Augusto Boal

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Como prometido vamos publicar  agora o texto de Julian Boal na sua tradução em português. É um texto que consideramos muito importante pelo foco na função do curinga,  essencial para o Teatro Fórum. Para além dos seus aspectos teóricos este texto oferece algumas “dicas” bem práticas para todos os que exercem ou pretendem exercer essa função.

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Elementos de reflexão a respeito do ” curinga »

*por Julian Boal

Este texto tem como único objetivo trazer uma contribuição teórica e prática sobre o papel do “curinga “. Esta função é a única realmente nova dentro do Teatro Fórum, razão pela qual encontramos poucos textos  que a descrevam ou a comentem.
O trabalho presente, embora de nenhum modo pretenda ser exaustivo, visa a acrescentar elementos para a sua  compreensão.
A afirmação de que o Teatro Fórum não representa uma nova página na história do teatro é, a meu ver, regularmente provada pelo fato de que diversos grupos no mundo realizaram espetáculos de Teatro Fórum – e continuam a fazê-lo – utilizando textos dramáticos originariamente não concebidos para esse tipo de representação. O pioneiro foi o próprio Augusto Boal, ao”forumisar” A Mulher Judia, texto de Brecht que faz parte da peça Terror e Misérias do Terceiro Reich. Há alguns meses, Adrian Jackson apresentou Woyzeck sob forma de fórum, em Londres, e tenho notícias de experiência similar realizada, na Croácia, com Antígona.
Não interessa, aqui, discutir se essas experiências fazem ou não sentido, nem mesmo se elas tiveram sucesso. Basta constatar que a figura do curinga foi essencial para que essas peças se transformassem em Fórum, já que todos os outros elementos já faziam parte delas.
Portanto, é normal que muitos praticantes do Teatro do Oprimido, ou pessoas que aspiram a esse papel, se interroguem sobre este recém chegado.
Responderei tendo como base as experiências que testemunhei e as discussões das quais participei. Em primeiro lugar, vou discorrer sobre o que eu próprio acredito ser a função essencial do curinga para, em seguida, falar das astúcias às quais recorrem curingas que encontrei em diferentes partes do mundo.
A função do curinga é difícil porque ela cristaliza todos os elementos do Fórum. O Fórum ideal é teatro, festa, assembleia geral, ato de solidariedade, espaço de discussões e de tomadas de decisão, uma imagem de uma sociedade ideal, cujos membros não seriam expostos a relações de força e, por isso mesmo, capazes de se reinventar. O Fórum ideal é igualmente um meio de tentar alcançar essa sociedade, é uma carta aberta ao Poder e igualmente uma ameaça, porque sempre pode ser o esboço de uma conspiração contra esse mesmo Poder.
Não é de se admirar que, devendo não apenas assumir mas tornar visíveis tantos parâmetros, o curinga seja uma função de difícil compreensão. No entanto, eu creio que os dois parâmetros que verdadeiramente devem servir de linha diretriz ao curinga, não são os que nomeei anteriormente mas sim o respeito à palavra de cada um e o esforço para que todos os presentes na sala de representação participem ativamente do espetáculo.
Do meu ponto de vista, estamos diante de uma contradição. O respeito absoluto à palavra de cada um poderia cansar o resto da audiência, e isto levar à passividade, à indiferença, ao mutismo. Tentar que a sala sempre seja “ativa” poderia conduzir o curinga a se transformar em um animador de auditório, alguém tentando a todo custo “esquentar” os participantes com piadas, saltando de situação em situação, impedindo assim toda capacidade de reflexão por parte dos espect-atores.
A única forma de resolver esse paradoxo é assumi-lo plenamente, enfrentá-lo, e tentar fazer com que esses dois polos contraditórios coabitem. Esses dois elementos são necessários e imprescindíveis. O respeito à palavra de cada um é o elemento necessário para que o espect-ator adquira confiança para subir na cena, oferecer as suas palavras e os seus gestos para todos os assistentes e também para os outros atores e o curinga.  O que ele dirá poderá ser discutido, criticado, porém, jamais julgado.
O curinga poderá interrompê-lo, sempre e quando a situação cesse de evoluir, quando o elemento imprevisível de que esse espect-ator foi portador se estagne numa relação de forças que lhe seja desfavorável e que ele não consiga superar. Outras razões podem justificar a interrupção de sua intervenção: se ele usa de violência, se o que diz ou faz é absolutamente incompatível com o papel que assume. Mas essa interrupção deverá, ela também, ser respeitosa.
O curinga pode, por exemplo, perguntar se ele acredita ter terminado, se tem alguma coisa a acrescentar.
Penso ser uma concepção restritiva a de considerar que a única forma possível de ativar um espect-ator é de fazê-lo subir à cena. Mais, se essa concepção fosse justa, seria triste para o Teatro Fórum. Suponhamos, por exemplo, um espetáculo representado diante de 50 pessoas. Sabemos que apenas 5 ou 10 dessas pessoas intervirão. O que pensar das outras 40, 50 pessoas?
Estariam inertes? Acreditar que somente os que sobem à cena se liberam de sua condição de passividade e falta de senso critico, seria desprezar todas as outras formas de Teatro, sociais, políticas ou militantes. Representaria igualmente uma re-sacralização da cena, pelo fato de lhe conferir, e somente a ela, a capacidade liberatória.
O curinga deve procurar que todos participem. Deve estimular as pessoas, fazendo-as pensar. Deve ser um espelho de seus pensamentos, devolvendo à assembleia o que cada um lhe disse. Deve ser como Platão definia Sócrates, “uma mutuca incrustada nas costas da sociedade”. Ele deve incomodá-las, por tentar colocá-las em estado de criatividade, de discussão, de modo que se distanciem de seus esquemas habituais de pensamento, fazendo com que suas opiniões quotidianas lhes pareçam subitamente como estrangeiras. Ele deve procurar conseguir que opiniões contrárias emitidas pela assembleia não suscitem o ressurgimento de preconceitos mas, ao contrário, que levem à reflexão e à possível superação desses preconceitos.
Assisti uma vez, numa prisão para mulheres do Brasil,  um espetáculo de Teatro Fórum sobre o AIDS. Um dos nós do conflito, sobre o qual os espect-atores eram convidados a assumir o papel do protagonista, era uma cena em que o patrão de uma empresa exigia de um candidato a emprego, que esse fizesse testes de saúde, entre os quais o de AIDS, sendo que o patrão teria o direito de conhecer o resultado dos testes. Na sala as opiniões se dividiram, algumas presas achavam normal que o patrão quisesse saber se seus empregados eram ou não soropositivos. Num dado momento, desde o lugar onde ela se encontrava, uma das prisioneiras começou a falar dos preconceitos que sofriam os soropositivos. Ela se declarou soropositiva, contou, de modo comovente, sua vivência de discriminação, e foi aplaudida pela audiência. Naquele lugar, uma prisão brasileira normal, onde as condições são tão atrozes que os prisioneiros se veem constrangidos a revestir as máscaras da violência e da animalidade como única forma de preservar um mínimo de privacidade, essa prisioneira conseguiu criar, ainda que por um pequeno instante, uma relação de outra ordem. Desta forma, as outras prisioneiras puderam lhe manifestar sua solidariedade.
O curinga deveria tê-la interrompido? Ou então autorizá-la a falar sob a estrita condição de que subisse à cena? Não creio. Se tudo é Teatro, reconheçamos então que o que vem da plateia tem um valor que não deveríamos desconhecer nem subestimar.
Algumas “astúcias” práticas

