que se proponha participativo deve: 1) fomentar a cidadania ativa por meio de modelos pedagógicos e co-produtivos e, com isso, 2) ser disruptivo, produzindo incômodo no sistema estabelecido. Os efeitos do primeiro tópico poderiam ter sido melhor estudados se alguns integrantes dos núcleos de Teatro Legislativo tivessem sido entrevistados. Como essa percepção não pode ser incluída na análise, essa perde sua força, já que exclui o principal foco da experiência de Boal, os cidadãos oprimidos. Explica-se essa falta pela inexistência de qualquer dado sobre os integrantes dos núcleos, que se desmobilizaram após o fim do mandato. De qualquer maneira, as evidências coletadas são suficientes – não absolutas – para traçar aqueles ensinamentos sobre participação social a partir do laboratório político teatral de Augusto Boal.
Resta saber, no entanto, se tais aprendizados fazem algum sentido visto o atual contexto político. Nos vinte e sete anos passados entre o início do Teatro Legislativo e a data de escrita desta conclusão, a Democracia brasileira passou por momentos marcantes, que mudaram seus rumos. Investigando a campanha eleitoral de Boal, em 1992, percebe-se um clima de grande entusiasmo democrático e desejo por novos projetos. Essa efervescência política, percebida pelo menos no campo da esquerda, foi, de fato, acompanhada por vitórias democratizantes como a consolidação do Regime Democrático após duas décadas de Regime Militar, a alavancagem nacional do Partido dos Trabalhadores como principal representante da classe trabalhadora frente às políticas neoliberais e, conjuntamente, a expansão dos modelos de orçamentos participativos como forma de aproximar os cidadãos da política governamental. Esse momento trouxe o Brasil como um dos focos da literatura sobre novos regimes democráticos, momento que teve seu ápice na vitória eleitoral de Lula, em 2002. Hoje, o país segue no foco das análises de conjuntura política, mas por motivos diversos. Nessas quase três décadas, aquela euforia democratizante da esquerda foi substituída por uma sensação de falta de rumo ou de um rumo assustador.
Em texto recente, Boaventura de Souza Santos e José Manuel Mendes resumem esse espectro e tentam indicar uma saída:
Está no ar uma mistura tóxica de ausência de alternativas e de agravamento da crise, uma entidade mutante que se desdobra em crise econômica, financeira, política, ecológica, energética, ética e civilizacional. Essa mistura tóxica funda tanto a sensação de que algo termina como a de que é impossível que algo novo emerja. Como diria Antonio Gramsci, é um tempo de monstros. Mas certamente são monstros diferentes dos que Gramsci imaginou. Embora Gramsci reconhecesse que o novo ainda não tinha emergido, estava convicto de que ele iria emergir, e, além disso, tinha uma ideia mais ou menos precisa do que seria esse novo, o socialismo e o comunismo. No nosso tempo, o bloqueio do novo parece total e se algum sinal existe de que algo novo pode emergir no horizonte é mais motivo de medo do que de esperança. Um empate histórico parece consumar-se à beira do abismo, de tal modo que nem passos em frente nem passos atrás parecem possíveis. Daí a sensação de implosão, uma ordem que mal se disfarça de caos, um caos que, por repetição, parece a única ordem possível.
[…]
Mas os monstros não são a história toda. Servem apenas para nos chamar a atenção para os desafios com que as lutas democráticas se confrontam no nosso tempo. O mundo está cheio de resistência e luta, de gente inconformada com o presente estado de coisas e a ideia de democracia real continua a alimentar a imaginação e a prática do inconformismo. O nosso tempo é um tempo de incerteza em que é tão importante olhar para o futuro como olhar para o passado. (SANTOS, MENDES; 2018)
Talvez, assim, o laboratório participativo do Teatro Legislativo nos seja útil para além dos dois aprendizados práticos explicitados acima. O entusiasmo embutido na implementação da proposta, bem como as suas consequentes soluções organizacionais, podem ser vistos como possibilidades passadas, mas devem também ser entendidos como inspirações para outros modelos. Nesse sentido, urge revisar métodos antigos e efêmeros, como o Teatro Legislativo, para que, readequados ao contexto atual, possamos desenhar novas soluções.
Referências:
BENEVIDES, Maria Vitória. Democracia e Cidadania. In: RENATA VILLAS-BÔAS (São Paulo). Instituto Pólis (Org.). Participação Popular nos Governos Locais. São Paulo: Insituto Pólis, 1994. p. 11-20.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro, ed. Civilização Brasileira, 6ª edição, 1991.
BOAL, Augusto. Teatro Legislativo. Rio de Janeiro: ed. Civilização Brasileira, 1996.
PERIA, Pedro Vianna Godinho. Teatro e Participação Social: a experiência do Teatro Legislativo de Augusto Boal como instrumento de participação. Iniciação Científica apresentada ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC-GVpesquisa da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Orient. Alexandre Abdal. 2019. 120 pgs.
SANTOS, Boaventura de Souza; MENDES, José Manuel. Prefácio. In: SANTOS, Boaventura de Souza; MENDES, José Manuel (Org.). Demodiversidade: Imaginar novas possibilidades democráticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-16.
por Fabiana Comparato
Paulo Freire dispensa apresentações para todos e todas que defendem educação como um ato político e revolucionário e que compreendem a importância de se confrontar a dialética opressor x oprimido tão enraizada em nossa sociedade. Seu papel fundamental como educador foi a de criar uma prática deeducação libertadora e de troca, capaz de gerar verdadeiras transformações sociais e políticas.
No entanto, talvez por uma questão de terminologia, mais especificamente da noção de “Oprimido”, muitas vezes o trabalho de Freie e Boal são quase que automaticamente relacionados. Traçar paralelos entre os trabalhos de dois pensadores críticos, compatrícios e contemporâneos, pode render um ensaio interessante a respeito de uma época e de uma onda de pensamento e ações propulsionadas por pessoas (e neste contexto poderíamos até incluir muitos outros, como Darcy Ribeiro, por exemplo) que contestavam e pensavam a formação da nossa, [ainda] extremamente desigual, sociedade brasileira, e que tentavam, por meio do desenvolvimento de teorias e práticas, criar mecanismos e dispositivos capazes de superar/questionar/subverter a lógica opressora já em curso.
Muitos, no entanto, erroneamente acreditam que Boal e Freire trabalharam juntos, ou até que Boal tenha escrito sua obra de maior ressonância internacional e nacional, o “Teatro do Oprimido”, influenciado ou com base direta na “Pedagogia do Oprimido” de Freire. Mas apesar das inúmeras interseções conceituais e práticas entre o trabalho dos dois, a relação de fato existente entre eles era essencialmente de afeto e admiração.
Ao que indica o riquíssimoacervo do InstitutoAugusto Boal podemos imaginar que Boal e Freire tiveram provavelmente uma primeira conexão ainda no início dos anos 60, no Nordeste. Época em que Paulo Freire residia em Pernambuco e encontrava-se no âmbito do Movimento de Cultura Popular (MCP), e que Boal era diretor do Teatro de Arena na cidade de São Paulo, e chega até o MCP através de peças do Arena.
O Movimento de Cultura Popular foi criado em 1960, como uma instituição sem fins lucrativos, durante a primeira gestão de Miguel Arraes na Prefeitura do Recife. O Movimento tinha como premissas conscientizar e ajudar na emancipação do povo através de educação e cultura. Segundo seu estatuto, seus objetivos eram: “Promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos poderes públicos, a educação de crianças e adultos; atender ao objetivo fundamental da educação que é o de desenvolver plenamente todas as virtualidades do ser humano, através da educação integral; proporcionar a elevação do nível cultural do povo, preparando-o para a vida e para o trabalho; colaborar para a melhoria do nível material do povo, através da educação especializada; e formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os múltiplos aspectos da cultura popular.”[1]
Paulo Freire atuava em meio a esse contexto do MCP e da Universidade de Recife, onde foi o fundador e diretor do Serviço de Extensão Cultural (SEC), desenvolvendo seu método de educação que viria a se tornar mundialmente conhecido e reconhecido como uma forma de emancipação social, cultural e política. Um verdadeiro sistema de educação como prática de liberdade que influenciaria educadores do mundo todo.
Enquanto isso, em São Paulo, Boal aprofundava sua pesquisa de teatro político e de uma dramaturgia verdadeiramente nacional, que se relacionasse com a realidade nacional, dentro do efervescente âmbito do Teatro de Arena. Este foi um período em que Boal discutia e investigava sem trégua as maneiras de se radicalizar a dramaturgia e a experiência teatral, como tirá-las do lugar do privilégio e transformá-las em forma e ato acessíveis e de transformação. Neste contexto Boal resolve então, em 1961, seguir para o nordeste com uma das peças que dirigia, “O Testamento do Cangaceiro”, de Francisco de Assis, em busca de uma conexão mais direta com o povo, um povo brasileiro com o qual gostaria de dialogar, bastante diferente daquele que ia ao teatro em São Paulo. E para tal entra em contato com algumas organizações e instituições de ação popular da região, entre elas o MCP.
