Dia 31 de outubro aconteceu no Paco Urondo Centro Cultural em Buenos Aires o encontro sobre as poéticas de Bertolt Brecht e Augusto Boal no ciclo de debates “Hacer teatro, hacer política”. Cora Farenstein, coordenadora da área de Teatro do Oprimido, contou para nós como foi a experiência:
El ciclo “Hacer teatro, hacer política” es organizado por el Centro Cultural Paco Urondo y por el Área de investigaciones en Teatro del Oprimido y Poéticas Políticas del Instituto de Artes del Espectáculo “Dr Raúl H Castagnino”, institución dedicada a la investigación teatral, dependiente de la Universidad de Buenos Aires.
Desde nuestra área tenemos como objetivo realizar investigaciones, recoger experiencias y fomentar actividades alrededor del teatro y la política. Si bien nuestro eje es el Teatro del Oprimido, trabajamos con otras poéticas que explicitan un punto de vista político, tanto en las temáticas que abordan como en las condiciones en las que estos acontecimientos teatrales se producen.
Desde que comenzamos a pensar este ciclo, nos propusimos generar un espacio vivo, que habilite múltiples formas de hacer y de pensar, que nos permita pensar con el cuerpo y hacer con la cabeza, y que genere, en estos tiempos tan necesarios, la posibilidad de producir nuevos sentidos que nos empujen a implicarnos y participar. El arte es nuestra vía principal.
El primer encuentro del ciclo, realizado el día 31 de octubre, tuvo como eje central comparar las poéticas de Augusto Boal y Betolt Brecht, basándonos en el lugar que ambos le dan al rol del espectador, y preguntándonos sobre los aportes hacia adentro y hacia afuera del campo teatral. Compartimos reflexiones y experiencias con Julieta Grinspan y Andrés Lóez Garraza, ambos artistas e investigadres de Brecht y Boal. Nuestro propósito con este ciclo no es organizar charlas o encuentros en donde algunos hablan y otros escuchan, sino que, basándonos en los principios de Boal, queremos generar encuentros en donde circulen los saberes y todas las personas que participan aporten sus ideas.
Al intercambio de reflexiones y algunos conceptos siguieron una serie de ejercicios en donde dinamizamos y profundizamos con el cuerpo las discusiones que se generaron al principio del encuentro.
Participamos alrededor de 25 personas que a lo largo de dos horas produjimos un encuentro enriquecedor con acuerdos, diferencias y preguntas que seguiremos trabajando en las próximas ediciones.”
“Arena conta Zumbi” foi encenado pela primeira vez em 1965. Escrito por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo, direção de Augusto Boal e direção musical de Carlos Castilho, estreou no Teatro de Arena de São Paulo em 1º de maio de 1965.
Em “Hamlet e o filho do padeiro”, Augusto Boal fala sobre “Arena conta Zumbi”:
“Em Zumbi, outra vez, a metáfora. Usamos a República Negra formada por escravos que se libertavam – os capturados ainda escravos, escravos permaneciam em Palmares, que ocupava superfície maior que a Península Ibérica. Palmares se desenvolveu por um século no nordeste do país até ser destruído por uma coligação de portugueses e holandeses, quando o seu poder comercial ameaçava a hegemonia branca. Palmares resistiu até o último homem. Numância.
Queríamos resistir.
O texto usava jornais. Um discurso do comandante analfabeto, Don Ayres, destruidor de Palmares, foi copiado ipsis litteris do ditador Castelo Branco falando ao Terceiro Exército: nosso exército se converteria em gigantesca política, o verdadeiro inimigo (nós!) estando dentro e não fora das nossas fronteiras.”

Na foto: Marília Medalha, Anthero de Oliveira, Chant Dessian, Vanya Sant’Anna, Gianfrancesco Guarnieri, Dina Sfat e Lima Duarte (de costas) em cena de “Arena conta Zumbi” no Teatro de Arena de São Paulo, 1965. Foto de Derly Marques disponível em nosso acervo online: http://www.acervoaugustoboal.com.br/
Em 1972 Augusto Boal dirige na St Clemment´s Church em Nova York, a Feira Latino-americana de Opinião, produzida pelo TOLA (Theatre of Latin America) e baseada na Feira Paulista de Opinião criada pelo Teatro de Arena em 1968.
Objetivo principal das Feiras organizadas por Boal era que se reunissem vários pensadores de esquerda para que juntos elaborassem saídas para as situações de repressão vividas pelos países da América Latina.
A peça “Animalia”, escrita e dirigida por Gianfrancesco Guarnieri, foi apresentada em ambas as Feiras. O tema principal da narrativa é a influência dos meios de comunicação e como a indústria cultural colabora com a alienação de massas. São representados diferentes grupos sociais e fica evidente a fragmentação da esquerda no Brasil durante a ditadura militar. Guarnieri utiliza a metáfora e a alegoria, recursos que serão largamente explorados em sua trajetória como dramaturgo.