O curinga perfeito, em termos absolutos, não existe. Existem, sim, curingas perfeitos sob condições precisas. Claro que não se “curinga” do mesmo modo sempre, isso depende do número de pessoas presentes. O curinga deverá responder às situações concretas nas quais se encontrem os espect-atores: um público superexcitado ou, ao contrario, apático; um público unido por uma luta comum ou, ao contrario, atomizado; um público frágil ou um forte;  opressores estando presentes na sala ou não.
A imagem mais apropriada para o Teatro do Oprimido, e para o Teatro social, político, e mesmo para a educação em geral,  não é a de uma cadeia de montanhas, ou seja, não se pode simplesmente colocar uma pessoa num ponto de uma cadeia esperando, no final, obter tal ou qual resultado (a confiança, a tolerância, o respeito…). Nós evoluímos em situações diversas e variadas,  e devemos reagir face a essas diversidades.
É por isso que o curinga não pode se munir de dogmas, apenas de “astúcias”.
. Para saber se o público continua interessado na intervenção:
Após um certo tempo do início da intervenção, o curinga pode se aproximar aos poucos do lugar onde se passa a ação. Se, ao mesmo tempo em que ele se aproxima lentamente,  o público começa a olhar mais para ele do que para espect-ator, é sinal de que espera que ele faça alguma coisa, que ele intervenha. Se o público continua a olhar o espect-ator, então é, pelo contrário, sinal de que seguem interessados na intervenção e querem continuar para ver quais serão as consequências daquela ação.
·    Para “esquentar” a sala antes do espetáculo:
Explicar do modo mais simples e mais claro as regras do jogo.
–     Propor alguns jogos simples: de início os que possam se efetuar
sentados (o círculo e a cruz, John e Paul, etc.) e então, se o público for receptivo, pedir-lhes que se levantem para fazer exercícios mais físicos.
·    Para “esquentar” a sala logo depois da apresentacao do modelo  e
antes do começo das intervenções:
–    Pedir a todos os atores que se apresentem em linha. O público deverá dizer como viu tal ou tal personagem (por exemplo: “covarde”, “preguiçoso”, “mas com um bom coração”). O ator, assim mencionado, deverá então realizar com o seu corpo uma imagem fixa onde, sempre que possível, estarão presentes as características descritas pela sala (no exemplo dado, a estátua de um covarde com o coração de ouro, mas um tanto preguiçoso) .
–    Pedir à sala que se divida em pequenos grupos a fim de discutir o que viram, começando a refletir sobre as possíveis intervenções.
·    Para encorajar o público a subir à cena:
–    Durante a segunda apresentação do modelo, momento do Fórum, o curinga deve se posicionar de modo que todos os presentes lhe vejam. Se os assistentes demorar a reagir, ele pode se locomover no espaço que separa a sala da cena, olhando para eles, de modo a lembrá-los que se espera algo deles, que eles devem reagir; ele poderá inclusive falar com a audiência, provocá-la um pouco: ” até aqui, para vocês, tudo está perfeitamente normal; se essa história acontecesse com vocês, vocês agiriam exatamente da mesma
forma… “, etc
Com isso, o curinga terá a oportunidade de conhecer melhor os membros da assistência, e de localizar aquele que se inquieta em sua cadeira, mas ainda não ousa dizer “stop”. Quando começar uma intervenção, o curinga deverá se colocar em situação menos visível : o espect-ator que subiu à cena quer mostrar sua alternativa e o resto do presentes quer vê-la; nesse momento da ação, o curinga não deve ser uma interferência.
–    Interromper a ação e fazer perguntas aos espect-atores: “você realmente acredita que o personagem não tinha nenhuma outra opção?  Você acredita que o personagem adotou uma boa estratégia para obter o que queria?”, e assim por diante, tentando criar uma discussão da qual emergirão várias proposições ou alternativas.
–    Se um espect-ator começa a falar da sua cadeira e resiste em subir à cena, o curinga pode pedir ao público que o aplauda, para encorajá-lo.
·   Para fazer com que o conjunto dos presentes se ativem:
–    Estimular os assistentes , para que todas as intervenções, quando
terminadas, sejam comentadas. Esse debate os estimulará e encorajará a subir à cena numa outra oportunidade. Tentar, igualmente, impedir que o debate se organize em torno de questões de valor, tipo “foi uma boa intervenção?”.
–    Jamais entrar numa conversa de tipo particular com um membro da assistência. Se um espect-ator lhe fizer uma pergunta ou um comentário pessoal, o curinga deve se afastar dele de modo a obrigá-lo a falar mais alto. Se ainda assim o resto dos espect-atores  não ouvir a pergunta ou comentário, o curinga poderá repetir para os otros  o que ele disse, reformulando suas palavras ou não.
–    O curinga pode , igualmente , expor seu ponto de vista, sempre deixando claro de que se trata de UM ponto de vista, e não da única interpretação autorizada. Deve, em seguida, perguntar aos assistentes o que pensam de sua opinião, e aceitar a crítica da audiência.
·    Alguns conselhos suplementares:
–   Quanto mais tímida for a pessoa que assumir a função do curinga , mais os assistentes  vao se concentrar nela , e menos, portanto, na função que desempenha. Pode parecer um paradoxo, mas quanto mais  claros e expressivos somos , menos nos expomos enquanto indivíduos.
–    Uma sessão de Teatro Fórum deve terminar antes que os espect-atores se sintam saciados. Se os expusermos a intervenções e discussões sem fim, eles retornarão à passividade que justamente queríamos combater. O que importa é que as transgressões ousadas em cena se realizem igualmente na vida. Para tanto, devemos estimular e motivar os participantes, e não torná-los apáticos. É necessário que eles possam conservar, depois de deixar o teatro,
o mesmo desejo de intervir, de transformar.
Se o meu texto acaba aqui, a reflexão sobre o curinga,  ela,  deve continuar.