Ambos procuravam alguma maneira efetiva de democratização de suas práticas – educação e teatro -, capaz de torná-las agentes transformadores junto aos movimentos populares e as camadas da população, principalmente aquelas alijadas dos privilégios de classe.
No que tange o trabalho de Boal, mais especificamente a criação do Teatro do Oprimido, ele explica, já em retrospecto, em sua autobiografia, que “a estruturação desse método [o Teatro do Oprimido] é o resultado de um diálogo ideológico. Não inventei o Teatro do Oprimido sozinho, em minha casa, nem recebi as Tábuas de Deus: foi na interação com plateia populares que o TO foi nascendo, paulatino. (…) Estruturei o método através de décadas de trabalho. (…) O TO foi estruturado com base nas intervenções de plateias vivas, populares. Os desejos dessas populações organizadas estão integrados na própria estrutura desse método. Os desejos são dela, mas fui eu que os estruturei. Meu trabalho foi, em parte, interpretativo e sistematizador – não catequético, embora seja verdade que a relação artista-plateia popular é delicada”[2].
A partir dessa análise do próprio teatrólogo podemos intuir que já em 1961, suas pesquisas dramatúrgicas também serviriam de fomento, fundamento, mesmo que no papel de processo, para se chegar ao livro/método/sistema que viria a ser conhecido como “Teatro do Oprimido”, que ganharia sua primeira edição em 1974. Assim como podemos deduzir que o trabalho e as experiências de Freire no início dos anos 60 em Pernambuco seguramente seriam essenciais para o desenvolvimento do seu método que ganharia corpo na primeira edição do “Pedagogia do Oprimido” em 1970.
No entanto, apesar da óbvia ligação dos nomes conferidos aos livros/métodos de ambos, a história por trás de como se deu a escolha do título para o de Boal, nos ajuda, mais uma vez, a desmistificar a relação direta que muitos atribuem ao trabalho dos dois pensadores. É de novo em sua autobiografia que Boal nos oferece pistas do acontecido: “O Teatro do Oprimido, antes de ser editado, não se chamava assim. Por que mudou o título? Livreiros argumentavam que ninguém compraria um livro chamado “Poéticas políticas”: poesia ou política? Mudei para “Poéticas do Oprimido” em homenagem a Paulo Freire. Outra recusa: em que estante colocar? Poesia?”[3]
Cecilia Boal, sua viúva e companheira de vida e trabalho, lembra que o livro foi editado pela primeira vez quando eles se encontravam em exílio na Argentina e que na ocasião o editor foi o responsável por decidir então pelo título final “Teatro do Oprimido”. Nome que ganharia vida própria e que hoje virou, para muitos, sinônimo de Augusto Boal. Tanto no caso do título sugerido por Boal quanto na opção decisiva do editor, a palavra oprimidoentrara como homenagem e não influência.
Em entrevista para a revista Fórum em 2008, quando foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz (leia a íntegra da entrevista aqui), Boal elucida por completo a questão: “Em um primeiro momento, achei [o título Teatro do Oprimido] até estranho, mas aceitei. Queria era ver o livro pronto e pensei “seja o título que for”. Agora, essa nossa relação não quer dizer que o Teatro do Oprimido tenha sido originado a partir da Pedagogia do Oprimido. Às vezes têm gente que pergunta se somos freireanos, outros se somos brechtianos… Mas nós também temos influência de Shakespeare, Molière e uma contra-influência de Aristóteles. Tem até influência daqueles de quem a gente é contra, isso também nos formou. Entendo, até, que as pessoas quando fazem a história dos movimentos às vezes precisam fazer uma simplificação, mas é importante ressaltar que o nosso trabalho e o do Freire têm uma identidade grande. Um contribuiu para o outro, mas não que um tenha gerado o outro. Eu tenho uma admiração imensa pelo Paulo Freire, pelo método dele, pelas suas idéias, pela combatividade, lucidez, sensibilidade, humanismo.”
Dos encontros que tiveram ao longo da vida como amigos, de poucos temos registro, embora todos sejam bastante marcantes. Como quando estiverem na casa de Boal e Cecilia em Lisboa, durante o exílio. O casal Boal recebia Freire, sua primeira mulher Elza, e Darcy para um almoço no mesmo dia em que a mãe de Boal chegava a Portugal portando a carta-cantada de Chico Buarque a Boal, “Meu Caro Amigo”, que se tornaria posteriormente umafamosacanção. Chico mandava notícias das coisas no Brasil, em 1976, na forma de uma fita cassete que foi escutada pela primeira vez por todos à mesa.
Ou na única vez em que Boal e Freire de fato trabalharam juntos, já em 1996, na Universidade de Nebraska, em Omaha, nos Estados Unidos. Neste ano ambos foram convidados a participar de um encontro anual da universidade americana chamado “Pedagogy and Theatre of the Oppressed Conference” (Conferência da Pedagogia e do Teatro do Oprimido), onde e quando palestraram e ambos receberam o título de Doutor Honoris Causa.
A grande admiração que Boal nutria por Freire, que o próprio revela na entrevista citada a cima, é também tornada publica e explicita ainda no ano de 1996, quando Boal proferiu uma linda homenagem à Paulo Freire na Camara de Vereadores do Rio de Janeiro, quando servia seu mandato. A fala foi publicada como texto em seu livro “Aqui Ninguém é Burro” (veja aquitexto no Blog sobre essa publicação). Infelizmente, esse mesmo texto logo seria reeditado com a morte de Paulo Freire no ano seguinte. Boal re-publicaria sua homenagem, com alguns adendos, sob o título “Meu último pai”. Paulo Freire morreu no dia 02 de maio de 1997 – e por alguma coincidência do destino, Boal viria a falecer exatos 12 anos depois, também no 2 de maio, do ano de 2009.
Conectados por afeto e admiração em vida e ainda hoje, como inspirações para todos nós – com Boal e Freire aprendemos a aprender.
Por Fabiana Comparato
No mês de Agosto de 2019 o ativista político e parlamentar português do Bloco de Esquerda, José Soeiro, esteve no Rio de Janeiro para conhecer a Escola de Teatro Popular, criada por Julian Boal, afim de desenvolver projetos em colaboração, e também para participar de encontros que visam criar um novo caminho para o Teatro Legislativo no Rio de Janeiro. Um jovem político de esquerda, que quem não conhece tem agora a oportunidade de conhecer, e conhecer um pouco de seu trabalho e de seu ativismo político, verdadeiramente inspiradores.
Durante sua visita, José Soeiro, que é amigo e colaborador de longa data do Instituto Augusto Boal, nos concedeu o privilégio desta entrevista, na qual conta um pouco sobre sua trajetória política, que se mistura as práticas do Teatro do Oprimido, através de sua forma participativa e democrática de entender e fazer política. Práticas, inspiradas no trabalho de Boal, sempre atentas a sociedade à nossa volta e aos mecanismos que visam estimular o protagonismo cidadão dentro dos processos democráticos.
Fazendo jus a intenção de Boal ao criar sua versão beta do Teatro Legislativo, José Soeiro nos apresenta suas próprias experiências com os processos do Teatro Legislativo em Portugal, dando prosseguimento a essa prática que é em si, uma proposta de pesquisa e exercício contínuos. Uma inspiração para momentos, como esse no Brasil, em que os caminhos da democracia e do estado democrático de direitos encontram-se sob ameaça.
Como se deu seu início na política? Já desde muito novo esteve envolvido com ativismo político?
A primeira vez que estive no Parlamento foi por um sistema que tínhamos em Portugal, mas que agora deixou de ser permitido pelo regimento, que era de rotatividade de membros da lista, em uma eleição coletiva. De dezembro de 2008 a aproximadamente abril 2009, estive então rotativamente por seis meses na Assembleia, e foi minha primeira experiência. Eu tinha 24 anos. Foi curta, mas deu para ter uma ideia de como funcionava o Mandato. Sendo que eu já pertencia ao Bloco de Esquerda[1], já tinha uma conexão com o ativismo político. Vinha de outras atividades, como do movimento estudantil, de participações no movimento LGBT, da cultura e da resistência cultural no Porto. Em 2009 então teriam novas eleições, e colocou-se a questão no Bloco a respeito da composição da lista de candidatos. Propuseram que eu ficasse no segundo lugar da lista, que seria uma posição elegível. Aceitei, claro, mas indiquei que eu gostaria de propor um mandato feito com Teatro Legislativo.
Então vamos voltar ainda um pouco mais. Como o Teatro Legislativo e a pesquisa de Boal entraram na sua vida?
Quando eu era mais novo, por volta de 2002, terminando o ensino secundário, participei de um intercâmbio para jovens na Irlanda com vários workshops de arte e grupos e associações de jovens. E uma das oficinas oferecidas era de Teatro do Oprimido, conduzida por um galês, o Iwan Brioc, que conhecia o Boal, e cuja organização tinha uma ligação com a Cardboard Citizens, organização do Adrian Jackson na Inglaterra[2]. O Iwan fez uns jogos conosco e nos contou a história [frequentemente repetida ao se falar da criação do Teatro do Oprimido] do encontro deBoal com um líder camponês chamado Virgílio[3]. Fiquei fascinado. Eu já estava envolvido com ativismo político e aquilo fez todo o sentido para mim. A ideia de juntar teatro com atividade política. Gostei tanto que busquei fazer mais oficinas de Teatro do Oprimido. E continuei pesquisando, indo atrás de livros do Boal, até que um amigo me conseguiu a versão Beta do Teatro Legislativo. Assim, na faculdade, fiz várias oficinas de Teatro do Oprimido com diversos grupos. Não tínhamos um grupo só, mas promovíamos muitas oficinas curtas e apresentávamos as peças do Teatro Forum ao final. Depois, mais tarde, tomei a iniciativa de escrever um email para o Julian Boal por conta do meu interesse por um artigo dele e ele me informou que estaria em um encontro internacional de Teatro do Oprimido em Barcelona, e que eu poderia ir. Então lá eu fui. E lá conheci o Julian pessoalmente, assim como outros que também replicavam e praticavam Teatro do Oprimido pelo mundo, como o Sanjoy Ganguly da India e o Robert Mazzini da Itália.
Retornando agora ao seu primeiro mandato, iniciado em 2009, como adotou o Teatro Legislativo? Como foi a experiência de colocá-lo em prática?
Então em 2009 eu já tinha alguma experiência e prática com o Teatro do Oprimido e conhecia a experiência do Boal com Teatro Legislativo, e que fazia todo o sentido para mim. As eleições parlamentares seriam em outubro daquele ano, como geralmente costumam ser. E no último final de semana de agosto o Bloco fez, como sempre faz, um fórum de reinício de ano político. Então propus a apresentação de uma peça de Teatro Forum para o Bloco, como uma forma de demonstrar o que gostaríamos de fazer com o nosso mandato através de Teatro Legislativo. O grupo que fez a peça se formou a partir de pessoas que se conheciam do movimento estudantil e que eram membros ou estavam próximas ao Bloco. Propus a eles montarmos uma peça a partir dos nossos problemas, as questões do ensino superior. Nessa altura eu já havia me formado, mas essas eram as questões com as quais eu havia militado por anos e muitas das outras pessoas do grupo ainda eram estudantes.
Em Portugal quem é eleito não constitui gabinete próprio, mas sim um único, coletivo, do Bloco de Esquerda. E temos um principio no Bloco de que as pessoas que servem ao mandato ganham o mesmo que ganhavam antes, com um patamar mínimo de um salário razoável, para que as pessoas possam viver bem. Na lógica de que quando as pessoas assumem um mandato não vão ganhar mais do que ganhariam fora do Parlamento. Mas quando fomos eleitos ao Mandato com o qual eu dava a cara, decidimos que uma parte do meu salário seria utilizado para financiar o projeto de Teatro Legislativo. Na verdade, éramos todos ativistas e fazíamos as atividades voluntariamente, mas havia custos de deslocamento, alimentação, mobilização, etc. E então montamos a peça sobre a democracia no ensino superior, mais precisamente sobre o tema das bolsas da ação social e das taxas de inscrição. E também da entrada em força dos bancos dentro das Universidades, algo que estava a se iniciar naquele momento, porque o governo estava a desenvolver um programa para compensar a falta de bolsas promovendo empréstimos aos estudantes que, por sua vez, se endividavam para pagar as inscrições. Ao invés de aumentar as bolsas ou acabar com as taxas, estava a se caminhar para um sistema um pouco inspirado nos Estados Unidos, só que tendo o Estado como fiador público dos estudantes. A peça e o grupo chamavam-se “Estudantes por Empréstimo”, precisamente porque era o tema mais quente e que nós queríamos discutir. A peça que fizemos colocava naturalmente essa questão em pauta, mas também tratava sobre a dificuldade de mobilização dos estudantes para organizar a luta dentro de suas faculdades. Era uma peça que não procurava apenas identificar quais eram as alterações legais necessárias, mas era também uma forma de ensaiarmos com os estudantes como se construir um movimento. Fizemos mais de 50 sessões, percorremos quase todas as universidades do país. E depois, numa fase final, começamos a fazer a peça também com alguns grupos dos últimos anos do ensino secundário, porque nos pareceu interessante que as pessoas já fossem para o ensino superior familiarizadas com essa problemática. Em 3 de maio 2010 fizemos uma sessão no Parlamento de homenagem a Boal, por conta de 1 ano de sua morte. Convidados todos os estudantes que tinham estado em todas as sessões nas Universidades para essa sessão especial na qual voltamos a repetir a peça e apresentamos uma análise das sugestões que mais apareceram nas sessões. Nós, do mandato, identificamos quais eram as 7 ou 8 propostas mais recorrentes durante as sessões, as transformamos em projetos de lei, apresentamos como Teatro Forum e depois, em uma segunda parte da sessão, fizemos a votação dos 3 principais projetos de lei que seriam então apresentados. Mas nós não quisemos que os projetos de lei fossem simplesmente apresentados por nós mesmos, então propusemos aos estudantes que daquela sessão saísse uma petição, para que então eles voltassem as Universidades para recolher assinaturas e daí propor aqueles projetos de lei ao Parlamento via petição popular. Embora eu mesmo pudesse propor os projetos como parlamentar, queríamos devolver o processo a eles e continuar o movimento. Isso gerou outros momentos: sessões de teatro-forum que também serviam para colher assinaturas, o momento da entrega da petição,cobertura da mídia e oportunidade para explicar publicamente o processo, e a sessão de debate e votação dos projetos. Foi esse mais ou menos o percurso.
Depois houve eleições de novo em 2011, antecipadas, porque o governo demitiu-se quando aconteceu a intervenção da Troika[4], do FMI, o início do processo de austeridade em Portugal. Eu já não fui eleito para o mandato seguinte. Mantivemos essa peça ainda por algum tempo, mas depois as coisas foram se diluindo, quer porque as pessoas que compunham o grupo deixaram de ser estudantes, quer porque aquele processo especifico com aquele grupo também se esgotou.
Parece-meque, de certa forma, o seu processo com o Teatro Legislativo se deu de forma muito parecida como para o próprio Boal, no que tange seu envolvimento pessoal no processo. Parece mesmo inescapável e essencial a presença dessa figura ou grupo que propulsione e coloque o processo participativo em movimento. Sem essa força motriz o processo democrático tende a ser apenas representativo, deixando o cidadão num lugar pouco ou nada ativo em relação aos mecanismos quotidianos da política formal.
Inclusive o ritmo de um processo participativo é um ritmo autônomo aos ritmos próprios da política institucional. E, portanto, uma das dificuldades é como compatibilizar, como respeitar o ritmo mais lento de qualquer processo participativo, que tem suas próprias cadências de desenvolvimento, com uma espécie de ritmo frenético e também determinado pela agenda midiática das instituições políticas e da política parlamentar. Isso é uma tensão permanente e é preciso muita força de vontade para resistir.
Mas apesar de extremamente trabalhosos, os processos de política participativa, me parecem, ao final, muito mais construtivose gratificantes, gerando políticas imbuídas de sentido para a sociedade e de fato funcionais. Imagino que sobretudo para você, um parlamentar tão comprometido com os processos democráticos e atento as demandas e direitos dos cidadãos, isso seja importante.
Agora estamos vivendo um novo momento em Portugal porque a situação política mudou. Nos últimos 4 anos houve uma maioria composta a esquerda, chamada de “geringonça”. Isso mudou um pouco nossa capacidade, do Bloco de Esquerda, de atuar e propor leis. Mas em contextos como aqueles em que havia maioria absoluta do Partido Socialista ou quando há governos mais à direita, como pode um partido que não tem maioria absoluta exercer um mandato? Acho que uma de suas responsabilidades é fazer com que o mandato deixe outras sementes e crie outras raízes em que aproveitamos o parlamento para instigar outros processos. Porque se é só: apresentação do projeto de lei, marcar lá como uma bandeirinha, colocar uma notícia no jornal e, pronto, está feito e passa-se para o próximo, chegamos ao fim tendo havido alguma discussão, disputa de ideias e relações de força, mas do ponto de vista do envolvimento fica pouco. Acho que o efeito mais positivo do Teatro Legislativo, no nosso caso, foi a rede estudantil que criou. Inclusive várias das pessoas que participaram do grupo “Estudantes por Empréstimo”, acabaram por dirigir suas associações de estudantes e, aliás, passaram a ter menos tempo para fazer teatro, mas por boas razões. São essas sementes e esses resultados que estão para além dos resultados objetivos da votação dos projetos de lei. A avaliação desses processos não se pode fazer apenas a partir do resultado imediato da aprovação ou não de uma lei, envolvem outros critérios, outros olhares.
E agora, como foi esse seu último mandato (2015 a 2019)?
