Augusto Boal

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I Seminário do NEIFeCS – CLINICA DE SITUAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E INTERDISCIPLINARIDADE

29.05.2012

I Seminário do NEIFeCS – CLINICA DE SITUAÇÕES CONTEMPORÂNEAS E
INTERDISCIPLINARIDADE
Primeira edição de um seminário que se pretende realizar a cada dois
anos, o I SEMINÁRIO DO NÚCLEO DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM
FENOMENOLOGIA E CLINICA DE SITUAÇÕES CONTEMPORÂNEAS (NEIFESC) ocorreu
no campus da UFRJ (Praia Vermelha)  nos dias 16 e 17 de maio de 2012,
O evento visou articular uma rede interdisciplinar para discutir uma
perspectiva clínica vinculada às situações contemporâneas em sua
complexidade: clínica do trabalho e reestruturação produtiva, clínica
na comunidade e geopolitica das cidades, transformações sociais
emergentes e os desafios das ciências sociais e da clinica na
contemporaneidade. Os eixos temáticos propostos para o seminário se
dirigiram 1) para a discussão dos modos de subjetivação-objetivação
produzidos em nossa contemporaneidade em suas diferentes situações em
nosso tempo e espaço atual; 2) para a discussão de uma clínica de
situações contemporâneas e suas articulações interdisciplinares
possíveis; 3) para o diálogo entre arte e clínica.
Sobre o modo como pensamos nossos desafios políticos e intelectuais,
segue o texto a seguir:
Manter o olhar atento para as transformações de nosso tempo histórico,
desenvolver o espírito crítico sobre os acontecimentos que nos
envolvem e produzir uma práxis instituinte de novos sentidos, eis
nossos grandes desafios e nossos móbiles.
São inumeráveis as transformações das sociedades e das culturas no
mundo do capitalismo globalizado. Transformações econômicas e
políticas, com a instauração de um novo padrão de acumulação baseado
num capitalismo financeiro que tem colocado, cada vez mais, o mundo do
trabalho e a vida social e política sob a ditadura das grandes
corporações e dos mercados de ações, com suas formas de rentabilidade
a curto prazo. Transformações tecnológicas que permitem às pessoas
hoje em todo o globo, unificarem-se para além das fronteiras dos
estados, possibilitando, por um lado, transformações sociais profundas
como aquelas vividas pelos países árabes e, por outro lado, gerando
novas e poderosas formas de alienação, como é o caso da roleta
financeira global a que todos estamos submetidos. Transformações
políticas e ideológicas, dentre as quais podemos citar a crise do
movimento sindical, a crise dos partidos políticos e a perda do debate
e da luta ideológica em prol de uma “tecnização” do discurso pela
figura dos especialistas e experts. Transformações da nossa relação
com a natureza, em função das formas de apropriação dos recursos
naturais típicas da modernização capitalista se mostrarem
contraditórias com a possibilidade de vida a médio e longo prazo. As
transformações na ordem subjetiva são também inúmeras e complexas. Sob
a égide de um individualismo exacerbado, da desarticulação do coletivo
e da sobrecarga de trabalho, produz-se um indivíduo hiperativo que
deixa fora de jogo o corpo e a sensibilidade e com eles a
possibilidade de criação e produção de diferença e do diferente. Em
nossos tempos produzem-se novas formas de subjetivação consumistas,
competitivas, efêmeras, centradas no presente, o que se reflete em
isolamento e ansiedade diante da possibilidade de encontro com o
outro. Produzem-se novas e reeditam-se velhas formas de sofrimento:
solidão, vazio, sentimento de impotência, medo, compulsão, violência.
Na era da técnica, tende-se cada vez mais, ao consumo de medicamentos
para fazer face ao agravamento desse quadro de insignificância
existencial e social.
Não somos niilistas, pois não tomamos essas transformações como o
destino do homem contemporâneo, mas, ao contrário, como desafios
próprios de nossa época e próprios, portanto, de uma psicologia que
busca fazer dos homens e mulheres desse tempo a matéria primeira de
nossas ocupações e iniciativas. Concebemos, portanto, a psicologia