por Rosa Luisa Márques

Rosa Luisa es una teatrera puertorriqueña , amiga y cúmplice de Augusto Boal desde siempre. Miembro del Consejo del Instituto Augusto Boal inaugura esta nueva sección con un pequeño texto muy bonito.
B(o)aladas del Bien Estar
Luego supe que era candil de la calle y oscuridad de la casa. Una oscuridad suave y profunda que se sumergía en la brillantez de la pantalla electrónica para escribir sus libros, conectarse al mundo antes y después de sus viajes gulliverescos e inventar proyectos; que iluminaba tenuemente la casa donde masticaba golosamente el sabroso pollo de la cocina de María José junto a Cecilia, Julián, Fabián, mientras saboreaba una copa de vino tinto, claro está.
Pero en la calle era brillante y enorme, una bola de fuego creador. Cuando lo conocí, en el O’Neill Center en Connetict en1979, me hipnotizó con su energía positiva y contagiosa. Me fui a ser su aprendiz en París como si me fuese con el circo. París y Boal y el Teatro del Oprimido. El Teatro del Oprimido, París y Boal. Qué mas podía una teatrera puertorriqueña.
Desde aquí escribiré algunas notas sobre el teatro, honrando su memoria y agradeciendo todo lo que todavía me ofrece desde el Jardín dela Otra Orillaen donde todavía sueña y nos hacer soñar.
Hasta la próxima…                                                     Rosa Luisa Márquez
11-11-11, San Juan
 
Este é um novo texto de Rosa Luisa Márquez
Es época navideña y mientras en México se representan pastorelas y retablos para conmemorar el nacimiento del niño Jesús y la llegada de los pastores, en Nueva York y Puerto Rico se vuelven a montar versiones del ballet El cascanueces salpicadas de nieve, en Chicago se muestra como todos los años, el clásico de Dickens, A Christmas Carol(Canción de Navidad) en el Teatro Goodman.
El Teatro Goodman es la sede de una de las pocas compañías profesionales de repertorio que existen en los Estados Unidos. Allí, un grupo estable de actores se da a la tarea de representar obras tradicionales y contemporáneas del patrimonio teatral. A veces lo logran con mucha calidad y a veces no.
El reciente montaje de Canción de Navidad fue chato y falto de imaginación. Parecía una estampa del teatro mas conservador del siglo diecinueve, con cables para volar al Espíritu de la Navidad del pasado, escarcha para detener las escenas controladas por el Espíritu de la Navidad del presente y pequeñas explosiones para las apariciones de los fantasmas y del Espírtu de la Navidad del futuro. Todo predecible para un público que aplaudió entusiasta los mensajes de generosidad y desprendimiento a los que apunta la obra, mientras se enfrenta en la calle a los desamparados que padecen todavía de hambre y frío y los cuales permanecen ausentes de este montaje detenido en el tiempo.
La compañía realizó el año pasado una interesante interpretación de La gaviota de Antón Chéjov hecha en un escenario abierto en el cual los actores esperaban sentados en el fondo a la vista del público, antes de convertirse en personajes para entrar a escena. Parecía como si el tipo de teatro muerto del que habla el protagonista Konstantin Gavrilovich hubiera sido interpelado con un montaje vital y minimalista por el director.
A pesar de los aciertos de La gaviota, un espectáculo nos conmovió mas. Con el título de Feast, el Albany Park Theatre Project, compuesto por un grupo de adolescentes de un barrio multiétnico de Chicago, presentó un potpurrí de historias sobre el tema de la comida. Los chicos, que luego de tomar clases regulares van a este centro teatral a adiestrarse, tomar talleres, escribir y montar obras de teatro pertinentes a su entorno, hicieron entrevistas a sus padres y vecinos sobre anécdotas relacionadas con la preparación y venta de alimentos, los rituales culturales asociados con el comer y las memorias familiares vinculadas al paladar. Jóvenes de extracción india, representaban a puertorriqueños, colombianos a mexicanos… para relatar aventuras tristes y divertidas de los pobladores internacionales que componen la ciudad. El melting pot americano se llenó de sazones verdaderamente sabrosas; una olla podrida, un sancocho, una fejoada deliciosa con sabores y saberes verdaderamente significativos contados, cantados y bailados por un conjunto de teatreros pendientes al pulso de la comunidad. Ahora se preparan para escribir y montar su siguiente obra sobre el tema de la inmigración y los indocumentados.
Entre el Teatro Goodman y APTP hay un abismo, la diferencia entre el teatro muerto y el teatro inmediato que describe Peter Brook en El espacio vacío. El teatro  de los chicos tiene mejor sabor. Estoy segura de que Boal lo hubiera disfrutado hasta chuparse los dedos.
Rosa Luisa Márquez
Chicago, 1ero de diciembre de 2011

Companheiro Boal,

A ti sempre estimaremos por nos ter ensinado que só aprende quem ensina. Tua luta, tua consciência política, tua solidariedade com a classe trabalhadora é mais que exemplo para nós, companheiro, é uma obra didática, como tantas que escreveu. Aprendemos contigo que os bons combatentes se forjam na luta.

Quando ingressou no coletivo do Teatro de Arena, soube dar expressão combativa ao anseio daqueles que queriam dar a ver o Brasil popular, o povo brasileiro. Sem temor, nacionalizou obras universais, formou dramaturgos e atores, e escreveu algumas das peças mais críticas de nosso teatro, como Revolução na América do Sul (1961). Colaborou com a criação e expansão pelo Brasil dos Centros Populares de Cultura (CPC), e as ações do Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco.

Mostrou para a classe trabalhadora que o teatro pode ser uma arma revolucionária a serviço da emancipação humana.

Aprendeu, no contato direto com os combatentes das Ligas Camponesas, que só o teatro não faz revolução. Quantas vezes contou nos teus livros e em nossos encontros de teu aprendizado com Virgílio, o líder camponês que te fez observar que na luta de classes todos tem que correr o mesmo risco.

Generoso, expôs sempre por meio dos relatos de suas histórias, seu método de aprendizado: aprender com os obstáculos, criar na dificuldade, sem jamais parar a luta.

Na ditadura, foi preso, torturado e exilado. No contra-ataque, desenvolveu o Teatro do Oprimido, com diversas táticas de combate e educação por meio do teatro, que hoje fazemos uso em nossas escolas do campo, em nossos acampamentos e assentamentos, e no trabalho de formação política que desenvolvemos com as comunidades de periferia urbana.

Poucas pessoas no Brasil atravessaram décadas a fio sem mudar de posição política, sem abrandar o discurso, sem fazer concessões, sem jogar na lata de lixo da história a experiência revolucionária que se forjou no teatro brasileiro até seu esmagamento pela burguesia nacional e os militares, com o golpe militar de 1964.

Aprendemos contigo que podemos nos divertir e aprender ao mesmo tempo, que podemos fazer política enquanto fazemos teatro, e fazer teatro enquanto fazemos política.

Poucos artistas souberam evitar o poder sedutor dos monopólios da mídia, mesmo quando passaram por dificuldades financeiras. Você, companheiro, não se vergou, não se vendeu, não se calou.

Aprendemos contigo que um revolucionário deve lutar contra todas, absolutamente todas as formas de opressão. Contemporâneo de Che Guevara, soube como ninguém multiplicar o legado de que é preciso se indignar contra todo tipo de injustiça.

Poucos atacaram com tanta radicalidade as criminosas leis de incentivo fiscal para o financiamento da cultura brasileira. Você, companheiro, não se deixou seduzir pelos privilégios dos artistas renomados. Nos ensinou a mirar nos alvos certeiros.

Incansável, meio século depois de teus primeiros combates, propôs ao MST a formação  de multiplicadores teatrais em nosso meio. Em 2001 criamos contigo, e com os demais companheiros e companheiras do Centro do Teatro do Oprimido, a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré.  Você que na década de 1960 aprendeu com Virgílio que não basta o teatro dizer ao povo o que fazer, soube transferir os meios de produção da linguagem teatral para que nós, camponeses, façamos nosso próprio teatro, e por meio dele possamos discutir nossos problemas e formular estratégias coletivas para a transformação social.

Nós, trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra de todo o Brasil, como parte dos seres humanos oprimidos pelo sistema que você e nós tanto combatemos, lhes rendemos homenagem, e reforçamos o compromisso de seguir combatendo em todas as trincheiras. No que depender de nós, tua vida e tua luta não será esquecida e transformada em mercadoria.

O teatro mundial perde um mestre, o Brasil perde um lutador, e o MST um companheiro. Nos solidarizamos com a família nesse momento difícil, e com todos e todas praticantes de Teatro do Oprimido do mundo.

Dos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

02 de maio de 2009

No dia 19 de Novembro de 2011 visitamos a Escola Florestan Fernandes onde foi plantada uma árvore em homenagem a Boal

Joao Pedro Stédile pegando na enxada


Maria Rita Kehl, vice presidente do Instituto Boal, também participou da cerimônia

Vera Vital Brasil, membro do nosso Conselho Consultivo recomenda a leitura:

Esta entrevista com o Chomsky numa conversa com os “ocupantes” em Boston é muito interessante e aponta para a necessidade do fortalecimento dos movimentos socais no enfrentamento da crise. Sua maneira de abordar a problemática atual é clara, direta e inteligente.

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             Chomsky debate futuro dos novos movimentos

Tradução: Daniela Frabasile

Três meses depois de iniciado em Nova York, o movimento das ocupações de praças, nos Estados Unidos, continua mobilizado e capaz de produzir surpresas. Espalhou-se por dezenas de cidades. Enfrenta agora, além de investidas pontuais da polícia, o avanço do inverno. Mas além de organizar, esporadicamente, enormes manifestações (dezenas milhares de pessoas nas ruas de Oakland-Califórnia, em 2 de novembro, por exemplo), converteu-se numa usina de debate político.

Boston, em cuja vizinhança estão duas das mais conhecidas universidades norte-americanas (Harvard e o Massachussets Institute of Technology-MIT), é caso. OOccupy Boston propõe, todos os dias, uma agenda vasta e múltipla. São debates, intervenções artísticas (“tambores do Brasil”, inaugura os trabalhos nesta segunda, 14/11), manifestações-relâmpago, contatos com a comunidade. Há cenas curiosas. Na última quarta (9/11), um protesto contra o endividamento dos estudantes – que está beirando 1 trilhão de dólares e pode se transformar numa crise semelhante à das hipotecas – foi aberto por uma bandeira dos Estados Unidos e uma faixa contra o capitalismo… Na segunda, depois da batucada brasileira, haverá um encontro com a população do subúrbio de Roxbury, onde 42% das crianças vivem em situação de pobreza.

Noam Chomsky foi a estrela da programação em 22 de outubro. Ele falou no âmbito de uma das invenções do “Occupy Boston”: as Conferências Howard Zinn, que colocam, os manifestantes, várias vezes por semana, em contato com importantes intelectuais norte-americanos. Como era de esperar, encarnou, em sua fala, dois personagens: o teórico erudito e o ativista.

Foi providencial. Diante de um movimento que começa a se questionar sobre seu próprio futuro, Chomsky lembrou que a superação do capitalismo não se fará em algumas semanas. Vivemos, ele frisou, um momento de encruzilhada e incerteza, em que, além do aumento persistente da desigualdade e do esvaziamento da democracia, pairam ameaças como o recrudescimento do caos econômico e a tentação de buscar, nas guerras, a solução para a crise.

Os novos movimentos, pensa Chomsky, podem ter papel histórico decisivo. A esta altura, só a mobilização social parece capaz de levar a humanidade a optar, na encruzilhada, por um caminho que preserve a amplie conquistas civilizatórias cruciais. Para tanto, não bastam as ocupações. É preciso um enorme esforço para compreender o mundo contemporâneo e transformá-lo oferecendo não apenas denúncias – mas novas formas de sociabilidade.

É um trabalho de décadas. No entanto, certas oportunidades geradas pela própria crise precisam ser aproveitadas no momento em que surgem. Chomsky destaca, na palestra, novas formas de produção. Se no final de 2008 o Estado norte-americano salvou da falência a indústria automobilística e se tornou seu sócio principal, por que não reivindicar que as empresas fosse geridas pelos trabalhadores? Numa conjuntura em que há tantos desempregados qualificados, que tal estimular um plano nacional de construção de ferrovias de alta velocidade, impulsionado pelo Estado?