Neste novo mandato minha capacidade de ser propulsor de Teatro Legislativo foi muito menor, porque estive assoberbado de outras tarefas, com a coordenação e intervenção do Bloco na área do Trabalho e da Segurança Social, que são duas áreas gigantescas. E, ainda por cima, o Bloco nessa legislatura, fazia parte da maioria política, o que significa que todos os Orçamentos de Estado e todas as iniciativas na área do Trabalho e na área Social também tinham que ser negociadas entre o Governo, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e o Socialista. Mas tivemos processos riquíssimos. Chegamos até a fazer algumas sessões de Teatro Forum sobre a questão da precariedade. Ainda participo de um encontro de Teatro do Oprimido. E há grupos que trabalham com Teatro Legislativo sobre as questões do trabalho, com os quais não estou envolvido diretamente, mas que acompanho.
Tem vontade de fazer Teatro Legislativo de novo?
Agora concretamente o Teatro Legislativo que me apetece fazer é relacionado ao Estatuto do Cuidador Informal em Portugal, do qual fui um dos responsáveis por sua aprovação. Um grupo que era invisível, que não tinha qualquer reconhecimento legal ou apoio institucional. Tivemos um processo de dois anos, entre se colocar a questão e apresentar a petição. Também percorri o país em sessões públicas sobre os cuidadores, e finalmente nos últimos dias de legislatura, agora em Julho, após grande luta, conseguimos aprovar o Estatuto. Mas agora ele precisa ser concretizado, existem muitas coisas a serem regulamentadas. O que eu gostaria de fazer agora, e um grupo de cuidadoras também, era um processo de Teatro Legislativo com esses grupos de cuidadoras, não só mais sobre a lei em si, mas sobre o funcionamento da lei. Agora é preciso transformar as diretrizes da lei em políticas públicas concretas. E neste caso eu sinto que o Teatro Forum e Legislativo podem ter muita utilidade.
Mudando um pouco de tema, como entrou em contato e se aproximou do Instituto Boal. Você chegou a conhecer o Boal pessoalmente?
Cruzei-me com ele em Paris em um encontro que o Julian promoveu com um grupo de teatro que ele tinha na altura, e durante o qual Boal foi fazer uma formação, na qual não participei. Mas depois ele fez uma fala, que assisti. Conheci-o nessa circunstância. Mas não tive nem a oportunidade, nem a sorte, nem o tempo de desenvolver uma relação com ele. Tive com ele só nessa circunstância e portanto muito pouco. E infelizmente ele faleceu pouco depois. Mas há sempre aquele sentimento de que o conheço porque o li tanto. Tenho um sentimento de familiaridade, mas não de uma familiaridade resultante de um convívio com ele. Eu já havia lido um texto do Julian publicado em um livro Belga sobre Teatro e Desenvolvimento que me marcou. Porque mesmo dentro do Teatro do Oprimido aquilo que ele dizia me fazia muito sentido. Era uma visão muito mais politizada, do que o Teatro do Oprimido que eu já havia tido contato. E pensei “uau, é isso mesmo. Há alguém que está dentro do campo do teatro do oprimido e que está a dizer coisas que me fazem todo o sentido”. Uma espécie de crítica política sobre as múltiplas formas de utilizar o Teatro do Oprimido. Gostei tanto que escrevi ao Julian, havia seu e-mail no livro. E aí nos encontramos no encontro em Barcelona, como contei. E depois acabei neste encontro em Paris para conhecer o grupo dele, no qual houve essa fala do Augusto. E assim nos tornamos próximos. Até que em 2012 nossa relação ganhou uma dimensão maior de trabalho comum e de cumplicidade completa na ação. Nessa altura eu não estava mais no Parlamento, mas mantinha-me politicamente ativo. Portugal passava pelo seu período de austeridade, entrou o FMI e a Troika, e houve uma avalanche de neoliberalismo agressivo. E aconteceram grandes mobilizações em reação a esses processos de austeridade, as maiores que Portugal assistiu desde o 25 de Abril[5]. E me pareceu interessante juntar ativistas que estavam nessa luta contra a Troika, grupos de Teatro do Oprimido, inclusive alguns pequenos coletivos que eu tinha ajudado a formar em oficinas, mas juntando também o Movimento 12 de março, que foi a grande manifestação que iniciou esse ciclo de ação coletiva em 2011. E nesse contexto com muitos grupos de ativistas e coletivos, fizemos o primeiro encontro de Teatro do Oprimido e Ativismo em Lisboa em 2012, o “Óprima”. O encontro foi muito interessante e importante porque iniciou um outro caminho para o Teatro do Oprimido em Portugal – a vontade de ter um Teatro do Oprimido mais politizado, mais envolvido nas lutas sociais, menos dependente da agenda institucional e da forma como ela era condiciona a própria autonomia política dos grupos. E, em 2013, no segundo Óprima, nós chamamos o Julian para ser o formador das oficinas. E foi super importante porque ele trouxe um contributo e um conjunto de propostas sobre a própria dramaturgia do Teatro Fórum que tinha tudo a ver com as nossas inquietações. E aí realmente se iniciou uma grande cumplicidade militante para além da nossa grande amizade. E depois muitas coisas e encontros sucederam e fiquei próximo do Instituto. Estive no Rio. Entretanto a Cecilia já fez oficinas nos nossos encontros de Teatro do Oprimido em Portugal, e já esteve uma outra vez no Porto quando levamos a exposição de correspondências do Boal para lá. E assim se construiu uma relação que foi se desenvolvendo e continua até hoje.
O que nos traz a hoje, conte um pouco sobre o motivo de sua visita ao Rio.
Estou cá agora com muita motivação para conhecer e aprender com a Escola de Teatro Popular do Julian, porque em Novembro teremos um Óprima no Porto e nossa idéia é em Janeiro criar uma escola de teatro popular no Porto também. Um pouco na mesma linha do que está sendo feito aqui no Rio. E também vim também dar o meu testemunho, sobre a minha experiência, com o Mandato político da parlamentar Dani Monteiro (PSOL), que pretende utilizar Teatro Legislativo, numa visão política de esquerda com a qual me identifico bastante. E nesse contexto também participar de um evento junto com a Dani que visa a criação da primeira turma da UERJ de Teatro Legislativo. É uma honra poder participar desse momento em que o Teatro Legislativo parece se reiniciar no Rio de Janeiro, não reeditando a experiência do Boal nos mesmos moldes, mas colhendo dela sua inspiração, procurando seu espaço nesse momento de resistência que se faz preciso no Brasil.
[1]Partido político português, fundado em 1999, que resultou da convergência de vários partidos da esquerda anticapitalista e de ativistas de movimentos sociais.
[2]Adrian Jackson trabalhou muito proximamente de Boal, traduziu cinco de seus livros para o inglês e sua organização Cardboard Citizens é uma das escolas de referencia fora do Brasil para multiplicadores do Teatro do Oprimido.
[3]“Tínhamos feito um show, só para camponeses, que terminava com atores cantando frenéticas saudações revolucionarias (…). Foi quando o camponês Virgílio, chorando entusiasmado com nossa mensagem, me pediu que com o elenco e fuzis, fôssemos com seus companheiros lutar contra os jagunços de um coronel, invasor de terras. Quando respondemos que que os fuzis eram falsos, cenográficos (…), Virgílio não hesitou e disse que, se éramos de fato verdadeiros não nos preocupássemos: eles tinham fuzis para todos. (…) Quando lhe dissemos que éramos verdadeiros artistas e não verdadeiros camponeses, Virgílio ponderou que, quando nós, verdadeiros artistas, falávamos em dar nosso sangue, na verdade estávamos falando do sangue deles, camponeses, e não do nosso, artistas, já que voltaríamos confortáveis paras nossas casas. Esse episódio me fez compreender a falsidade da forma mensageira do teatro político, me fez entender que não temos o direito de incitar seja quem for a fazer aquilo que não estejamos preparados para fazer.”Boal, Augusto. “Hamlet e o filho do padeiro”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 (p. 185-186).
[4]Troika é a designação atribuída à equipe composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, por causa do empréstimo internacional solicitado pelo Governo de Portugal em abril de 2011, ao qual foi associado um conjunto de condicionalidades de política econômica e social.
[5]A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos foi um movimento político e social, ocorrido a 25 de abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933,e que iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de abril de 1976, marcada por forte orientação socialista. (Wikipedia)
por Fabiana Comparato
No próximo sábado, dia 17 de Agosto, às 16h, o Instituto Augusto Boal em parceria com a Casa das Artes de Laranjeiras – CAL realizará a leitura da peça “Murro em Ponta de Faca” de Augusto Boal, com direção de João Batista, nos jardins do Museu da República, no Rio de Janeiro. Uma oportunidade especial de ouvir um dos textos teatrais mais potentes de Boal e o que podemos entender como um preliminar re-aportar no Brasil, ainda que não em corpo presente, após forçado ao exílio.
Exilado desde 1971, Boal só voltaria definitivamente para o Brasil em 1986. Um longo período de distanciamento, que ao menos durante seus 8 anos iniciais ocorreu de forma compulsória, em um ato de violência imposta a ele, assim como a muitos outros cidadãos brasileiros contrários ao regime ditatorial instaurado no país em 1964. Mas seria ainda muitos anos antes deste retorno, em 1974, que Boal escreveria “Murro em Ponta de Faca”, quando exilado em Portugal – texto que revela sua inquietação frente ao sofrimento por ele vivido e testemunhado em inúmeros de seus compatriotas por conta do exílio. Como Boal descreve em sua autobiografia:
“Escrevi Murro em Lisboa quando exilados se suicidavam. Tribo de solitários, tão juntos, iguais: tão sós!
(…)
Suicidas solitários: famílias desintegradas, funções trocadas, cartas embaralhadas, quem é quem? O exílio desintegra – retira de cada um o seu papel primeiro, nega o indivíduo, sua função, seu intimo eu sou! Ninguém é: o pai, a mãe, o filho, o amigo – ninguém é o que era, nem o que será. Flutua!
Sobre as estruturas da família, da amizade, da identidade ideológica, da diferença, sobrepunha-se a rasa igualdade, sem nuanças – todos exilados! Prisioneiros em liberdade: era isso o exílio. (…)
O Murro conta a morte, círculo vicioso, vício do fim.”[1]
E é através dessa obra, que fala de tamanha solidão compartilhada no isolamento, que o dramaturgo de certa forma retorna ao seu país, em 1978. Boal chega primeiro pela palavra, ainda que na condição de isolamento físico circunscrita ao exílio que ele bem descreve. O dramaturgo é representado por parte de sua própria história transmitida em uma montagem de Murro em Ponta de Faca pela Companhia de Teatro Othon Bastos. A peça, dirigida por Paulo José, com músicas de Chico Buarque especialmente compostas para o espetáculo, tem sua temporada de estreia no Teatro de Arte Israelita Brasileiro (TAIB) de São Paulo no mês de Outubro. No elenco original, Bethy Caruso, Francisco Milani, Martha Overbeck, Othon Bastos, Renato Borghi e Thaia Perez contam a história de seis exilados políticos brasileiros em suas trajetórias pelo Chile, Argentina e França, em um texto que não abre mão nem do humor, nem da seriedade inerentes ao tema.
O próprio programa da peça era também, por si só, um riquíssimo material, que incluía um texto de Boal e algumas cartas, em um diálogo direto com a obra. Que melhor maneira de revelar o processo por trás da montagem que através de cartas trocadas entre o diretor em exílio e a equipe da produção. Difícil não se emocionar ao ler: a carta-cantada “Meu Caro Amigo”, de 1976, que Chico enviou para Boal em uma fita cassete para Lisboa, e que viria a se tornar uma das músicas mais conhecidas do compositor; a carta escrita à mão de Boal para Fernando Peixoto, Othon Bastos e Martha Overbeck, contando da alegria imensa sentida à distancia ao saber que gostaram do texto (imagem abaixo); ou a carta de Fernando Peixoto aos produtores da peça assim que soube que não poderia mais dirigir a peça, e sugerindo então o nome de Paulo José; e o trecho da carta de Paulo José a Boal dizendo o quão “eloquente e tenro” era seu murro. O programa ainda continha um trecho do pronunciamento de Boal no comitê pela Anistia no Brasil realizado em 1977 em Lisboa; um artigo do editor Sergio Pinto de Almeida para a Folha de São Paulo sob o título “O teórico de teatro que o Brasil expulsou”; e encerrava com um comovente depoimento de Gianfrancesco Guarnieri, seu grande companheiro de criação e amigo próximo. Não à toa, ele resume bem esta obra de Boal, de forma que só quem o conhecia com intimidade poderia fazê-lo:
“Murro em Ponta de Faca de todas as peças de Boal é a que transmite o Boal verdadeiro – ou melhor, o Boal mais completo. Perpassada de emoção, distancia-se das outras obras onde predomina a ironia, a mordacidade, o humor racional. Nesta peça, sem prejuízo do estilo próprio, Boal não só analisa, mas vive com seus personagens, ri, chora, padece com eles o terrível drama do exílio. Não é uma peça sobre o “banzo”, estilo “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”, é uma exposição exata e pungente da condição de exilado, do horror das perseguições, da promiscuidade dos refúgios, do andar em circulo daqueles a quem se nega pouso, pátria, raiz.
(…)
Obra importante em qualquer tempo ou lugar, é de extrema oportunidade hoje e agora, no momento em que a consciência nacional brasileira clama por anistia ampla e irrestrita para os presos e perseguidos políticos.”
O espetáculo é muito bem recebido pela crítica teatral que compreende, de imediato, sua importância histórica. Afinal, essa seria não só a primeira vez em 8 anos que o Brasil veria de novo um texto de Boal montado, mas também a primeira vez que a questão dos exilados políticos seria abordada na dramaturgia do país. Boal não pôde assistir a grande estreia de sua obra, já que a montagem se deu um ano antes de promulgada a Lei da Anistia[2], que permitiria à maioria dos perseguidos políticos retornar ao Brasil sem correr o risco de serem (mais uma vez) vitimas arbitrárias do Estado. Mas, sua obra, acabou por se somar ao debate a respeito da anistia. O dramaturgo testemunhou de longe, através de relatos e críticas, o sucesso de sua peça. Por sinal, época em que as críticas eram verdadeiros ensaios qualificados, quase sempre extensos, chegando a ocupar uma página inteira de jornal ou até mesmo ter sua publicação dividida em partes ao longo de alguns dias.
Um exemplo destes artigos de página inteira, foi “Boal, tão longe e tão presente”, do grande crítico e teatrólogo Yan Michalski (que, inclusive, depois viria a fundar a Casa de Artes de Laranjeiras – a CAL), publicado no caderno B do Jornal do Brasil, em 13 de outubro de 1978. Logo de saída, Yan contextualiza sua crítica apresentando a importância histórica do acontecimento:
“O que confere a Murro em ponta de faca, peça de Augusto Boal estreada em São Paulo, a condição de acontecimento marcante não é tanto o calor humano, inteligência e força poética do texto, nem a habilidade e a coerência da encenação – por mais raras e bem-vindas que tais qualidades sejam no atual teatro brasileiro. É o fato de trazer de volta a um palco do Brasil o nome, o pensamento e a paixão de Boal, excluídos do nosso convívio há longos anos. O mérito maior de Othon Bastos, Renato Borghi e seus companheiros não reside só em terem realizado um espetáculo de bela generosidade teatral. Reside também, e muito, em terem exposto à consciência da nação a evidencia da irracionalidade de uma situação que, em nome de uma pressuposta periculosidade de quaisquer ideias eventualmente divergentes daquelas consagradas pelo esquema dominante, forçava ao exílio um dos nossos mais lúcidos, talentosos e amadurecidos criadores teatrais, enquanto o teatro brasileiro, por falta de número suficiente de cabeças pensantes do gabarito da de Boal, transformava-se num deserto de ideias. Agora, uma peça de Boal estreou, e certamente nada de ruim vai acontecer ao país por causa disso. Pelo contrário, alguns milhares de pessoas poderão dar-se conta de que o Brasil com Boal – ainda ausente em pessoa, mas afinal presente através da obra – é melhor, é mais rico, do que sem ele. Mas quanto tempo desperdiçado…”
O fato é que a produção de Murro transcendeu a discussão sobre a sua própria qualidade artística. O tema dos exilados era enfim abordado em suas implicações humanas, sociais e culturais, e talvez isso tenha sido o ponto a sensibilizar a opinião pública e a crítica, depois de tantos anos de silêncio e censura sob um regime linha dura, que acabara de publicizar, no mesmo mês e ano que a peça estreava, a decisão de revogar o Ato Institucional – 5 (o mais duro e perverso de todos atos emitidos pelos comandantes da ditadura).
O também renomado crítico e teatrólogo Jefferson del Rios, é mais um a tecer seus pensamentos em relação a relevância da peça em um longo e minucioso texto entitulado “Enquanto não chega o dia de voltar para casa”, publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, em 11 de outubro de 1978.
“Murro em Ponta de Faca não é um convite ao sofrimento ou ao revanchismo. É teatro com preocupações políticas e humanas sérias. Sobre brasileiros que se desavieram com o regime e não querem ser ignorados. Um espetáculo que não está pedindo nada – e aí sua grandeza – além do direito de avivar a memória da plateia. As conclusões e atitudes posteriores ficam por conta da consciência de cada um.”
No ano seguinte, em março de 1979, a peça fez mais uma temporada, dessa vez no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, com a mesma direção de Paulo José e duas substituições de elenco: entraram Dina Sfat e Otávio Augusto nos lugares de Thaia Perez e Francisco Milani. É também em 1979 que Augusto Boal finalmente vê sua peça viva, com pulsação, pela primeira vez na França. Em Paris a peça é montada com o título “Coup de Poing Sur La Pointe Du Conteau”, no Théâtre Présent (atual Théâtre Paris-Villette), sob sua própria direção. O espetáculo ainda continua a rodar na década de 80, ganhando produções na Áustria e Alemanha, além de uma outra montagem em São Paulo.
Parafraseando Paulo José em sua carta para Boal, e que, por sua vez, parafraseava Walt Whitman: “cuidado, quem toca nesta peça, toca num homem!” O Murro de Boal “tem a paixão da porrada e a sabedoria que faz chegar plena ao objetivo”[3] e constitui capítulo importante da história da dramaturgia brasileira.
[1] Augusto Boal, Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. Pg 295.
[2] Lei da Anistia é promulgada em Novembro de 1979.
[3] Trechos extraídos do programa da montagem de 1978 de Murro em Ponta de Faca – acervo Instituto Augusto Boal.

Acervo Instituto Augusto Boal

Acervo Instituto Augusto Boal

Acervo Instituto Augusto Boal
Por Fabiana Comparato
No último dia 28 de julho, de 2019, o Brasil se despediu da grande atriz Ruth de Souza, e o Instituto Augusto Boal não poderia deixar de prestar sua homenagem a essa importante mulher e artista, parte fundamental da história da cultura de nosso país.
Ruth de Souza e Augusto Boal não chegaram a trabalhar juntos[1], mas suas histórias, principalmente o início de suas carreiras se assemelham de forma inesperada e ao mesmo tempo simbólica no que diz respeito as batalhas travadas por esses dois artistas em nome de uma representatividade mais democrática dentro da cultura.
Ruth de Souza foi pioneira por abrir caminhos nas artes e inaugurar experiências nunca antes vividas por outras atrizes, principalmente negras, no Brasil. Começou na carreira de atriz ainda no início dos anos 40, época em que praticamente não havia espaço para negros nos palcos e no cenário cultural do país. Início este intimamente ligado à Abdias Nascimento, que, por sua vez, motivado por inquietações a cerca da ausência de negros e de temas sensíveis à história da população negra nas representações artísticas e culturais, idealiza e cria, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN). O TEN nasce com a expressa proposta de valorização e protagonismo negro, por meio de atividades de educação, cultura e arte, assim como da criação de uma nova dramaturgia nacional, que englobasse a realidade negra do país. Ruth de Souza adere à proposta de Abdias logo de início, em 1945, quando ainda trabalhava como empregada doméstica. E é no trabalho com o TEN que torna-se a primeira atriz negra a fazer teatro clássico no Brasil – título que, ao que sabemos, carregava com muito orgulho. A estreia da companhia acontece no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1945 – onde nunca antes em seu tablado havia pisado uma atriz negra – com uma montagem da peça “O Imperador Jones”, do dramaturgo americano Eugene O’Neill (que cedeu os direitos do texto em apoio ao projeto do TEN). A escolha por um texto estrangeiro, por sua vez, reflete exatamente a questão motivacional do TEN – a falta de textos nacionais que tratassem dos temas essenciais para a companhia.
Como Breno Lira Gomes, curador e idealizador de uma mostra audiovisual realizada em 2016, no CCBB, em homenagem a trajetória da atriz – Pérola Negra: Ruth de Souza – resume:
“Desacreditada no começo, já que atores negros não conseguiam bons papéis no teatro e no cinema, Ruth de Souza quebrou barreiras e abriu caminho para muitos que vieram depois dela. Estudou teatro nos Estados Unidos durante um ano e quando voltou fez sua estreia no cinema com o filme “Terra Violenta“, adaptação de “Terras do sem fim”, de Jorge Amado que a indicou para o papel. A partir daí não parou mais e sua carreira se concentrou no cinema. Trabalhou nas três companhias cinematográficas da época: Atlântida, Maristela e Vera Cruz.
(…) Mas é na Vera Cruz que Ruth de Souza vê sua estrela brilhar. Atriz contratada da Companhia, participa de “Candinho”, “Ângela“, “Terra é Sempre Terra“ e “Sinhá Moça”. Por esse último torna-se a primeira atriz brasileira a receber uma indicação em um festival de cinema internacional: o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em 1954.”[2]
Uma grande atriz que influenciou e abriu portas para futuras gerações, Ruth de Souza fará falta nos palcos e nas telas, mas estará para sempre na história da cultura do Brasil. Assim como o Teatro Experimental do Negro.
Voltando um pouco a esse movimento de extrema importância para o teatro brasileiro e marco na luta pelos direitos civis e raciais ou, como Abdias precisamente colocava, a “verdade cultural do Brasil”[3], esbarramos também com a própria formação de Augusto Boal.
Abdias Nascimento talvez seja o grande elo entre Ruth e Boal, mesmo que nunca tenham trabalhado juntos no TEN. Assim como Ruth, Boal também teve seu início de carreira intimamente ligado à Abdias, e só não se cruzaram por uma questão temporal. Ruth passou por lá de 1945 a 1950, indo em seguida estudar cinema em Cleveland, nos Estados Unidos, em 1951; enquanto Boal teve seu primeiro contato com Abdias em 1950, e coincidentemente também passou uma temporada nos Estados Unidos, só que em Nova Iorque, estudando dramaturgia, entre 1953 e 1955.
Boal e Abdias se conheceram no Vermelhinho, antigo restaurante da Cinelândia, no Rio de Janeiro. Criaram ali forte amizade que resultaria em colaborações artísticas no TEN, como relata o próprio Boal neste trecho de uma carta escrita por ele à Elisa Larkin, mulher de Abdias, na ocasião do aniversário de 90 anos do amigo, em 2004:
“Abdias é o meu mais antigo querido amigo, nos conhecemos desde 1950 – faz mais de meio século!
Abdias me ajudou muito no meu começo em teatro: lia minhas peças e me dava conselhos, sempre úteis, não só do ponto de vista teatral mas, o que era para mim mais importante, do ponto de vista ético e político.
Eu tinha um contato direto com a pobreza, morando na pobre Penha daquela época, mas foi o Abdias que me ensinou a compreender as causas daquela pobreza. Eu via e odiava o racismo, explícito ou disfarçado, mas foi o Abdias que me ensinou a compreender as razões e a extensão, às vezes até mesmo inconscientes, do racismo brasileiro.
Não esqueci, nem vou esquecer nunca, as conversas que tínhamos, vez por outra, tomando café de pé, em frente ao Vermelhinho, e que tanto me ajudaram na minha formação.
Abdias me ajudou muito, não só a mim mas a muito mais gente – gerações! Não só com aquilo que nos dizia com veemência – Abdias sempre foi um apaixonado! – mas principalmente com o seu exemplo de vida, de integridade, de trabalho: era impossível não ser influenciado por ele.”
Em 1953, o jovem Boal, ávido por teatro e recém-formado em Engenharia Química, viaja para Nova Iorque para uma especialização na área química – em plásticos e petróleo – na Universidade de Columbia, enquanto paralelamente estuda dramaturgia com o teatrólogo John Gassner. Em sua estadia em NY, Abdias pede a Boal que entre em contato com Langston Hughes, reconhecido dramaturgo e poeta negro, militante da luta por igualdade racial nos Estados Unidos. Esse importante contato renderia colaborações futuras para o TEN. Em sua volta ao Brasil, Boal traduziria duas peças de Hughes para o TEN – “A alma que volta pra casa” e “O mulato” (encenadas respectivamente em 1955 e 1957).
De fato, as primeiras participações profissionais de Boal no teatro foram com Abdias no Teatro Experimental do Negro, ainda antes do Teatro de Arena entrar em sua vida. Dentro da proposta de criar uma dramaturgia verdadeiramente brasileira, Abdias abre espaço para o jovem dramaturgo Boal, que tem suas primeiras peças encenadas pelo TEN – “O Logro”, em 1953, e “O cavalo e o santo”, em 1954, enquanto ainda morava fora do país. Na sua volta de NY, em 1955, vê também seu texto, “Martim Pescador”, montado, assim como “Laio se matou” em 1958. Boal ainda teve uma outra peça, “Filha Moça”, ensaiada pelo TEN e que seria apresentada em 1956 no Teatro João Caetano. No entanto, o texto sobre costumes de uma família afro-brasileira foi censurado pela Divisão de Diversões Públicas da Secretaria da Segurança Pública, sob a alegação de que o argumento pregava a dissolução dos costumes e da família, não podendo ser encenada em público.
Após esses potentes inícios interconectados, mesmo que desencontrados, cada um dos personagens aqui citados seguiu seu próprio caminho de luta e arte, mas sempre unidos pelo desejo de construir uma cultura atenta as questões sociais do país e imbuída da vontade de reverter suas desigualdades, tendo como um dos seus pilares fundamentais, a luta contra o racismo.
Entre Boal e Abdias, a amizade permaneceu forte. Como possivelmente entre Ruth e Abdias. E assim, estendemos nossa homenagem também à Abdias – o elo afetivo, artístico e político entre Boal e Ruth – um artista, político, professor e sobretudo fervoroso ativista da cultura negra no Brasil e no exterior.
Viva Ruth de Souza! Viva Abdias Nascimento! Viva Augusto Boal!

Ruth de Souza e Abdias Nascimento – Acervo Funarte
[1] Ruth de Souza chegou a participar, em 1993, de uma montagem da peça “Zumbi”, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, mas sem a participação direta do dramaturgo. O Instituto não tem maiores informações sobre essa montagem.
[2] Coutinho, Angélica; Lira Gomes, Breno. Pérola Negra – Ruth de Souza, Rio de Janeiro: CCBB, 2016.