como uma práxis situada, visto que nos interessa, antes de tudo, o
“ser humano em situação”.
Neste sentido, trabalharemos em prol de uma psicologia compreensiva
dirigida às situações concretas. Face à razão analítica, que visa
isolar os elementos para tentar explicá-los, sustentamos uma razão
sintética que busca interligar cada elemento ao conjunto de que faz
parte, de forma a fazer aparecer uma totalidade como unidade
dialeticamente constituída. Face à psicologia que parte de princípios
gerais que devem ser aplicados a cada homem em particular, defendemos
trabalhar a partir dos homens concretos e situados, como produtos e
produtores da história enquanto seres significantes e instituintes de
novas formas de sociabilidade.
Nesse caminho é que está a fenomenologia, visto que encontramos em
seus princípios um retorno ao vivido e um direcionamento à
experiência, entendida como situação singular que envolve o sujeito em
suas relações com o mundo social e histórico. Ao invés de postular a
separação arbitrária entre corpo e psíquico que tanto afetou a
psicologia ao longo de sua história, a fenomenologia parte do sujeito
como uma unidade “corpo-consciência-no-mundo” que não pode ser
decomposta em seus elementos, mas que precisa ser compreendida em seu
movimento vivo dentro de sua “situação”.
Ao referencial da fenomenologia, acrescentamos uma perspectiva
interdisciplinar. Para nós, uma psicologia encontra suas
possibilidades à medida que ultrapassa o terreno exclusivo dos fatos
psíquicos. Estes, segundo nosso ponto de vista, somente tornam-se
compreensíveis quando tomados como partes de uma complexidade
histórica e expressam uma maneira dos sujeitos viverem e fazerem suas
vidas no âmbito de uma situação determinada. Essa condição ontológica
do humano de não poder existir enquanto puro fato psíquico nos permite
sustentar uma proposta de natureza interdisciplinar. A sociologia, a
economia, a antropologia, a arte, a história, etc., não se constituem,
portanto, em simples fronteiras disciplinares, mas em Saberes que
permitem uma visão da complexidade do homem.
Cabe, ainda, assinalar o papel fundamental de uma clínica das
situações contemporâneas. Não pretendemos fazer uma psicoterapia da
realidade contemporânea, tampouco propor um deslocamento espacial da
clínica do consultório para outros espaços. Propomos, sim, uma clínica
que faça uma mudança de foco, uma passagem da estrutura e dinâmica da
vida psíquica para o plano da facticidade e da condição humana no
mundo. Uma clínica que parta daquilo que é vivido pelos sujeitos em
situação e que permita aos mesmos novas formas de apropriação desse
vivido e de instituição de sentidos para sua existência no mundo com o
outro. Implicá-los com a situação, com o outro e com o contexto
sócio-histórico é um de nossos grandes desafios.
Tendo a clínica como objeto de nossa práxis e de nossas investigações,
a fenomenologia como referencial de base e adotando uma perspectiva
interdisciplinar, nosso olhar se dirige para os modos de
subjetivação-objetivação produzidos em nossa contemporaneidade. Nossos
métodos de pesquisa envolvem a pesquisa-ação e a concepção da produção
teórica como inseparável da intervenção e dos processos de mudança.
Buscando pensar formas ampliadas de intervenção clínica, nosso núcleo
desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão voltadas para a
gestalt-terapia, a psicologia existencialista, a clínica do trabalho e
a clínica nas comunidades.
É a partir dessa primeira configuração que pretendemos contribuir para
o avanço da psicologia e da ciência em direção à sociedade, entendendo
nossas teorias e métodos como portadores de uma função social e
política, ou seja, como instrumentos produtores e transformadores de
cada situação com a qual nos comprometemos.
Mônica Botelho Alvim
Profa. Adjunta do Instituto de Psicologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fernando Gastal de Castro
Prof. Adjunto do Instituto de Psicologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro