Blog
Neste mês de março comemoramos o aniversário de Augusto Boal! No intuito de homenageá-lo o Instituto Augusto Boal compartilhará com vocês lembranças importantes de sua carreira artística.
Nascido no bairro da Penha, Rio de Janeiro, começou jovem seus estudos na Faculdade de Química. Sua primeira aproximação com a cultura foi ali mesmo, no Diretório Acadêmico de seu curso onde se candidatou a vaga de Diretor do Departamento Cultural.
Após o término da faculdade, Augusto Boal convence o pai de que tem que fazer uma especialização em química no exterior. Na verdade, Boal já buscava aproximação com o teatro e escolheu ir para onde poderia estudar melhor sua paixão:
“Meu pai me deu direito a um ano de especialização no exterior. Podia estudar um ano inteiro. Engenharia Química, bem entendido. Pensei na França (tinha visto espetáculos franceses no Municipal), e nos Estados Unidos (gostava de O`Neill, Miller, Williams…) Mas teria que estudar petróleos e plásticos misturados com teatro.”
E Boal fez então os seus primeiros voos: teatral e geográfico – foi para os Estados Unidos estudar química e teatro. Foi estudando lá, na Columbia University, que se descobrira dramaturgo.
“Mr. Boal, you are a playwriter!”- disse John Gassner, renomado dramaturgo norte americano e na ocasião professor de Augusto Boal.
Curiosidade: graças a este diploma de especialização em química, mais tarde Boal conseguiu dar aulas na Universidade de Sorbonne, no seu exílio na França.
Trechos grifados tirados do livro Hamlet e o Filho do Padeiro, Memórias imaginadas de Augusto Boal, 2000 e curiosidade compartilhada por Cecilia Thumim Boal.

Augusto Boal em sua primeira viagem para Nova York. Fotografia disponível em nosso acervo: www.acervoaugustoboal.com.br
No ano de 2003 também, além de ser homenageado pelo Acadêmicos da Barra da Tijuca, Boal foi convidado para coreografar a Unidos de Vila Isabel no carnaval. Podemos ver a alegria de Boal em matéria publicada no jornal O Globo, no dia 20 de fevereiro de 2003, sobre sua coreografia para a comissão de frente da escola de samba.