[3] http://www.palmares.gov.br/?p=40416
por Fabiana Comparato
“Estrangeiro em minha casa”, é assim, com essas palavras, que Augusto Boal descreve, em sua autobiografia[1], como sentiu-se no momento em que finalmente voltava ao Brasil para montar e dirigir uma peça, por ele escrita, depois de um exílio iniciado em 1971 – o espetáculo era “O Corsário do Rei”.
Apesar de já ter pisado de volta no país em 1979, após ser promulgada a Lei da Anistia no Brasil, ainda residiria em Paris por alguns anos – lá ele desenvolvia trabalho contundente com o Centro do Teatro do Oprimido de Paris. Sua volta definitiva ao Brasil aconteceria apenas em 1986, motivada pela montagem da peça “Fedra”, a convite dos atores Fernanda Montenegro e Fernando Torres, e principalmente para aplicar sua rica pesquisa e arsenal do Teatro do Oprimido, junto com Cecilia Thumin Boal, no projeto dos CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública) a convite de Darcy Ribeiro, na época vice-governador do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, foi ainda em 1985 que um movimento mais possível na direção de volta começou a se desenhar com a montagem de “O Corsário do Rei”. Movimento que o forçaria a refletir sobre as implicações e formas de se retornar de um longo exílio.
A peça, como conta a pesquisadora Clara de Andrade em artigo sobre o tema, era uma parábola de Boal sobre a “histórica invasão e saque do pirata René Duguay-Trouin ao Rio de Janeiro em 1711, quando os governantes portugueses pagaram o resgate da cidade com ouro, pedras preciosas e açúcar.”[2]A ideia original, de acordo com Boal em sua autobiografia, seria monta-la de forma pequena e simples, com orçamento curto e poucos atores, nos moldes dos tempos pobres do Teatro de Arena. Os produtores, porém, imbuídos de outra atitude, não mediram esforços para colocar de pé um espetáculo de grandes proporções e investimento, o que permitiu a Boal, como nunca em sua época de Arena, dispor de recursos o suficiente para realizar um corpulento musical. O espetáculo, que unia grandes nomes da música e do teatro, contava com um numeroso elenco de 35 atores – entre eles estrelas como Marco Nanini, Lucinha Lins e Nelson Xavier -, músicas de Edu Lobo e letras de Chico Buarque.
Em retrospecto, no entanto, Boal admite que “o elefante que [lhe] foi dado era branco”, já que a grandiosidade adquirida pelo espetáculo acabou por elevá-lo – a sua revelia – a um falso patamar de celebridade e mito. De repente, era como se o diretor enfim retornasse da Europa para os palcos brasileiros com um espetáculo caro e fora dos padrões da realidade do país. A crítica bateu pesado – particularmente em um evento promovido pelo Jornal do Brasil -, pouco no que dizia respeito aos méritos ou deméritos da peça em questão, e muito no que pareciam especulações da classe artística em relação à volta do diretor. Boal mais tarde se daria conta “do impossível. Ninguém volta do exílio, nunca!” O exílio, assim como o tempo, muda a todos, tanto os que vão, como os que ficam, e essas especulações errôneas seriam os inimigos mais duros de Boal durante seu retorno.
O evento em questão foi um debate, organizado pelo Jornal do Brasil, que após cobrir a montagem da peça “O Corsário do Rei”, ao invés de publicar uma crítica, como de costume, resolveu torná-la tema de uma mesa-redonda com convidados da classe artística sob a coordenação do crítico teatral Macksen Luiz (sem a presença do autor e diretor Augusto Boal). Parte do conteúdo do evento foi então publicado no Caderno B Especial de domingo, do referido jornal, na seção “Em questão”, sob a chamada “Ninguém gostou. Parece teatro do deprimido” – em um trocadilho infeliz e depreciativo com o sério trabalho de pesquisa de muitos anos de Boal, o “Teatro do Oprimido”.
Durante o debate, a peça foi “desancada e chegou-se a dizer que ele [Boal] teve sorte de ser exilado.”[3]A repercussão deste episódio especialmente duro para Boal e Cecilia Thumin – sua companheira e colaboradora de Boal na direção da peça – dividiu a classe artística, e até mesmo membros da crítica.
Cecilia se manifestou em um contra-ataque ao que avaliou como um episódio, além de tudo, machista. Seu desabafo foi publicado no Pasquim com o título “Obrigada pela m(*) que me toca”:
“Sendo uma mulher latino-americana, eu já devia estar habituada, embora nunca resignada, ao machismo existente em nossos países, e que é igualmente exercido por homens e mulheres. Mas, depois de ter passado tanto tempo afastada da América Latina, já não acreditava que o machismo pudesse tomar tão grandes proporções. Apesar de figurar como colaboradora do diretor Augusto Boal na mise-en-scène do “Corsário do Rei” comprovei que o meu nome não foi citado uma única vez quando se tratava de criticar e escarnecer o referido espetáculo.
Se a intenção foi a de preservar uma mulher de tanta m(*), declino dessa gentileza e venho, através desta pequena nota, reclamar a parte da m(*) que me cabe.”
Tarso de Castro também publicou seu repúdio ao acontecido em um artigo, chamado “Os corsários do fascismo”, na Tribuna da Imprensa, em 01 de outubro de 1985. Sem meias-palavras, o jornalista relatou o episódio a partir de sua perspectiva:
“Domingo, no Jornal do Brasil, comemorando com adubo de cachorro os 20 anos do Caderno B, reuniu-se um grupo de pessoas para, sob orientação do crítico, simplesmente destruir todo o trabalho feito em torno da peça “O Corsário do Rei”, de Augusto Boal. Não houve nem mesmo a preocupação de um debate sério ou verdadeiro. (…) usando o velho método de pinçar as partes dos depoimentos que interessam às intenções do jornal, o que temos como resultado é uma matéria que deixaria dona Solange Hernandes, nos seus tempos áureos de censura, simplesmente com água na boca. O JB só não informa se ao final desse raro espetáculo facista, a peça terá sido queimada sob os acórdes de alguma música de Wagner.”
Além de jornalistas, artistas, assim como o SATED (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio de Janeiro) juntamente com a ACET (Associação de Empresários Teatrais), se pronunciaram publicamente para contestar as inverdades veiculadas pela imprensa a respeito do espetáculo e de seu autor-diretor (vejam em anexo), dando a entender, ainda mais claramente, que as “críticas” estavam longe de ser de fato críticas, mas ataques pessoais a Boal com subtextos políticos.
Boal, por sua vez, apesar de não querer responder as críticas feitas especificamente à peça (por as considerar normais no campo da arte), acabou por se pronunciar sobre o episódio. Já de volta à Paris, concedeu uma entrevista a um correspondente do próprio Jornal do Brasil. No melhor estilo contestador de Boal, subverteu a lógica do direito de resposta e colocou perguntas aos leitores do jornal, como uma forma de propor uma reflexão a respeito dos conteúdos veiculados a seu respeito. Mas não antes de declarar sua indignação pelo o que considerou falta de respeito:
“Saí do Brasil porque me disseram que, se continuasse, iam me matar. Nesse sentido, tive sorte. Outros companheiros meus e dezenas de pessoas foram jogadas no mar, de helicóptero, não tiveram a mesma sorte, como a nossa melhor amiga, Helena Guariba. (..) Eu tive sorte de ter escapado, não de ter sido exilado.
(…) Faço teatro há 30 anos, fora o tempo de amador, e estou acostumado a elogios justificados ou não, a críticas e até a pauladas na cabeça. O que me chocou foi o modo como fez essa mesa-redonda. A mesa era quadrada. Chegou-se a dizer que na montagem houve conchavo político, compra de votos, essas coisas. Vai-se ver, pensam que o Governo gastou dinheiro com a peça”. (…) O Governo cedeu o João Caetano e a central de Inhaúma, como faz com outros grupos teatrais. A peça foi financiada por dois empresários, que entraram com a cara e o dinheiro.”
[A íntegra dessa matéria segue abaixo.]
O episódio, extrapolou o que seria apenas uma crítica negativa à uma peça de teatro, e parece ter deflagrado, acima de tudo, uma classe artística rachada, ainda tentando se compreender dentro dos contornos da recém estabelecida democracia da Nova República, após tantos anos de ditadura militar. Como a pesquisadora Clara de Andrade conclui: “A produção de O corsário do rei, portanto, que seria para Boal a possibilidade de reintegração ao meio cultural brasileiro, ao contar com o apoio governamental, acabou servindo muito mais como estopim para o debate em relação à política cultural do início dos anos 80, no Rio de Janeiro.”[4]
Para Boal, no entanto, ressoou em um lugar muito mais íntimo, que o fez sentir-se flutuando entre tribos, estrangeiro fora e dentro de seu país natal.
Por Fabiana Comparato
A trajetória de Augusto Boal no teatro influenciou diretamente muitos artistas e também se mistura a de muitos outros nomes importantes do teatro brasileiro dos anos 50, 60 e 70 – parte de um conjunto de artistas que neste período e, mais precisamente no contexto do Teatro de Arena de São Paulo, ajudaram a criar e desenvolver o teatro político e uma dramaturgia verdadeiramente brasileira. Mas a carreira de Boal também foi afetada e atravessada por outras figuras já reconhecidas por serem de extrema importância para o teatro brasileiro da época. Uma dessas foi Nelson Rodrigues.
