Augusto Boal

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Queremos comunicar com muito orgulho e satisfação que estamos na fase final da digitalização de uma parte considerável do acervo de Augusto Boal.

Estes documentos serão disponibilizados de forma  inteiramente gratuita em uma plataforma digital na internet.
Para isso isso precisamos da colaboração de todos e solicitamos aos atores do Teatro Arena de São Paulo que trabalharam com Boal nos anos 60/70 ou aos seus herdeiros que nos enviem uma autorização de uso de imagem segundo o modelo que segue:

TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ

Pelo presente instrumento, eu, ( nome completo), abaixo qualificado e assinado, AUTORIZO o Instituto Augusto Boal, organização sem fins lucrativos com sede na Cidade do Rio de Janeiro, RJ, na Rua Francisco Otaviano, 185/41, Copacabana, CEP 22080-040, inscrita no CNPJ sob nº 13.069.431/0001-56, doravante denominada simplesmente “IAB”, de forma inteiramente gratuita, a título universal, em caráter definitivo, irrevogável e irretratável, a utilizar a minha imagem e voz, registradas em atividades realizadas no Teatro Arena de São Paulo , seja através de fotos, gravações de áudio, ou audiovisuais, com o objetivo de disponibilizar tais documentos em banco de dados digital, a ser disponibilizado gratuitamente no site do IAB na internet, ou em outro website por ele indicado, no Brasil e/ou exterior, com o intuito de disponibilizar o acesso ao acervo Augusto Boal aberto ao público, para que a sua obra se mantenha viva, acessível e em uso, facilitando a pesquisa assim como a aplicação das suas técnicas.

Por esta ser a expressão da minha vontade, declaro que autorizo o uso acima descrito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos à minha imagem ou a qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 vias de igual teor e forma.

O instrumento é firmado em caráter irrevogável e irretratável, ficando eleito o foro da Comarca da capital do Rio de Janeiro para dirimir quaisquer dúvidas oriundas deste Termo.

Lugar e data
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 Nome:
Identidade:
CPF:
Endereço:
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Testemunha 1:
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Testemunha 2:
Queremos aproveitar esta ocasião para agradecer mais uma vez à equipe encabeçada pela historiadora Celia Leite Costa que com tanto cuidado e dedicação realizam esta delicada tarefa.
Celia, Charlyne, Anita, Thais, muito obrigada!

 

Em 2017 se cumprem os 30 anos do belo projeto que nos trouxe de volta ao Brasil.
Por iniciativa de Darcy Ribeiro, um gênio, apaixonado e visionário, Boal, outro homem genial e apaixonado, veio trabalhar nos CIEPs, a genial invenção de Darcy. Não acho outra forma para descrevê-los.
Era impressionante ver os dois juntos, delirando, inventando, sonhando alto, dois furacões, duas tsunamis em ação. Faz bem à alma no meio de tanta, tanta, tanta mediocridade!!!!!
Fruto dos generosos delírios uma ideia: a Fábrica de Teatro Popular.
Animadores animados, usando teatro para discutir cidadania, direitos, igualdade.
Eucanãa, Silvia, Valéria,  Luiz Vaz, Luiz Boal, Rosa Luisa de Puerto Rico, Maria Libia, Noni, Claudete, Boal e eu.
Nos Cieps das periferias apresentado as nossas peças para o debate, debates que terminavam sempre com um farto lanche oferecido pelas experientes cozinheiras.
Saudades daquele tempo !! Como é possível que Darcy tenha perdido essa eleição?
No lugar de Darcy, Moreira Franco. No lugar dos Cieps:  escola integral, com as suas mães sociais, bibliotecas,  animadores culturais e escolas sucateadas.
Temos que aprender a cuidar melhor o que temos, a cuidar melhor dos brasileiros como Boal e Darcy porque são únicos, são nossos e são excepcionais.
Texto de Cecília Boal sobre a Fábrica de Teatro Popular
 


 
 
 
 
 
 

Cena Teatro-Fórum de Augusto Boal, em louvor à Burocracia, sem data atribuída.