Em 2003 a Acadêmicos da Barra da Tijuca homenageou Boal e o Teatro do Oprimido. Compartilhamos com vocês a letra e o link do vídeo no youtube para acompanhar e cantar o samba enredo!
“A vida é o cenário desta trama
E o povo, nosso artista principal
Palavras e gestos unidos
Surge em ritos primitivos
A linguagem teatral
Na Grécia, o teatro vai às ruas
Porque o artista vai aonde o povo está
Vem amor… Divino Baco vem brindar orgias
Realizando fantasias, embriagando corações
Festa e dor… Em Roma o coliseu e as multidões
A opressão do elitismo, ditames e imposições
Roda o mundo pra chegar – de lá pra cá
Vem das terras de além mar – catequizar
Reza índio! Reza negro!
Eita povo rezadeiro!
São as origens do teatro brasileiro
Meu canto traz um tom de encanto
Tenho a minha “opinião”
Do teatro de revista ao teatro de arena
O esplendor de uma nação…
(meu Brasil)
Ó! Meu Brasil “trigueiro”
Teu solo viu nascer a obra de “Boal”
Respeite o meu pandeiro
Que embala a voz do oprimido contra o mal
Sou Zé-Ninguém! Eu sou de arrepiar!
(bravo!)
E roubo a cena nessa festa popular
Agora bate o tambor
Vem balançar!
Abre a cortina que eu vou
Me apresentar!
É arte, é carnaval, vem sambar!
Pode aplaudir que a Barra vai passar”
Acesse no youtube o SAMBA ENREDO ACADEMICOS DA BARRA DA TIJUCA 2003
O Instituto Augusto Boal está em clima de Carnaval. Vamos comemorar esta data relembrando momentos importantes vividos por Boal em outros carnavais!
No ano 2000, Augusto Boal foi convidado para desfilar pela União da Ilha no carro alegórico “O Barco da Volta” que homenageava os artistas exilados políticos.
Em sinopse sobre o enredo do ano 2000 da União da Ilha de nome “Pra não dizer que não falei das flores”, encontramos as explicações para o convite ter sido dirigido à Boal:
“Nossa principal intenção é destacar o impulso criativo sugerido nas artes, em função da ditadura militar imposta no período de 1964 a 1984.
A dureza deste regime fez surgir no campo das artes a necessidade de defender nossas características culturais, e retomar o poder das mãos dos militares. Surgiu então, uma produção artística ( música, literatura, artes plásticas, cinema, teatro ) que combinava ousadia e determinação, evidenciando a postura de esquerda dos artistas.
A resposta dos militares foi imediata: Livros foram queimados, teatros invadidos, atores agredidos, letras de músicas, jornais e filmes proibidos!
A Censura era implacável, chegando a atingir até obras clássicas.
Em meio a tanta severidade, as forças armadas continuavam a espancar os estudantes no meio da rua, cujo entusiasmo político, e espirito de luta traziam novas idéias e novos comportamentos. Muitas prisões aconteceram, seguidas de torturas e humilhações. Muitos desapareceram após serem presos e barbaramente torturados. Ninguém estava a salvo desta caçada – desde as personalidades mais respeitáveis, até o mais humilde cidadão. Os artistas continuaram através de suas obras a reagir contra a ditadura. Um grupo de artistas optou pelo deboche e pela ironia para enfatizar uma alienação dirigida ( Movimento Tropicalista ), outros, de forma mais contundente, denunciaram as ilegalidades. (…)
O teatro teve um papel muito importante no sentido de trazer ao público a consciência dos fatos. Como principais espetáculos deste período destacamos:
1964 : ” Opinião”, simbolizando o nacionalismo do espetáculo, bem como a valorização do povo como autêntica fonte de cultura. 1965 : ” Arena conta Zumbi” Gianfrancesco Guarniere e Augusto Boal, com música de Edu Lobo, Ruy Guerra e Vinícius de Moraes. Dramatizando o episódio histórico do Quilombo dos Palmares, que sobreviveu no longo período de 1630 a 1694, mas em realidade criticando o regime imposto no país.
1967 : ” Arena conta Tiradentes”, a História da Inconfidência Mineira, fazendo um paralelo com a situação do Brasil naquele momento.
1968 : ” 1° festival Paulista de Opinião”, um conjunto de peças de 6 autores.”
Informações sobre o enredo encontradas no link: http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/uniao-da-ilha-do-governador/2000/25/
O uso dos palavrões (e a censura deles) nas peças de teatro virou uma questão depois que uma deputada Conceição da Costa Neves denunciou o uso de palavrões na peça “Roda Viva” em 1968, dizendo que esta atacava “a moral e os bons costumes”. A Classe Teatral não deixou barato a denúncia. Além do Manifesto Contra o Palavrão, já postado anteriormente no blog, a classe teatral convocou um debate, conforme podemos ver na notícia abaixo, para reclamar seus direitos. Augusto Boal esteve presente neste debate.

Imagem de jornal disponível em nosso acervo: www.acervoaugustoboal.com.br
Em 1968, no ano da Feira Paulista de Opinião, a Classe Teatral escreveu um Manifesto Contra o Palavrão, ironizando a censura. Eles contestavam contra os palavrões: DITADURA, CENSURA, ANALFABETISMOS, ACORDO MEC-USAID, FOME, ARROCHO SALARIAL, NAPALM, APOSENTADORIAS DOS DEPUTADOS e LATIFÚNDIO.
Hoje, 2018, 50 anos depois, contra quais palavrões devemos lutar?

Matéria de Jornal A Gazeta do 12 de junho de 1968 sobre articulação do Arena contra censura e repressão política na montagem da Feira Paulista de Opinião. A reportagem também relata a prisão de um estudante no teatro Galpão.