Nelson, além de ter sido personagem importante no início da carreira de Boal – antes mesmo de se formar na faculdade de Química – tornou-se seu grande amigo.
(Cabe aqui um parênteses curioso sobre a Química como matéria universitária. Boal conta em uma das muitas anedotas de sua autobiografia, “Hamlet e o filho do padeiro” de 2000, que a escolha se deu em parte por influência de sua namorada na época, “Renata [que] adorava Química” e tentaria vestibular para essa escola, e de seu pai, padeiro, que descobriu que o químico que fazia o fermento Fleischmann ganhava muito bem. Boal queria mesmo estudar teatro, desde de muito jovem não tinha dúvida: teatro era sua paixão. No entanto, não teria coragem de pedir isso ao seu pai, que por sua vez dizia que os filhos poderiam escolher qualquer profissão desde que uma digna de se tornar doutor, o que não parecia condizente com teatro. Então, a escolha foi simples: Química.)
Tão logo ingressado na Escola de Química, Boal elege-se Diretor do Departamento Cultural, como forma de se manter próximo de atividades artísticas, e organiza um ciclo de conferências sobre teatro. E é assim, neste contexto, que cria coragem para se aproximar do dramaturgo que mais admirava na época, Nelson Rodrigues. Boal dedica um trecho desua autobiografiaexclusivamente sobre o momento em que o conheceu, intitulada “Nelson, o Padrinho”.
“Fui à redação do seu jornal depois que, pelo telefone, ele concordou em fazer uma palestra. Cheguei, olhei O Dramaturgo e minhas pernas tremeram diante da Divindade!” (p.110)
A amizade estabelecida naquela época duraria a vida toda, até a morte de Nelson em 1980.
Boal se forma e em 1953 seu pai lhe oferece a oportunidade de cursar uma especialização em Química no exterior. Boal escolhe a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, por conta de sua verdadeira vontade de estudar, paralelamente, dramaturgia com o grande crítico e teatrólogo John Gassner (o que o fez com muita dedicação e entusiasmo). De volta ao Brasil em 1955, como ele mesmo relata, lhe choviam ofertas de emprego como químicopor ser um “Columbia-Man”. Mas, naturalmente, Boal não queria seguir essa carreira. Logo procurou seu já amigo Nelson Rodrigues e com ele dividiu sua angustia. Nelson então lhe conseguiu um trabalho que lhe permitiria tempo e prática de escrita. Boal virou tradutor das histórias que eram publicadas na revista X-9, uma revista de crimes policiais, com muito sexo e sangue. Com as técnicas de romance policial que aprendeu, Boal escreveu sua primeira novela “A deliciosa e sangrenta aventura latina de Jane Spitfire, espiã e mulher sensual”, editada por Jaguar no Pasquim.
Nelson também foi o responsável por lhe apresentar outra pessoa que viria a ser amigo de Boal e fundamental no início de sua carreira como diretor, o crítico teatral Sábato Magaldi. Foi durante sua fase como “tradutor” – que, segundo o próprio Boal, estavam mais para re-criações, já que ele modificava escancaradamente todas as histórias que traduzia – que um dia Sábato liga para Boal e diz que o indicou para ser diretor do Teatro de Arena de São Paulo, apesar de Boal na época ter dirigido apenas uma peça durante sua temporada em Nova Iorque.
“Nelson tinha razão: quem fala inglês é tradutor! Acabei achando que o Sábato também: quem dirige é diretor!”(p. 139)
A partir de sua entrada no Teatro de Arena, a carreira de Boal no teatro só se aprofunda e se estabelece cada vez mais firme e livre para experimentar, não só em criações dramatúrgicas, mas em técnicas e conceituações – que viriam a gerar todas as pesquisas dos mundialmente conhecidos e praticados Sistema Coringa e, posteriormente, Teatro do Oprimido.
Em retrospecto, Nelson parece, de fato, ter tido participação importante nos momentos iniciais da carreira de Boal no teatro, o que explica esse senso de apadrinhamento que Boal lhe confere em sua autobiografia. Desse momento em diante, Nelson esteve sempre presente, apesar de nem sempre perto. Lia e comentava as peças de Boal, e assistia aos espetáculos do Arena quando podia em suas montagens no Rio de Janeiro.
“O principal conselho que me dava e eu me lembro bem, era: – “Deforma!”
Apesar de escrever, mais tarde, uma coluna intitulada “A Vida Como Ela É”, Nelson me aconselhava a deformar a realidade como ela não era, ou, pelo menos, mostrar a minha visão da realidade – fugir da fotografia.
Tinha razão: teatro não é a reprodução do real, é a sua transubstanciação. Arte é Metáfora, não cópia servil.”
(trecho de fala proferida por Boal na Festa Literária Internacional de Paraty, FLIP, no dia 5 de Julho de 2007)
A admiração de Boal por Nelson era reciproca, e é tornada pública quando Boal é preso, em 1971, pela ditadura militar. Nelson se manifesta escancaradamente em sua defesa no jornal, pedindo sua soltura, mesmo como reconhecido apoiar das forças armadas.
“Vi aquele garoto na porta do teatro (realmente um garoto). Aos seus olhos eu era o “grande autor”. Apresentou-se como um admirador. Estava em cena a “minha tragédia carioca”, Vestido de Noiva. Boal passou dois meses assistindo a todas as representações. Não perdeu uma. Desde então começou uma amizade, que continua até hoje. Portanto, há trinta anos que sou testemunha auditiva e visual de sua fidelidade ao teatro.
(…)
Foi decretada a sua prisão preventiva. Por isso mesmo estou dando meu testemunho. Paro um momento e pergunto a mim mesmo: – o que é que eu teria mais a dizer? Não podemos interromper a obra que está amadurecendo no seu coração, não podemos encerrar uma obra que irá tão longe, tão longe.
(…) – depois de trinta anos de intimidade quase diária, ouso afirmar que esse homem não fez nada senão teatro e é apenas o artista, em sua integridade irredutível.”
(Crônica de 18/03/1971, publicada no livro “O Reacionário, memórias e confissões”, de Nelson Rodrigues)
Quase três décadas depois da morte de Nelson Rodrigues, em 2007, a Festa Literária Internacional de Paraty, FLIP, resolve homenageá-lo. Nesta ocasião Boal produz uma fala que conta sua história de amizade com o dramaturgo, mas também toca em suas significativas divergências políticas. Ponto que talvez seja a maior curiosidade desta relação: como um homem declaradamente de esquerda e outro declaradamente pró-ditadura poderiam nutrir tão forte amizade, afeto e admiração um pelo outro?
“Éramos amigos especiais. Grandes amigos psicológicos, digamos assim, e ferrenhos adversários ideológicos. Em política, Nelson era um carinhoso inimigo irreconciliável.
(…)
Quando fui preso, em 71, Nelson escreveu duas ou três Crônicas para me inocentar – queria ajudar. Ele sabia que, para me defender, tinha que mentir. Sabia que eu sempre havia sido e seria sempre um homem político, um cidadão político, um artista.
(…)Nossa arte, além de sentimento e forma, é uma opinião ativa sobre esse mundo que nos inspira e molda.
A isto se chama política: ter opiniões e agir em conseqüência!
(…)
Sei também como é difícil – tão difícil como necessário – separar o amigo do homem público, a arte do artista, um momento da vida, da vida naquele momento.
Eu penso que consigo fazer essa separação, pensando que Nelson ia tão fundo mergulhado na alma dos seus personagens que não chegava a ver a vida como ela de fato era naquele tempo de poder fascista. Nelson via por cima, onde pairava, e não descia aos calabouços.
Apoiando os militares, era como se Nelson pensasse em falsos arquétipos platônicos sem correspondência no mundo real, no qual o que importava era o Milagre Brasileiro e o crescimento econômico, sem levar em conta a realidade verdadeira de que esse crescimento só favorecia aos poderosos, enriquecia os ricos e semeava pobreza, afastava os miseráveis dos bens da vida. O verdadeiro e único Milagre Brasileiro foi o de termos nós, a ele, sobrevivido.”
Será sempre impossível saber se o diagnóstico de Boal sobre o posicionamento político de Nelson era verdadeiro. Sabemos apenas da grande admiração que Nelson nutria por Boal e que, neste caso, o afeto entre dois dos maiores homens do teatro brasileiro, embora incapaz de remediar, conseguiu claramente sobreviver as divergências políticas.
“(…) para os que têm um mínimo de sensibilidade para o teatro, Augusto Boal representa muito. Na minha crônica de ontem dizia eu que ele é um dos maiores autores e diretores do drama brasileiro.
Se acham pouco, acrescentarei que é uma das maiores figuras do teatro em toda a América Latina.”
[Leia a íntegra da crônica de Nelson Rodrigues de 18/03/1971 em defesa de Boal neste post do Blog do Instituto]

Nelson Rodrigues | Registro fotográfico Carlos Moskovics

Acervo Augusto Boal | Registro fotográfico Peter Kunold