HOMENAGEM À BUROCRACIA

Um casal passeia no jardim de sonho.
ELE – Que jardim tão lindo, cheio de flores.
ELA – Olha aquele menino andando de bicicleta – ele parece tão feliz e contente, vestido de azul.
ELE – E a menina brincando de boneca. Que gracinha, toda vestida de cor de rosa.
ELA – Olha aqueles namorados… Como eles se amam…
ELE _ E aquela velhinha fazendo tricô… Que gracinha…
ELA – E aquele vovôzinho, lendo jornal com lupa e binóculo. ELE – Que bonito…
ELA – Ele lê todos os dias todos os jornais.
ELE – E vê todos os noticiários de televisão.
ELA – E sabe de cor o número de mortos na guerra do Iraque, na Faixa de Gaza.
ELE – E no Morro do Alemão.
ELA – Isso sim, é saber viver até o fim.
ELE – Tudo tão perfeito. Todo mundo tão feliz.
ELA – E a grama tão verde, tão fresquinha… O orvalho vem caindo e ela fica mais verde ainda.
ELE – É proibido pisar na grama, você sabia?
ELA – Claro que sei. Proibidíssimo.
ELE – Mas aquele bebê está pisando, amassando a grama… É proibido, mas ele não sabe.
ELA – Ele não está pisando: está engatinhando.
ELE – É a mesma coisa. A lei proíbe pisar pra proteger a grama, entendeu? O bebê está fora da lei.
ELA – Claro que não. O bebê não conhece a lei…
ELE – Eu sou estudante de Direito e sei muito bem que nenhum cidadão pode alegar ignorância da lei. O bebê existe, logo é um cidadão. Como tal, tem que se comportar como qualquer cidadão. O que o bebê está fazendo é uma transgressão á lei. Desobediência civil.
ELA – Não vamos brigar. Tudo estava indo tão bem.
ELE – Vamos continuar olhando as coisas bonitas que acontecem aqui neste parque.
ELA – Por exemplo…
ELE – Por exemplo, o quê?
ELA – Aquele cachorro. Qual é a marca daquele cachorro?
ELE – Não é marca, é raça.
ELA – Mesmo assim, qual é?
ELE – Pitbull.
ELA – Olha que boca grande ele tem, não é mesmo?
ELE – Olha os dentes.
ELA – Olha a cara de mau!
ELE – É feroz.
ELA – Mata?
ELE – Estraçalha.
ELA – Olha: ele também está pisando na grama. Isso também é desobediência civil!
ELE – Viu? O bebê deu o mau exemplo, agora todo mundo pensa que tem o direito de pisar na grama.
ELA – Ele está se aproximando do bebê.
ELE – Cada vez mais perto.
ELA – Engraçado: ele está sem focinheira.
ELE – E de boca aberta.
ELA – Vai lá salvar o menino, vai!!!
ELE – Se eu for, o Pitbull vai me comer. Ele está sem focinheira.
ELA – Como é que esse cachorro tem coragem de ameaçar o menino?
ELE – Porque ele está seguro da impunidade! Aqui é assim mesmo!
ELA – Toma esse pau. (Dá-lhe um pedaço de pau que estava no chão). Dá na cabeça do cachorro.
ELE – Mas é proibido pisar na grama. É proibido matar cachorro, mesmo sem focinheira.
ELA – É uma emergência! Vai, vai!!!
ELE – Olha que eu vou.
ELA – Vai.
ELE – Eu vou!
ELA – Vai!
ELE – Estou indo.
ELA – Depressa! (Começa a andar devagar na direção de onde se supõe que esteja o bebê e o pitbull. Ouve-se um apito. Aparece um guarda).
OMEÇA A ANDAR DEVAGAR NA DIREÇÃO DE ONDE SE SUPÕE QUE ESTEJA O BEBÊ E O PITBILL. OUVE-SE UM APITO. APARECE UM GUARDA).
GUARDA – Onde é que você pensa que vai?
ELE – Vou salvar uma vida humana.
GUARDA – É proibido.
ELA – Salvar bebê é proibido?!?!?
GUARDA – Não: pisar na grama.
ELA – Mas é uma emergência.
GUARDA – Se é uma emergência ou não, quem decide é a Instância Superior!
Ele – Qual?
GUARDA – A Secretaria de Gramas e Flores Exóticas.
ELE – Então, pede licença à Secretaria de Gramas e Flores Exóticas. Onde ela fica?
GUARDA – É na rua tal número qual. Só eles podem autorizar.
ELA – Mas o cachorro já mordeu o pé do bebê.
GUARDA – Esse é um outro problema: eu aqui estou cumprindo a minha missão, o meu dever. Tenho que fiscalizar, fiscalizo e pronto. Tenho que cumprir com a minha missão.
ELE – Eu quero salvar o bebê.
GUARDA – Mas eu tenho primeiro que salvar a minha pele. Se eu autorizo uma ilegalidade, quem paga depois sou eu!
ELA – O cachorro já comeu o pé do menino e está mordendo a perna: vai correndo buscar a autorização.
ELE – Eu vou. (Entra a funcionária) – É aqui a Secretaria de Grama e Flores Exóticas?
FUNCIONÁRIA – Aqui mesmo. Mas agora é hora do almoço e eu estou ainda no aperitivo.
ELE – Pelo amor de Deus: eu preciso de uma Autorização Especial para Pisar na Grama.
FUNCIONÁRIA – Tem receita médica?
ELE – É um bebê que está sendo comido por um cachorro no parque, e o cachorro não tem focinheira.
FUNCIONÁRIA – Identidade do cachorro, tem?
ELE – Eu sei lá!
FUN – Então o senhor tem que ir primeiro à Secretaria de Animais Sem Focinheira. Não é aqui, não.
ELE – Mas por quê???
FUNC – Procure me entender: quem está fora da lei, em primeiro lugar, é o cachorro, não é o senhor. Por isso, temos que abrir um processo contra o cachorro, porque assim manda a burocracia, e, se ficar provado que o cachorro tem dono, o dono também vai ser arrolado como testemunha.
ELE – Mas, pelo amor de Deus, me dê algum documento pra eu mostrar pro guarda.
FUN – Olha aqui: como eu tenho muito boa vontade, mas não posso me comprometer, – eu estou cumprindo com a minha obrigação, entende?, porque se não quem paga depois sou eu – eu vou lhe dar uma Petição, provisória, autorizando o senhor a pisar na grama, desde que o senhor se ofereça como garantia de que o cachorro, se não ficar provada a sua inocência, será obrigado a devolver todos os pedaços da perna do bebê já mastigados.
ELE – Prometo e me comprometo, juro e re-juro, mas me dê aqui essa Autorização provisória.
Fun – Que pressa é essa?
Ele – (Quase chorando) – É o menino vestido de azul… ele não gosta de cachorro…
FUN – Calma: falta o carimbo. Falta assinatura. Falta reconhecer a firma.
ELE – Do cachorro?
FUN – Não, a minha.
ELE – A senhora não reconhece a sua firma?
FUNC – Leve assim mesmo, pode ser que o Guarda tenha piedade do senhor. Tome. Leve. (Ele sai correndo)
ELE – Cheguei! Eu vou matar esse cachorro! Cadê o cachorro?
GUARDA – Que cachorro?
ELE – Cadê o bebê?
ELA – Deu uns gritos horríveis, você nem imagina, grito de gente grande.
GUARDA – Ah, agora eu me lembro: o senhor está falando daquele menino que vocês estavam querendo salvar do cachorro?
ELE – Esse mesmo.
ELA – Onde ele está?
GUARDA – O Pitbull comeu.
ELA – Mas agora nós já temos todos os papéis em ordem pra pisar na grama.
GUARDA – Pode jogar no lixo porque não serve mais pra nada. O Pitbull comeu o menino inteiro.
ELA – Comeu? Inteiro?
GUARDA – Pra dizer a verdade, inteiro não: deixou só alguns ossos. Comigo ficou esse osso aqui, mas eu não sei o que fazer com esse osso. (MOSTRA UM FÊMUR). Se quiserem, podem levar como recordação.
ELE – Ele não tinha duas pernas? Cadê o outro fêmur?
GUARDA – A mãe do menino levou como recordação. Leve este.
ELA – Obrigada.
GUARDA – E rasga essa petição. Não serve pra nada.
ELA – Não rasgo, não: eu vou guardar pra qualquer ocasião. Quem sabe, no domingo que vem, um lobo vem aqui pra comer o senhor em cima da grama, e eu vou salvá-lo.
GUARDA – Obrigado.
ELE – O senhor é um ótimo guardião da lei. Guarde a lei, guarde pro senhor! Boa noite!
 
II
Em seguida entra um funcionário, em outro ambiente mais burocrático.
FUNCIONÁRIO – Pois é: isso que o senhor está contando é muito interessante, muito ilustrativo, muito teatro, mas aqui na prestação de contas está escrito que vocês compraram passagens mais caras pela manhã quando, no mesmo dia, havia passagens mais baratas de tarde. Por que é que vocês não compraram das mais baratas?
CTO – Porque o nosso trabalho começava de manhã.
FUNCIONÁRIO – Podiam começar a tarde e vocês varavam à noite.
CTO – Nós trabalhamos com funcionários do Estado, eles têm horários que nós temos que respeitar.
FUNCIONÁRIO – Mas nós temos que respeitar a letra da lei.
CTO – A letra da lei tem espírito: vamos respeitar o espírito.
FUNCIONÁRIO – E tenho que ler o que está escrito, porque o TCU vai ler o que está aqui, não vai ler o espírito.
CTO – O senhor sabe que o nosso trabalho é importante…
FUN – Importantíssimo!
CTO – Em todas as prisões onde nós trabalhamos as relações entre os funcionários e o presos melhorou, diminuiu a violência, todo mundo está contente, quer que o nosso trabalho continue…
FUN – Mas vocês compraram as passagens de manhã que eram mais caras…
CTO – Nós compramos as passagens mais baratas que estavam à venda de tarde…
FUN – E tem outro problema: três pessoas que trabalharam nesse projeto assinaram a Ata de Fundação do Centro.
CTO – Porque acreditam no Teatro do Oprimido e queriam criar um Centro que fizesse o trabalho que estamos fazendo.
FUN – Mas assinaram.
CTO – Se elas não acreditassem, não assinariam.
FUN – Assinando, elas se tornaram inelegíveis para trabalhar no Centro.
CTO – São as únicas pessoas no mundo inteiro que podem realizar esse trabalho.
FUN – Vocês deviam fazer uma licitação.
 
 
 

Registro de projeção na fachada do antigo Dops no lançamento do livro “Hamlet e o filho do padeiro” dia 26 de Abril de 2014, durante o OcupaDOPS.
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Queremos trazer hoje a conhecimento de todos um capítulo do livro Le Jeu du Théâtre – Le Spectateur en dialogue do crítico teatral francês Bernard Dort que teve uma relação muito estreita com Boal, anterior ao tempo de seu exílio na França.

Dort apresenta a sua visão crítica de um espetáculo de Teatro Fórum concebido por Boal  a partir do texto de Brecht A mulher judia. Infelizmente o material não está traduzido para  o Português, mas acreditamos que o debate é interessante e essencial para a prática de Teatro Fórum e por isto o publicamos aqui.

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Foto de Joan M. Dim
Augusto Boal em palestra/demonstração na Universidade de Nova York. O evento era o encerramento de um workshop aos alunos da Tisch School of Arts.
Foto disponível no sistema da Universidade aqui.

Exposição Augusto Boal, panorama sobre vida e obra do autor, diretor, dramaturgo e escritor Augusto Boal (1931-2009). Primeira mostra multimídia a perfilar a trajetória deste carioca da Penha que revolucionou, dentro e fora do Brasil, o teatro no século XX. Momentos históricos como o grupo Teatro de Arena, o musical Opinião, dezenas de encenações, livros e a fundação do Teatro do Oprimido serão apresentados numa síntese da impressionante produção de Boal a partir de 1956.
O panorama, que transita por 60 anos de atividades de Boal, a Exposição Augusto Boal, sob curadoria do cenógrafo Helio Eichbauer, exibe em painéis a linha da vida e obra do artista. Uma edição de vídeos e filmes, organizada pelos filhos de Boal, Fabian e Julian, complementa a mostra.
Após ser apresentada na íntegra no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, sua forma itinerante foi exibida no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, no Centro de Artes da Maré – Ponto de Cultura, e agora chega à Biblioteca Parque Estadual.
No dia 12 de novembro a mostra contará com apresentação do espetáculo Sueño Americano da companhia chilena Corredor Latinoamericano de Teatro. Sueño Americano é uma versão livre de ‘A Vida é sonho’ do dramaturgo e poeta espanhol Pedro Calderón de la Barca, onde vemos um Segismundo não na torre de marfim, mas preso em uma torre de concreto, em um quarto de apartamento, como milhares de apartamentos na capital.
 
De 11 de outubo a 12 de novembro de 2016 – Entrada franca
Exposição, com curadoria e cenografia de Helio Eichbauer, sobre o dramaturgo, ensaísta, professor e diretor de teatro Augusto Boal (1931-2009),
envolvendo seis décadas de história, política e artes cênicas, da ditadura ao processo de redemocratização do país.
SERVIÇO:
Exposição Augusto Boal
Data: 11/10 a 12/11
Local: Biblioteca Parque Estadual
Av. Presidente Vargas, 1261 – Centro, Rio de Janeiro
Informações: faleconosco.bpe@bibliotecasparque.rj.gov.br
Agendamento de visitas de grupos:
agendamento.bpe@bibliotecasparque.rj.gov.br
Horários: de terça a sábado, das 11h às 19h
Evento: Obra de teatro “Sueño Americano”
Descritivo: Sueño Americano é uma versão livre de ‘A Vida é sonho’ do dramaturgo e poeta espanhol Pedro Calderón de la Barca, onde vemos um Segismundo não na torre de marfim, mas preso em uma torre de concreto, em um quarto de apartamento, como milhares de apartamentos na capital.
Data: 12 de novembro
Horário da atividade: 15h – 16h
Local na BPE: Auditório Darcy Ribeiro

Vida e obra de Augusto Boal – Augusto Pinto Boal nasceu em 16 de março de 1931, no bairro carioca da Penha. Formou-se em engenharia química em 1952 e, em 1953, seguiu para Nova York, para fazer o doutorado na Columbia University. Nos Estados Unidos, ingressou na Escola de Dramaturgia da mesma Universidade, realizando estudos com John Gassner. Ao mesmo tempo, assistiu as encenações do Actors Studio de Lee Strasberg. A partir daí a dramaturgia tomou conta de sua vida. Em 1956, quando retornou ao Brasil, Boal foi convidado por José Renato e Sábato Magaldi para integrar a direção do Teatro de Arena de São Paulo, companhia teatral de grande sucesso nas décadas de 1950 e 1960. Interessado na transformação social tendo o teatro como instrumento, Boal criou um Seminário de dramaturgia que funcionava como espaço experimental para discussão de textos que seriam encenados pelo Arena. O primeiro grande sucesso desse período foi Eles não usam Black- Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, dirigido por José Renato, seguido de Chapetuba Futebol Clube, texto de Oduvaldo Viana Filho, dirigido por Boal. Encenaram ainda Gente como a gente, de Roberto Freire, e Fogo frio, de Benedito Ruy Barbosa, ambos dirigidos por Boal, e finalmente, Revolução na América do Sul, texto de sua autoria, dirigido por José Renato.
No inicio da década de 1960, o grupo se debruçou sobre os clássicos tentando imprimir aos textos uma interpretação mais participativa e popular. Datam desse período, sob a direção de Augusto Boal, as montagens de: Mandrágora (1962), texto de Nicolau Maquiavel; O Noviço (1963), de Martins Penna, Um bonde chamado desejo (1963), de Tenesse Williams, O melhor juiz, o rei, de Lopes de Vega; e Tartufo, de Molière, com tradução de Guilherme de Figueiredo, entre outros. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos clássicos, contou com a frequente colaboração de Flávio Império, cenógrafo e figurinista de grande competência.
Com a saída de José Renato, em 1962, e o golpe militar de 1964, Boal e Guarnieri, resolvem repensar a atuação da Companhia, de forma a enfrentar a nova realidade política do país. A experiência de Boal na direção do show Opinião, em 1965, no Rio de Janeiro, também forneceu elementos para traçarem novos caminhos para o Arena. Iniciou-se, nesse momento, a fase dos musicais, conhecida também como fase dos heróis nacionais, que se caracterizou pela introdução de músicas de importantes compositores brasileiros, criadas para o espetáculo, e pela utilização do “sistema Coringa”, método brechtiano que consistia no revezamento dos atores no desempenho de diversos papéis, dispensando um aprofundamento psicológico dos personagens. São desse período as encenações de autoria de Boal e Guarnieri Arena Conta Zumbi (1965); Arena Canta Bahia (1965); e Arena conta Tiradentes (1967); todos com direção de Augusto Boal.
Em 1968, acontece a Primeira Feira Paulista de Opinião, no Teatro Ruth Escobar, organizada por Augusto Boal, a feira foi, sobretudo, uma ato de protesto contra a censura realizada pelo governo militar. Reuniu textos de seis autores: O Líder, de Lauro César Muniz; O Sr. Doutor, de Bráulio Pedroso; Animália, de Gianfrancesco Guarnieri; A receita, de Jorge Andrade; Verde que te quero verde, de Plinio Marcos; e A Lua muito pequena e A caminhada perigosa, de Augusto Boal.
Entre 1969 e 1970, após a assinatura do Ato Institucional nº 5, e com aumento da repressão politica, o Arena decidiu excursionar pelos Estados Unidos, México, Peru e Argentina, reapresentando Arena Zumbi Conta. A Companhia encenou também Arena conta Bolívar, texto e direção de Augusto Boal, cuja exibição havia sido proibida pela censura no Brasil.
De volta ao Brasil, Boal montou, em setembro de 1970, o Teatro Jornal- 1ª edição, que se caracterizava pela improvisação das notícias, pelo elenco, a partir da leitura da imprensa cotidiana da época. Nesse mesmo período, Boal dirigiu A Resistível Ascensão de Arturo Ui, texto de Berthold Brecht, traduzido por Luiz de Lima e Hélio Bloch.