“MOVIMENTAÇÃO
Os artistas e diretores reuniram-se, então, no “plenarinho” da Assembleia Legislativa, com os deputados que apoiam o seu movimento, decidindo, a partir daí, evoluir para uma posição de briga, pois, segundo Augusto Boal, responsável pela encenação, os artistas brasileiros “estão deixando de ser os bobos da corte e não aceitarão mais a interferência da Censura, quase sempre descabida e sem nexo”. (…) (mais…)
“Sábado, a polícia não deixou que a “I Feira Paulista de Opinião” fôsse encenada no Ruth Escobar: ocupou o teatro. Mas a peça foi levada “de qualquer jeito”, como protesto, no Maria Della Costa.
A Polícia Federal passou quase toda a noite de sábado na porta do Teatro Ruth Escobar, mas não conseguiu impedir a encenação da I Feira Paulista de Opinião, peça em que a Censura Federal fez 84 cortes.
O espetáculo, de protesto, foi considerado pela classe teatral uma “desobediência civil” às determinações da Censura: ninguém concorda com os cortes da peça e a classe teatral decidiram às seis horas da tarde de sábado, no Teatro Ruth Escobar, apresentar o espetáculo “de qualquer jeito” e afirmaram que continuarão levando a peça em vários lugares, ainda que ela seja proibida.
Na assembleia do Ruth Escobar, os artistas lembraram que a peça foi levada a Brasília há dois meses, para ser julgada pela Censura. Mas no dia da estreia ela ainda não tinha sido liberada. Então, eles resolveram fazer um ensaio geral, mostrando o espetáculo para o maior número possível de pessoas. (mais…)
“Os reacionários procuram sempre, a qualquer pretexto, dividir a esquerda. A luta que deve ser conduzida contra eles é, às vezes, por eles conduzida no seio da própria esquerda. Por isso, nós — festivos, sérios ou sisudos — devemos nos precaver. Nós que, em diferentes graus, desejamos modificações radicais na arte e na sociedade, devemos evitar que diferenças táticas de cada grupo artístico se transformem numa estratégia global suicida. O que os reacionários desejam é ver a esquerda transformada em saco de gatos; desejam que a esquerda se derrote a si mesma. Contra isso devemos todos reagir: temos o dever de impedi-lo.
Porém, a pretexto de não dividir, não temos também o direito de calar nossas divergências. Pelo contrário: as diferentes tendências da nossa arte atual serão mais bem entendidas através do cotejo de metas e processos. Isto é necessário, principalmente neste momento em que toda a arte de esquerda enfrenta a necessidade de recolocar os seus processos e as suas metas. O choque entre as diversas tendências não deve significar a predominância final de nenhuma, já que todas devem ser superadas, pois foram também superadas as circunstâncias políticas que as determinaram, cada uma no seu momento.
Dentro da esquerda, portanto, toda discussão será válida sempre que sirva para apressar a derrota da reação. E que isto fique bem claro: a palavra “reação” não deve ser entendida como uma entidade abstrata, irreal, puro conceito, mas, ao contrário, uma entidade concreta, bem organizada e eficaz. “Reação” é o atual governo oligarca, americanófilo, pauperizador do povo e desnacionalizador das riquezas do país; “reação” são as suas forças repressivas, caçadoras de bruxas, e todos os seus departamentos, independentemente de farda ou traje civil; é o snt, o inc, é a censura federal, estadual ou municipal e todas as suas delegacias; são os critérios de subvenções e proibições; e são também todos os artistas de teatro, cine ou TV que se esquecem de que a principal tarefa de todo cidadão, através da arte ou de qualquer outra ferramenta, é a de libertar o Brasil do seu atual estado de país economicamente ocupado e derrotar o invasor, o “inimigo do gênero humano”, segundo a formulação precisa de um pensador latino-americano recentemente assassinado.
Assim, antes que a esquerda artística se agrida a si mesma deve procurar destruir todas as manifestações direitistas. E o primeiro passo para isso é a discussão aberta e ampla dos nossos principais temas. Isto, a direita não poderá jamais fazer, dado que a sua característica principal é a hipocrisia. (mais…)
“Quando comecei a dirigir este espetáculo, ficou patente que o uso dos nossos instrumentos, ritmos e danças, não era apenas um recurso formal episódico: estávamos penetrando em uma área de pesquisa estética mais profunda, que não se contentava com a simples troca de roupagens musicais. O mestre e maestro Marcos Leite, diretor musical e orquestrador, criou uma versão nossa daquela ópera universal, sem medo de uma “Habanera” em tango negro, ou um “Goleador” de cuíca e tamborim.
A ideia de “cultura pura” é abstração, puro “conceito” sem existência concreta. Tentativas de se preserver a “pureza” cultural são vãs, como a pureza étnica. As culturas dialogam, importam e exportam: formam-se, às vezes, “combinações”, onde algo totalmente novo surge e outras vezes “amálgamas”, onde certos elementos conservam parte de sua individualidade.
A este novo gênero, que aqui inauguramos, deveria corresponder um novo nome: é preciso nomear o que existe para que sua existência se torne visível. Por isso, optamos por chamar nosso espetáculo de “Sambópera”. É duas vezes seu nome: é opera e é musical brasileiro. No “Sambópera” misturam-se ritmos, melodias, cores e culturas: mas o coração é um só!”
Trecho selecionado de texto do Augusto Boal contido no programa da peça Carmen, Sambópera.

Na foto Cláudia Ohana e Marcelo Escorel em cena. Fotografia de Cláudia Ribeiro disponível em nosso acervo: www.acervoaugustoboal.com.br