O sentido geral da fala ao “Occupy Boston” – e, por extensão, aos novos movimentos – parece ser: “Vocês são a esperança, mas estão apenas começando. Não se entusiasmem demais com o que já fizeram. Busquemos juntos as formas de construir, em meio à crise, um mundo mais humano”. A fala de Chomsky começa a seguir: (A.M.)

É um pouco difícil fazer uma Conferência Howard Zinn em uma atividade do movimento Occupy Boston. Surgem sentimentos distintos. Primeiro, tristeza porHoward não estar aqui, para participar e fortalecer, de seu modo particular, algo que teria sido um sonho em sua vida. Além disso, sinto entusiasmo pelo fato de o sonho ter se realizado. É um sonho no qual ele baseou muito de seu trabalho. Estar aqui com vocês teria sido a realização.

O movimento Occupy é entusiasmante. Espetacular, sem precedentes; nunca houve nada parecido de que eu possa me lembrar. Se os vínculos e associações que estão sendo estabelecidos aqui, nesses eventos excepcionais, se sustentarem por um longo período – porque as vitórias não vêm rapidamente – isso pode se tornar um momento muito significativo na história norte-americana.

O fato de as manifestações não terem precedentes é muito revelador. Vivemos um período único – não apenas esse momento, mas desde os anos 70. Naquela década começou um grande ponto de virada na história americana. Por séculos, desde que o país começou, existe uma sociedade em desenvolvimento, com altos e baixos. Mas o progresso geral era em direção à riqueza, industrialização e desenvolvimento – mesmo no escuro. Havia, inclusive em tempos muito difíceis, uma constante expectativa de que as coisas continuariam caminhando numa direção que suscitava esperanças.

Eu sou velho o suficiente para lembrar da Grande Depressão. Depois dos primeiros anos, em meados da década de 30, ainda que a situação fosse objetivamente muito mais complicada que hoje, o espírito era muito diferente. Existia um sentimento de que iríamos superar as dificuldades, até entre as pessoas que estavam desempregadas. Vai melhorar. O movimento militante dos trabalhadores estava se organizando. Foi chegando ao ponto das greves sit-down, que são muito assustadoras para o mundo dos negócios. Era possível compreender isso nos jornais de negócios da época. Uma greve sit-down estava a apenas um passo de tomar as fábricas. Além disso, as leis do New Deal estavam começando a surgir, graças a pressão popular. Existia um sentimento de que tiraríamos algo daquilo.

É bem diferente hoje. Agora, existe um sentimento universal de falta de esperança, ou de desespero. Penso que isso é novo na história norte-americana, e tem uma base objetiva. Em 1930, trabalhadores desempregados podiam prever realisticamente que teriam empregos novamente. Hoje – quando o nível de desemprego em fábricas é aproximadamente igual o da Depressão – sabemos que, se as tendências atuais persistirem, os empregos não vão voltar.

A mudança ocorreu nos anos 70, por várias razões. Uma delas, discutida principalmente por Robert Bernard, que estuda história econômica e tem diversos trabalhos sobre o tema, é uma queda dos lucros. Isso, em conjunto com outros fatores, levou a grandes mudanças na economia – invertendo 700 anos de progresso em direção à industrialização e ao desenvolvimento. Embicamos para um processo de desindustrialização e de de-desenvolvimento. A produção industrial prossegue, é claro, mas em outros continentes. Gera muitos lucros, mas não ajuda a força de trabalho. Junto com isso, ocorreu uma mudança significativa na economia: das empresas produtivas, que produzem o que as pessoas precisam, para a manipulação financeira. A financeirização da economia decolou na época.

 Os anos 70 marcam a grande virada conservadora.
Vieram a concentração de riquezas, o poder ampliado das finanças
e o sequestro da política pelo mundo dos negócios

Antes da década de 70, os bancos eram apenas bancos. Eles faziam o que os bancos devem fazer em uma economia capitalista: tomam capital que não está sendo utilizado – por exemplo, numa conta bancária – e o transferem para um propósito potencialmente útil, como comprar uma casa ou colocar o filho na faculdade. Não existiam crises financeiras. Era um período de enorme crescimento na história norte-americana, ou na história econômica geral. Nas décadas de 50 e 60, vivemos um crescimento sustentado e igualitário. Os mais pobres avançavam tanto quanto os mais ricos. Muitas pessoas alcançaram padrões de vida razoáveis – o que chamavam de “classe media”.

Era real, e a década de 60 acelerou esse processo. O ativismo daquela época, depois de uma década politicamente sombria, estabeleceu conquistas civilizatórias de grande alcance. Os anos 70 chegaram e de repente aconteceram mudanças drásticas na industrialização e transferência da produção para outros países. A importância das instituições financeiras aumentou imensamente. Além disso, nos anos 50 e 60, houve um desenvolvimento do que mais tarde se tornaria uma economia de alta tecnologia. Computadores, internet, a revolução de tecnologia da informação baseou-se principalmente nos anos 50 e 60, e substancialmente no setor estatal. Demorou algumas décadas para que realmente decolasse, mas foi desenvolvida nessa época.

A década de 1970 começou um tipo de círculo vicioso que levou à crescente concentração de riqueza nas mãos do setor financeiro, algo que não beneficia a economia. A concentração de riqueza leva à concentração do poder político — o que produz mudanças na legislação, ampliando e acelerando o círculo. Decisões como as mudanças na tributação, nas regras de governança corporativa e a desregulação foram adotadas pelos dois partidos, em consensos. Em paralelo, houve um aumento muito forte no custo das eleições, que tornou os partidos ainda mais dependentes das corporações.

Alguns anos depois, começou um processo diferente. Os partidos, em sua essência, dissolveram-se. Antes, um parlamentar que desejasse um posto de presidente de uma comissão ou outra posição de responsabilidade no Congresso, esperava alcançá-la por meio de experiência e trabalho. Mais recentemente, começou-se a investir dinheiro no partido, para progredir. Isso tornou todo o sistema mais atrelado ao setor corporativo, dentro do qual as instituições financeiras têm papel crescente. Deu-se uma concentração enorme de riquezas, principalmente em favor do 1% mais rico da população.