Atores em cena de “Animalia” na Primeira Feira Paulista de Opinião (1968). Foto de Derly Marques disponível em nosso Banco de Dados online: http://www.acervoaugustoboal.com.br/
Renato Consorte, que ontem completaria 93 anos, atuou na apresentação de “Animália”, na Primeira Feira Paulista de Opinião. Consorte iniciou sua trajetória com o Teatro de Arena no espetáculo “Arena conta Tiradentes” e em seguida, atuou em diversos trabalhos do grupo, sendo um importante integrante.

Renato Consorte em cena de “Animalia” (1968). Foto de Derly Marques disponível em nosso Banco de Dados online: http://www.acervoaugustoboal.com.br/
Em 2016, participei da montagem, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, da exposição Meus caros amigos – Augusto Boal – Cartas do exílio,[1] que pretendia divulgar a atividade incansável do dramaturgo no período em que fora obrigado a viver fora do Brasil pelo regime imposto por um golpe militar – ameaça que, com profunda consternação, ronda mais uma vez o país. A seleção do material que integraria a exposição, feita na casa de Cecilia, diretora do Instituto Augusto Boal, foi realmente desafiadora, dada a quantidade e qualidade dos documentos que compõem o Acervo do IAB e o espaço restrito da Pequena Galeria do IMS/RJ.
Foram dias de reunião, leituras e conversas, fotos e datas, cartas e cafés, e o mar a invadir a sala, muita luz, vozes na praia e música ao cair da tarde. Em uma dessas tardes, descobrimos um delicioso bilhete do Boal para Cecilia, bilhete sobre o qual nunca escrevi, embora fosse meu preferido. Simples, curto, forte porque simples e curto, tanto em tão poucas linhas. Dizia assim: “Cecilia/ Hoje pensei em você./ P.S. – O dia todo”.

Ficamos, todos os envolvidos na exposição, fascinados. Cecilia não queria expô-lo. Estava, claro, no seu direito de guardar uma memória. Eu, por outro lado, pensava no gesto. Tão (ou mais) bonito quanto o que estava escrito. Ele, em San Juan, México; ela, no Rio. Entre os dois, uma breve pausa nos compromissos para escrever palavras de saudade, de cuidado, de amor. Um gesto de amor. Ou do amor: “O amor implica a regeneração permanente do amor nascente”, diz o Morin em Amor poesia sabedoria.
Volto às memórias imaginadas do Boal.[2] Volto à primeira vez que o nome de Cecilia aparece. É uma referência ao Arena: “O mesmo aconteceu com Arena conta Tiradentes, mesmos autores, música de Gil, Caetano, Theo de Barros e Sidney Miller, e Arena conta Bolívar, texto meu e música de Theo, com Lima Duarte, Zezé Motta, Isabel Ribeiro, Cecilia Thumin, Renato Consorte, Hélio Ary…” Sigo adiante e, de segunda, encontro o que procurava: “Durante o Inspetor, fui convidado a dirigir em Buenos Aires, Teatro IFT. Escolhi O melhor juiz: engraçado traduzir nosso texto para o estilo de Lope. Segunda peça, A mandrágora. Não aprendi nada de novo e pouco ensinei; de novo e importante, vim de Buenos Aires com Cecilia Thumin, como esposa, e Fabián Silbert, meu filho”.
Nenhum detalhe do encontro, mas destacada sua importância. A discrição dá ainda mais sentido às poucas linhas do bilhete, que, apesar disso, ou por isso, têm, talvez, tudo quanto se poderia dizer. São elas que, revisitadas por acaso, me levam hoje a escrever esse texto como um gesto de carinho por quem, tão incansável quanto o Boal, o faz sempre presente num país pouco afeito à preservação do seu patrimônio cultural. A persistência de Cecilia, seu empenho, como o de Julian, filho do casal, em, de certa forma, dar continuidade ao trabalho de Boal – que requer constante reflexão sobre a potência crítica e interventora do teatro político – é, por si só, um modo de mantê-lo vivo no Brasil e no mundo. O Boal e o seu pensamento.
É outubro, comemoremos setembro, 27. A Cecilia, com carinho.
[1] A exposição encerrou este mês no Museu do Aljube, em Lisboa.
[2] A autobiografia Hamlet e o filho do padeiro: memórias imaginadas.