Augusto Boal

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A senhora sua mãe e a mentira como arma política

10.10.2018

Augusto Boal sempre se posicionou ao lado da democracia, dos oprimidos e das oprimidas. Não foi diferente nas eleições de 1989, onde Collor e Lula disputaram a Presidência. Compartilhamos um trecho do texto que Boal escreveu em tal ocasião:

 

A senhora sua mãe e a mentira como arma política

Todo jogo deveria ter suas regras respeitadas. Em política – como estamos vendo – não é assim.
A regra mais elementar – dizer a verdade – é, de todas, a mais violada. Aquele que mentem querem, não apenas esconder parte de si mesmos mas, através de prótese cruel, incrustar nos adversários corpos que lhe são estranhos.
Na semana passada, o jornalista Jânio de Freitas revelou a enterrecedora notícia de que os partidários do senhor Collor de Mello, em Brasília, imprimiram cartazes com a sigla do PT incitando o povo à luta armada. Pelo contrário, queremos todos – todos nós, pessoas honradas! – acabar de uma vez por todas com o ignóbil derramamento de sangue dos camponeses do norte e do nordeste; do sangue dos pobres – especialmente negros – massacrados pelos esquadrões da morte que ainda subsistem; do sangue derramado em tantos crimes, em tanta violência urbana, provocada por tanta miséria, resultado de tanta e tão longa repressão.
Imputar ao PT um desejo contrário ao que é seu – isto é crime sem perdão. Alguns jornais – por ingenuidade incompatível com a sua função social, ou por clara cumplicidade com o crime – publicaram notícia e foto, fazendo passar por verdade a ignominia. Levando a falcatrúa aos seus limites extremistas, o próprio candidato – sabendo que mentia! Usou o horário gratuito dos jornais coniventes. Collor assumiu, – pessoal e publicamente, – a responsabilidade pela calúnia.
E curioso que quando alguém tenta atacar Lula, não encontrando motivo ou razão – procura associá-lo a figuras do amplo espectro da esquerda “em geral”. Dizem assim: “E o muro de Berlim? E Stalin? Existe liberdade de imprensa em Cuba?” Perguntas estapafúrdias. E claro que Lula não pode ser responsabilizado por fatos acontecidos antes do seu nascimento, ou fora do seu alcance e poder.
Se usássemos a mesma técnica, se quizéssemos incluir Collor no amplo espectro da direita “em geral”, teríamos que associá-lo a figuras sinistras como Hitler, Mussolini e Pinochet. E, na verdade, vemos com tristeza que esse candidato usa intensamente a mentira, método preferido de Adolfo Hitler que, entre outras coisas, mandava incendiar edifícios entre os quais o Reichstag – para, em seguida, acusar comunistas, judeus, homossexuais, ciganos – as minorias adversárias. Não foi outra coisa o que fez Collor no horário gratuito da televisão. Um mentiroso não pode ser presidente de nada, muito menos da República.
O boato é arma de extrema periculosidade porque transforma a mentira em categoria da verdade: a verdade virtual. Ao afirmar como verdadeiro o falso, abre a possibilidade de que o falso seja verdadeiro, ou possa vir a ser. Quando Collor acusa o PT de desejar uma luta armada – o que é insidiosa mentira! – insinua e acena com essa possibilidade. Não é verdade, mas, como simples objeto de conjectura, como exercício da imaginação – não é, mas – quem sabe? – poderia ser, poderia vir a ser, poderia já ter sido.
Quando o senhor Saulo Ramos esclarece na TV que a CUT não teve nada a ver com a baderna de Porto Alegre, o espectador é levado a se perguntar: “Por que Saulo Ramos se empenha em defender quem não está sendo acusado?” E aí surge a dúvida, a possibilidade, a verdade virtual: não foi a CUT, mas poderia ter sido. Imaginem se o mesmo senhor viesse a público esclarecer que o cardeal D. Eugenio Sales não foi o responsável pela desordem gaúcha. A minha reação, lógica, seria a de perguntar aos meus amigos religiosos sobre o passado estudantil do pacifico sacerdote: teria ele, em sua infância ou juventude, participado de greves, quebra-quebras?
Nós não devemos responsabilizar nenhum candidato por atos vis praticados por outras pessoas, a menos que o candidato com esses atos se solidarize, ou que sobre eles se silencie, quando se impõe a necessidade da palavra esclarecedora. Meses atrás, um jornal pertencente a senhora mãe do candidato, fez elogios abertos ao gênio de Hitler, precisamente o personagem de quem estamos falando. Por se tratar de parente no seu máximo grau de parentesco, era necessário que o candidato viesse a público renegar as afirmações maternas. Não renegou.
E, já que estamos falando de mães, não posso deixar de rir lembrando o desatino de Collor de Mello que, perguntado por um repórter da TV Aratu, que queria saber a verdade sobre siglas de aluguel, respondeu: “Eu não aluguei sigla nem a senhora sua mãe!” Um desequilibrado não pode ser presidente de nada, muito menos da República.
O momento é grave. O Brasil corre trágico risco do continuismo, do disfarce que deseja colorir a miséria porque, para a direita, o que é ruim na miséria é vê-la e não vivê-la. Ao mesmo tempo, abre-se a esperança maravilhosa de termos, finalmente, um homem experiente, conciliador, pacífico, de estatura moral, com a extraordinária capacidade de coordenar pessoas e equipes de extraordinária capacidade. Poderemos ter, finalmente, Lula na Presidência da República. O momento exige lucidez! Aqueles que, por inadvertência, contribuiram para municiar o adversário, ainda tem alguns dias para refletir. E nós, alguns dias mais para exercitarmos o nosso entusiasmo pela candidatura Lula.
Se correr tudo bem, Lula será nosso Presidente. Para o bem de todos. Sem ódio, sem rancor. A bem da verdade. Sem medo de ser feliz.
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Collor em Osório, Rio Grande do Sul, afirmou que –“Sou homem de faca na bota e, quando for Presidente da República, vou dar rebenque nesses adversários, etc.” Isto é, o candidato, muito sincero, promete a pancadaria física, promete a tortura e o castigo corporal para os seus adversários. Essa notícia gravíssima não pode ser falsa, pois o Dr. Marinho, notóriamente apoia Collor.
Eu não quero nenhum Presidente de faca na bota e rebenque na mão. Pensem bem: quando eu chamo Collor de torturador em potência (e em seu desejo revelado), quando o chamo de desequilibrado (e mostro em que), isso não é nenhum xingamento: é diagnóstico.

Atenciosamente,
Augusto Boal -Membro do Movimento Hélio Pellegrino Pró-Lula

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