Enquanto isso, começou a se abrir, para a maioria, um período de estagnação – ou mesmo declínio. As pessoas mantinham-se com meios bastante artificiais – como empréstimos, com muitas dívidas. Longas jornadas de trabalho para muitos. O sistema político começou a se dissolver. Sempre houve uma diferença entre política pública e vontade da população, mas essa diferença cresceu astronomicamente. Vemos isso claramente, agora.

O maior assunto em Washington, o que concentra atenção de todos, é o déficit. Para o público, não se trata de um problema muito gave – o que está correto. O problema é a falta de emprego, não o déficit. Agora, existe uma comissão de parlamentares para enfrentar o déficit, mas não para resolver a questão do desemprego.

Em semanas, o Congresso voltará as costas à opinião pública
e tentará cortar direitos e serviços públicos.
Occupy pode ser uma base para lutar contra isso

Se observarmos com atenção, veremos que o público tem opiniões claras, mesmo diante do déficit. Segundo as pesquisas, a sociedade apoia fortemente o aumento dos impostos pagos pelos ricos, que foram muito reduzidos durante o período de estagnação. A maioria também é a favor de manter os benefícios sociais limitados existentes. Mas a comissão parlamentar encarregada de reduzir o déficit provavelmente fará o oposto. Ou eles entrarão em acordo, decidindo em sentido contrário ao que a sociedade deseja, ou irão disparar um procedimento legislativo automático que terá os mesmos efeitos. É algo que acontecerá muito em breve. A comissão de déficit irá tomar uma decisão em algumas semanas. Os movimentos Occupy poderiam ser uma base para tentar lutar contra esta punhalada no coração do país.

Não é o caso de entrar nos detalhes, mas o que acontece há trinta anos é um tipo de pesadelo que foi antecipado pelos economistas clássicos. Quem lê A riqueza das nações, percebe que mesmo Adam Smith considerou a possibilidade de comerciantes e industriais na Inglaterra decidirem transferir seus negócios para outros países, investir neles e importar produtos estrangeiros. Eles poderiam lucrar com isso, mas a Inglaterra seria prejudicada. Smith continuou, afirmando que comerciantes e industriais prefeririam operar em seus próprios países, o que por vezes denominou “viés doméstico”. É como se a Inglaterra de então fosse salva da ruína do que hoje chamamos “globalização neoliberal” por uma mão invisível. No clássico A riqueza das nações, esta é a única ocorrência da célebre expressão “mão invisível”.

Outro grande economista clássico, David Ricardo, notou a mesma coisa e torceu para que não acontecesse. Um tipo de esperança sentimental. Não aconteceu por muito tempo, mas está acontecendo agora. Nos últimos trinta anos é exatamente isso que está em processo. Para a população em geral – os 99%, no imaginário do movimento Occupy – a situação está realmente difícil e pode piorar. Pode ser um período de declínio irreversível. Para o 1%, ou ainda o 0,1%, está tudo bem. Estão no topo, mais ricos e mais poderosos que nunca, controlando o sistema político e desconsiderando o público. Se podem, por que não continuar assim? É para isso Adam Smith e David Ricardo alertaram.

Tomemos o Citigroup, que por décadas foi a mais corrupta das corporações financeiras dos Estados Unidos. Ele foi repetidamente resgatado pelos contribuintes: nos primeiros anos do governo Reagan e novamente agora. Não vou me ater à corrupção. Vocês provavelmente sabem, e é espantoso. Alguns anos atrás, eles criaram uma oferta para investidores. Desejavam atrair quem tivesse interesse de colocar dinheiro no que chamaram de “índice plutonomy” [um híbrido de plutocracia e economia (nota da tradução)]. Diziam que o “índice plutonomy” era uma forma de superar os rendimentos do mercado de ações.

E quanto ao resto da sociedade? Nós os deixamos à deriva. Nós não nos importamos realmente, nem precisaremos deles. Eles precisam estar por perto para providenciar um Estado poderoso para nos proteger e para nos resgatar, quando estivermos com problemas. Mas, essencialmente, eles não têm função. Por vezes, são chamados deprecariado, pessoas que vivem uma existência precária na periferia da sociedade. Só que não é mais a periferia; está se tornando uma parte substancial da sociedade nos Estados Unidos e também em outros países.

Vocês não irão vencer amanhã. Precisam continuar, criar estruturas
que sobreviverão a tempos difíceis e então alcançar grandes vitórias.
Mas muitas coisas que podem ser feitas já

Isso é considerado uma coisa boa. Certa vez, [o então presidente do Banco Central], Alan Greenspan – que, antes da quebra, era “Santo Alan”, aclamado por economistas como um dos grandes economistas de todos os tempos – depôs ao Congresso. Eram os anos do governo Clinton e ele explicava as maravilhas da economia. Disse que muito do sucesso estava baseado no que ele chamou de “crescente insegurança do trabalhador”. Se os trabalhadores estão inseguros, se eles são precariado, não farão demandas, não ganharão salários, não receberão benefícios e nós podemos deixá-los de lado, se não gostarmos deles. Isso é bom para a economia… Era o que Greenspan chamava tecnicamente de economia saudável. Ele foi muito elogiado por isso…

Bem, agora o mundo está realmente se dividindo entre plutonomy e o precariado – novamente, para citar o imaginário do movimento Occupy, o 1% e os 99%. Oplutonomy é onde está a ação. Poderia continuar assim, e nesse caso a inversão história que começou em 1970 se tornaria irreversível. É nesse caminho que estamos. Os movimentos Occupy são a primeira grande reação popular que pode evitar isso. Será necessário enfrentar o fato de que essa é uma luta longa e difícil. Vocês não irão vencer amanhã. Vocês precisam continuar e formar estruturas que serão sustentadas em tempos difíceis e então poderão alcançar grandes vitórias. Há muitas coisas que podem ser feitas.

Mencionei antes que, nos anos 30, uma das ações mais efetivas foram as greves sit-down. A razão era muito simples: era o passo imediatamente anterior a tomar a indústria. Durante os anos 70, quando o declínio se instalava, surgiram alguns eventos importantes. Em 1977, a US Steel decidiu fechar uma de suas maiores fábricas: Youngstown, em Ohio. Em vez de simplesmente deixá-la sair, os trabalhadores e a comunidade decidiram unir-se, comprar a fábrica e convertê-la em uma indústria gerida pelos trabalhadores. Não venceram – mas poderiam, com maior apoio popular. Foi uma vitória parcial, porque apesar de terem perdido, incentivaram outras lutas atuais – em Ohio e outros lugares.