Em fevereiro de 1971, Boal foi preso, torturado e, em seguida, exilou-se em Buenos Aires, onde residiu por cinco anos (1971-1976). Antes passou por Nova York, onde realizou a Feira Latino- Americana de Opinião, pela qual recebeu o prêmio Obie Award (Melhor espetáculo off Brodway) e dirigiu com os alunos da New York University, Torquemada, texto escrito durante seu período na prisão, que denuncia a tortura no país.
Em Buenos Aires, dirigiu um grupo de teatro chamado El Machete, além de ter escrito e encenado O grande acordo internacional de Tio Patinhas, e reapresentado Torquemada e Revolução na América do Sul. Em 1976, mudou-se para Lisboa onde dirigiu o grupo A Barraca encenando, em 1977, A barraca conta Tiradentes. Ainda em Lisboa, concluiu o texto Murro em Ponta de faca, peça que aborda a vida de exilados brasileiros no exterior, apresentada, em 1978, em São Paulo, sob a direção de Paulo José.
Em 1979, Boal foi convidado para lecionar na Université de la Sorbonne – Nouvelle, em Paris, onde cria o CEDITADE – Centre d´Étude et Diffusion des Thecniques Actives d´Expression, posteriormente conhecido como Centre du Theâtre de L´Opprimé- Augusto Boal. No ano seguinte apresentou, junto com o Theâtre de Soleil, Stop C´est magique, sob sua direção, na Cartouchérie de Paris, e, em 1981, recebeu do governo francês a condecoração Officier des Arts et des Lettres.
Durante o período em que residiu em Paris, Boal viajou muito, adaptando e dirigindo peças de autores estrangeiros ou reapresentando textos de sua autoria. Merece destaque, Nada más a Calingasta, de Júlio Cortázar, apresentado no Schauspielhaus, em Graz, na Austria (1981); Das Publikum (O Público), de Frederico Garcia Lorca, em Wuppertal, na Alemanha (1984). Em Paris, dirigiu Erendira, de Gabriel Garcia Marques, no Theâtre National Populaire, com a participação de Marina Vlady.
Em 1985, montou, no Rio de Janeiro, O corsário do Rei, de sua autoria, com música de Edu Lobo e letras de Chico Buarque, e em 1986, dirigiu Fedra, de Jean Racine. Ainda em 1986, retornou definitivamente para o Brasil e, a convite do então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, passa a dirigir a Fábrica do Teatro Popular. Nesse mesmo ano cria o Centro do Teatro do Oprimido – CTO, visando difundir as técnicas do teatro do oprimido, no Brasil.
Em 1992, Augusto Boal foi eleito vereador pelo estado do Rio de Janeiro, pelo Partido dos – Trabalhadores (PT). Dos 33 projetos encaminhados à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, 14 tornaram se leis municipais. Na Câmara, criou o teatro legislativo, no qual seus assessores são ao mesmo tempo “coringas” do Teatro dos Oprimidos. Nesse período, formou 50 grupos de teatro que atuavam em favelas, sindicatos e igrejas.
No final do século XX, Boal iniciou uma experiência de abordagem de óperas tradicionais, utilizando ritmos brasileiros, denominada por ele de sambóperas. Em 1999 estreou Carmem, de Bizet, escrita em parceria com Celso Branco, e em 2001, realizou uma nova experiência com La traviata, também em parceria com Celso Branco, e com direção musical de Jayme Vignolli.
Escreveu duas comédias, em 1998, que foram encenadas na primeira década do século XXI: Amigo oculto, que estreou em 2000, no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, sob a direção de Marília Pera; e A herança maldita, montada pelo grupo A barraca, em Portugal, sob a direção de Helder Costa.
Pouco antes de sua morte, Boal foi nomeado pela Unesco, “Embaixador do Teatro”. É autor de diversos livros em vários idiomas, além de ter colecionado títulos e honrarias durante sua trajetória. Na década final de sua vida, dedicou-se quase que completamente ao teatro do oprimido, dirigindo oficinas, publicando livros e realizando palestras no Brasil e no exterior. Faleceu em 2 de maio de 2009, no Rio de Janeiro.

