Augusto Boal

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Qual é a do Nelson?

08.02.2024

Prefácio da nova edição de “O Homem Proibido”, por Cecilia Thumim Boal

Nelson/ Suzana, uma bandeira?  Quem tem medo de ser mulher? 

Qual é a do Nelson? Tem algo mais intrigante?  Um homem usar como pseudônimo um nome de mulher? E nos anos 40? Susana Flag, Suzana Bandeira. Qual é a bandeira desta Suzana?  Muitas, muitas perguntas.

Mas antes de tentar responder vou me apresentar. Não sou uma especialista em Nelson Rodrigues nem uma estudiosa de literatura brasileira. Também não pretendo me tornar uma. Por isso me surpreendeu o convite da editora HarperCollins para escrever o prefácio desta publicação. Em um primeiro momento pensei em recusar usando esse argumento. Porém, algo me intrigou e provocou o meu interesse. E resolvi aceitar. 

Conheci o Nelson Rodrigues através de Boal, foi uma das primeiras pessoas das quais Boal me falou quando nos conhecemos em Buenos Aires, em 1966. Boal me falou da importância de Nelson na sua vida. Ele se referia a Nelson como tendo sido uma espécie de pai artístico, ele lia e comentava as pecas de teatro escritas pelo jovem dramaturgo de 20 anos, apresentou Boal a outras pessoas de teatro, como Abdias Nascimento. Sugeriu o seu nome ao critico teatral Sábato Magaldi, o que resultou na ida de Boal a São Paulo para assumir o teatro Arena junto com José Renato.

Conheci Nelson e conheci também Suzana Flag. Boal achava muita graça nesse outro lado de Nelson. Esse outro lado que Boal nunca procurou explicar, acho que ele estava mais interessado no Nelson dramaturgo.

Mas o que leva um homem, um dramaturgo, a escrever esses textos recheados de dramas passionais além de ajudar a pagar as contas no final do mês? Os folhetins de Suzana Flag conhecem um enorme sucesso recheados, como são, de clichês de homens e mulheres rasgados pelo ciúme e o desejo. Um desfile de personagens femininos dos mais convencionais aos mais surpreendentes circularam pelas paginas dos jornais, certamente devoradas com avidez por mocinhas e senhoras dos anos 40 (quem era o publico de Nelson?).

No texto O HOMEM PROIBIDO esses protótipos femininos nos são apresentados desde as primeiras páginas: Joyce, a menina-noiva do vestido branco. Sonia, a sua prima, ocupando o lugar da mãezinha devotada e perfeita, e as suas respectivas mães desnaturadas: D. Senhorinha, mãe de Joyce, mulher cheia de segredos (pode uma mãe ter segredos?) que cometera suicido ninguém sabe se em consequência de alguma paixão proibida e D. Flávia, irmã de D.Senhorinha, que declara ter horror de crianças (pode uma mãe ter horror de criança?).

Lembramos que nos anos 40 a questão do machismo nem chegava a ser uma questão. Era uma forma de ser homem, de afirmar uma identidade. Tudo isso a pesar (e talvez como consequência) do vigor mostrado pelos movimentos feministas.

Porém, apesar do machismo certo, acreditamos que Nelson certamente gostava das mulheres e se identificava com elas. Tomava partido Mas era viável para um homem de aquela época se manifestar abertamente? Certamente não.  Usando o disfarce de Suzana Flag afirmar que as mulheres tinham desejo, que gostavam de sexo se tornava possível. Um escândalo para aquela sociedade hipócrita e dissimulada. Suzana/Nelson, Nelson/Suzana afirmam que o sexo não é uma prerrogativa dos homens, é também um direito das mulheres. Seria um exagero definir Nelson Rodrigues como um feminista? Essa pergunta tem pertinência? 

Em todo caso Nelson não tenta simplificar o que é complexo. 

O estilo do folhetim não é realista, podemos até dizer que é cafona, um catálogo de frases feitas, recheado de lugares comuns E ao mesmo tempo cheio de encanto e magia, criando um universo completamente irreal. Joyce calca chinelinhos de arminio. Sonia e Paulo vivem uma felicidade sem defeito. Subitamente uma fatalidade se abate sobre todos eles provocando uma tragédia que muda irremediavelmente o destino dos protagonistas.

Suspense, culpa, remorsos, traição, todos esses elementos do mais puro melodrama despertam a vontade de continuar lendo, continuar sonhando com esses amores extraordinários tão diferentes e alheios ao quotidiano das mulheres (e dos homens, por que não?) que compram o jornal. 

E não vou me alongar mais, a palavra com Suzana Bandeira. Vamos com ela penetrar no universo do melodrama, do folhetim, conhecer com ela esse tesouro de amor, delicia e sofrimento. E descobrir com ela porque O HOMEM PROIBIDO é um homem proibido.