Matéria da jornalista Eduarda Uzêda para o jornal A Tarde em 3/10/2016.
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Em 1997 Augusto Boal escreve carta endereçada ao International Brecht Society discutindo pontos importantes de sua leitura e compreensão do trabalho do dramaturgo alemão.

Esta carta, inédita, foi lida por Cecília Boal no Seminário “Que tempos são esses”, realizado no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) em 2016.

O Instituto Augusto Boal traduziu a carta e a coloca aqui a disposição:

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1997

Caro Marc Silberman,

Lamento não ter mais tempo para escrever mais longamente sobre Bertolt Brecht, como você me pediu . Mas este tem sido um ano particularmente difícil para mim, com muitas viagens ao redor do mundo, muitas oficinas, muitas palestras e demonstrações, além do meu trabalho contínuo aqui no meu próprio país no “Teatro Legislativo” – já conseguimos promulgar 13 leis municipais que surgiram das nossas intervenções com Teatro Fórum. O desejo tornou-se lei!!!

Brecht está e esteve ligado ao meu trabalho em muitos momentos da minha vida, e em muitos aspectos importantes.

Curiosamente, eu comecei a minha carreira profissional como diretor de teatro no mesmo ano (e quase no mesmo mês) em que ele morreu. A primeira das suas peças que dirigi foi “A Exceção e a Regra”, com os trabalhadores de uma organização sindical que não eram atores profissionais – e desde então, tenho trabalhado muitas vezes com não-atores, além de meu trabalho profissional com atores profissionais nos teatros oficiais.

O segundo, “A ascensão resistível de Arturo Ui”, foi a última peça que eu dirigi no Brasil antes de ser preso e mais tarde forçado ao exílio. Nós não podíamos produzir nossas próprias peças sobre o nosso próprio país e Brecht era um nome suficientemente prestigioso como para obrigar a censura à permitir que suas peças fossem encenadas. Queríamos denunciar o que estava acontecendo no Brasil e “Ui” era perfeito para esse efeito. Eu estava saindo do teatro uma noite, depois de um ensaio , quando fui sequestrado pela polícia secreta. A ascensão de nossos próprios Arturos era resistível, mas naquela época nós não conseguimos resistir …

Quando eu estava exilado na Argentina, lembrei de um de seus poemas em que uma velha vai a um supermercado, pega tudo o que precisa (pão, queijo, manteiga …) e, sabendo que ela não tem dinheiro para pagar essas mercadorias, coloca tudo de volta nas prateleiras dizendo, que afinal , ela não precisa de nada. O poema continua e o poeta sugere que ela não deveria ter feito isso: ao contrário, ela deveria ter ido até o caixa e exposto o seu problema – ela não tinha trabalho, não tinha nenhuma pensão, tinha apenas fome e precisava comer. O que poderia ser feito?

Esse poema nos inspirou e , na Bélgica, encenamos a mesma situação usando a técnica do “teatro invisível” – um jovem ator desempenhou o papel de um jovem desempregado enquanto outros atores ficavam em pé na fila com as suas próprias compras discutindo com o protagonista e com os outros clientes, que não sabiam que era “teatro invisível”.

E é claro , todas as pessoas no supermercado participaram intensamente na discussão sobre o desemprego, os salários, a fome… Sem saber que era teatro.

Muitos anos depois, quando eu estava vivendo em Paris onde criei meu primeiro “Centro de Teatro do Oprimido”, estávamos preparando um espetáculo para um festival de peças de Teatro Fórum , que são em geral peças curtas. Neste tipo de teatro, o espectador torna-se espect-ator , a peça ou modelo é apresentada uma primeira vez, e na segunda vez ele ou ela podem intervir e improvisar suas próprias soluções e alternativas. Queríamos apresentar peças de autores conhecidos preocupados com questões políticas e sociais e, é claro, eu me lembrei de Brecht, da sua peça “Aquele que diz sim e   aquele que diz não ” que também mostra que as soluções têm que ser encontradas . Mas, ao invés disso, nós fizemos “A esposa judia” exatamente como Brecht a tinha escrito, acrescentando apenas a presença em cena de todos os personagens com quem a protagonista fala no telefone. Na primeira apresentação, os personagens ficavam mudos, mas, a partir da segunda vez , ou seja da repetição do modelo, os espect-atores que desejavam substituir a esposa tinham o direito de improvisar com eles.

Utilizamos esta peça escrita na Alemanha antes da guerra, para discutir o racismo na França, muitas décadas depois.

Além destas utilizações práticas de Brecht ele funciona na teoria e ele influenciou muitas das minhas primeiras peças dos anos 50 e do início dos anos 60. Foi quando ele e Stanislavsky foram minhas principais fontes de inspiração teatral.

Desejo que o seu livro seja extremamente útil para todos os leitores IT’S.

Muito sinceramente,

Augusto Boal

Créditos: International Brecht Institute