Há, hoje, uma profusão – centenas, talvez milhares – de fábricas pequenas ou não tão pequenas que são (total ou parcialmente) de propriedade de trabalhadores. Poderiam ser geridas pelos trabalhadores. Existe base para uma revolução real. Ela pode ganhar terreno. É um processo que se dá aqui mesmo. Em um dos subúrbios de Boston, uma multinacional decidiu fechar uma fábrica produtiva, funcional e rentável –mas não suficientemente rentável, para eles. Os trabalhadores e o sindicato ofereceram-se para comprar e gerir a fábrica. A multinacional decidiu fechá-la – provavelmente, por razões de consciência de classe. Se houvesse apoio popular suficiente, se algo como esse movimento tivesse envolvido as pessoas, os trabalhadores poderiam ter conseguido.

Fatos assim estão ocorrendo, e alguns deles são grandes. Há não muito tempo, durante a crise, Barack Obama encampou a indústria automobilística. Hoje, ela é basicamente propriedade pública. Várias coisas poderiam ter sido feitas. Uma é o que se deu. Recuperá-la e devolvê-la aos proprietários, ou a um proprietário similar, para que siga seu caminho tradicional. A outra possibilidade era o governo entregar as empresas aos trabalhadores; e eles fazerem dela uma instituição de propriedade dos trabalhadores, um grande sistema industrial gerido por trabalhadores. Um sistema que se responsabiliza por boa parte da economia e que produz o que as pessoas precisam. E há muitas coisas de que as pessoas precisam. Todos sabemos, ou deveríamos saber, que os Estados Unidos estão muito atrasados, em termos mundiais, nos transportes de alta velocidade. Isso é muito sério: afeta as vidas das pessoas e a economia.

 Não será fácil ter sucesso. Haverá barreiras, dificuldades e fracassos
no caminho. Mas a menos que vocês se tornem uma força social importante,
as chances de um futuro decente não são altas

Tenho uma história pessoal. Fiz palestras na França, há alguns meses, e acabei em Avignon, no sul. De lá, tive que tomar um trem para o aeroporto, em Paris. A viagem demorou duas horas. É a mesma distância de Washington a Boston. É um escândalo. Temos capacidade para um sistema de transportes semelhante ao francês, e uma força de trabalho capacitada. A construção precisaria de algum apoio popular. Produziria mudanças imensas na economia. Só para tornar os fatos ainda mais surreais, informo: enquanto se evitava essa opção, o governo Obama enviou o secretário de Transportes para a Espanha, encarregando-o de negociar a construção de linhas de trem de alta velocidade nos Estados Unidos. Isso poderia ser feito próprio Rust Belt [o Cinturão da Ferrugem, grande concentração de indústria pesada no noroeste dos EUA, hoje decadente], que está sendo fechado. Não há razão econômica para que isso aconteça. Há razões de classe e falta de mobilização política.

Há muitos desenvolvimentos perigosos no cenário internacional. Dois deles são uma espécie de sombra sobre quase tudo o que discutimos. Há, pela primeira vez na história da humanidade, ameaças reais à paz e à sobrevivência das espécies. Uma delas faz parte do cenário desde 1945: é quase um milagre termos escapado das armas nucleares. É uma ameaça que está sendo, hoje, ponderada pelo governo e pelos aliados. Algo tem que ser feito sobre isso, ou viveremos grandes problemas. A outra, é claro, é a catástrofe ambiental. Todos os países do mundo estão falando, mesmo que timidamente, em fazer algo em relação a isso. Os Estados Unidos também estão caminhando, mas no sentido de acelerar a ameaça. Os EUA são hoje o único país que, além de não fazerem nada construtivo a respeito, andam para trás.

O Congresso está agora revertendo a legislação instituída pelo governo de Richard Nixon (Ele foi o último presidente liberal dos Estados Unidos, e isso mostra, literalmente, o que está acontecendo). Os congressistas estão desmontando as medidas limitadas que o governo Nixon tomou para tentar enfrentar a catástrofe ambiental emergente. Este movimento está ligado a uma enorme máquina de propaganda, que pinta o aquecimento global como fraude da esquerda. Por que prestar atenção a esses cientistas?

Estamos realmente regredindo para o período medieval. Não é uma piada. Se isso está acontecendo no país mais poderoso e mais rico na história, então essa crise não será evitada e tudo isso sobre o que estamos falando não irá importar, em uma geração ou duas.

Ao contrário! Tudo está acontecendo agora e algo tem que ser feito logo, e de forma dedicada e continuada. Não será fácil ter sucesso. Haverá barreiras, dificuldades e fracassos no caminho. A menos que o processo que está tomando espaço aqui e ao redor do mundo, a não que vocês continuem a crescer e se tornar uma força social importante no mundo, as chances de um futuro decente não são muito altas.”

(Após a fala, Chomsky responde a três perguntas do público. Uma delas é sobre representação e a possibilidade de convocar uma greve geral. A seguir, sua fala)

Vocês poderão pensar na greve geral como uma ideia possível, quando a população estiver pronta para isso. Não podemos, é óbvio, sentar aqui e decretar uma greve geral. É preciso haver aprovação e vontade de assumir os riscos, por parte de uma larga parcela da população. Isso exige organização, educação e ativismo. Educação não significa dizer às pessoas em quê elas devem acreditar. Significar aprender, também. Há uma frase de Marx: “A tarefa não é compreender o mundo, mas transformá-lo”. Há uma variante que deveria ser considerada: “Se você quer mudar o mundo numa direção qualquer, você precisa tentar compreendê-lo antes”.

Compreendê-lo não significa ouvir uma fala ou ler um livro, embora isso seja útil. A compreensão vem do aprendizado. O aprendizado deriva da participação. Aprende-se com os outros. Aprende-se com as pessoas que estamos tentando organizar. É preciso conquistar experiência e compreensão necessários para tornar possível implementar ideias e táticas.

Há um longo caminho a percorrer. Não acontece num estalar de dedos. Conquista-se, com trabalho longo e dedicado. Penso que, em muitos sentidos, o aspecto mais interessante do movimento Occupy é a construção de associações e laços que estão se multiplicando. Eles precisam ser mantidos e estendidos para uma ampla parcela da população, que ainda não sabe o que está ocorrendo. Se isso se der, então será possível levantar questões sobre tática como esta, que em certo momento serão muito apropriadas.

*Publicado no blog http://www.outraspalavras.net/2011/11/14/chomsky-debate-futuro-dos-novos-movimentos/

MILAGRE NO BRASIL – COMENTÁRIO AFETIVO[i]

Por Silvia Balestreri

 

Neste ano de homenagens aos 80 anos de Boal, decidi me encontrar de novo com Milagre no Brasil, livro que li há mais de 20 anos, e durante cuja leitura me lembro de ter rido e chorado, muitas vezes ao mesmo tempo.

Boal escreveu dois textos sobre sua experiência com a prisão e a tortura: a peça Torquemada, no mesmo ano em que foi solto, 1971, e, alguns anos mais tarde, em 1976 ou 77, este Milagre no Brasil. A edição que tenho é a primeira lançada pela editora Civilização Brasileira no país, do ano de 1979.

Escolhi uns trechos do livro e lhes atribuí títulos. Poderia ter escolhido o momento em que ele narra a tortura que sofreu, mas preferi escolher outras tantas passagens menos conhecidas.

A primeira parte, bem no começo do livro, reporta ao momento um pouco anterior à prisão, quando Boal está ensaiando a peça Arena Conta Bolívar.

POSTURA DIANTE DA CENSURA

Eu tinha acabado de ensaiar Simon Bolívar e estava cansado. Um dos atores tinha me perguntado:

– Afinal pra que é que a gente fica ensaiando tanto? A censura não vai mesmo deixar que a gente faça essa peça…

Eu não acreditava nada em nenhuma “abertura”, como muitos otimistas; desde 1964, desde uma semana depois do golpe e até hoje, tem muita gente que continua dizendo que o governo vai mudar, que vai redemocratizar o país, restaurar os direitos do homem, etc. Eu não acreditava que isso fosse possível; na minha opinião o governo não ia restaurar nada de motu proprio. Mas não queria de jeito nenhum aceitar a autocensura: não queria facilitar o trabalho deles. Se quiserem proibir uma peça minha, que proíbam: têm a força do lado deles. Mas não contem comigo para que me autocensure. Eu não queria fazer como muita gente que já nem sequer se permitia pensar em certas peças que gostaria de fazer, só de medo da censura. Por isso, continuávamos ensaiando essa peça sobre o Libertador de tantos países de Nuestra América, o homem que se auto-intitulou “O Lavrador do Mar”: tudo o que fez, ficou por fazer, tem que ser feito de novo…

7*

Nas duas passagens a seguir, Boal já estava preso. Ele foi levado primeiramente para o DOPS, onde, após alguns interrogatórios, foi torturado. Depois, transferido para o Presídio Tiradentes, ficou em uma cela coletiva. Nesse momento, estava ainda na cela isolada do DOPS.

PODERES QUE PERMANECEM

Durante toda a manhã da terça-feira só se ouviu a voz horrorosa do Sílvio Santos amando o “seu” Brasil. Era insuportável. Era demasiado irônico ouvir falsos elogios ao Brasil, quando na verdade o que ele elogiava era o governo, esse mesmo governo que o ajudava a fazer suas negociatas e que ao mesmo tempo nos tinha ali, prisioneiros.

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Aqui, já depois de ter sofrido tortura, no momento de tomarem seu “depoimento oficial”, mais PODERES QUE PERMANECEM:

Na quarta semana, finalmente, vieram me chamar para o depoimento oficial. O funcionário me fez o mesmo interrogatório de sempre, e recebeu as mesmas respostas. Acrescentou também algumas perguntas novas sobre o dossiê que a polícia política tinha de mim: uma passeata de gente de teatro contra a censura, uma assinatura de um jornal camponês, Terra Livre, e coisas que tais. Perguntou estupidezas como esta por exemplo:

– Por que foi que você devolveu os prêmios de teatro dados pelo jornal O Estado de São Paulo?

Até esse ponto ia a imbecilidade: a devolução de meros prêmios teatrais, decidida por uma assembléia de toda a gente de teatro, era considerada “subversiva”. Esse mesmo diário, durante vários anos depois, sofreu a censura prévia desse mesmo regime que defendia.

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Muito mais adiante no livro, já na cela coletiva do Presídio Tiradentes, onde “sempre havia alguém do Arena preso”, Boal tece impressões a partir das informações trazidas por presos recém-chegados:

O MUNDO ESTÁ MUDANDO (números)

 

Eu me imaginei, como uma espécie de Rip Van Wink1e da história muito conhecida, fantástica, de um homem que sobe em uma montanha e aí encontra um velho e começa a jogar xadrez com ele; quando termina, volta ao seu povoado mas, sem que o tivesse percebido, já se haviam passado 50 anos. Eu pensei que a mim me podia passar a mesma coisa: sair da prisão e me reencontrar com meus velhos amigos, só que 50 anos mais velhos. Alguns, 50 anos mais maduros; outros, 50 anos mais decadentes.

Era normal que lá fora, na “liberdade”, tudo se modificasse. Eu já sentia uma mudança muito marcada nas pessoas que vinham de fora. Pareciam preocupados exclusivamente com o dinheiro, com quanto ganhava cada artista, especialmente quanto ganhavam os que trabalhavam para a TV Globo, subsidiária da Time-Life, que pagava astronômicos salários e ao mesmo tempo obrigava os artistas a fazerem a propaganda do governo. O mesmo contrato onde figuravam as cifras siderais continha também a cláusula propagandística. Nem todos se submetiam, é claro. E sobre a Bolsa de Valores, então? Parece que todo mundo jogava na bolsa. Tantos milhões, tantos pontos. Eu tinha a impressão de que as pessoas começavam a esquecer as palavras e dialogavam exclusivamente com números.

214

Já quase ao final do livro, Boal coloca na boca de um companheiro de cela recém-chegado, o “magro”, o relato de diferentes formas de resistência que começavam a aparecer no Brasil:

FORMAS DE RESISTÊNCIA E ESPERANÇA – Operação Zelo

– É o seguinte: o governo pediu aos trabalhadores que trabalhassem mais. Aquela velha história: trabalhando mais aumenta a oferta e os preços caem e aumenta o salário real. A velha mentira! Aumentando a produção, o que acontece mesmo é que os burgueses vendem mais para o mercado externo e os trabalhadores o único que ganham é mais calos nas mãos. Numa dessas, um ministro pediu para que os trabalhadores cuidassem mais da qualidade dos produtos, com vistas à exportação e à competição nos mercados internacionais Pediu pra que pusessem mais “zelo” naquilo que fabricavam. Bom, isso bastou para que os operários descobrissem uma nova forma de luta: a operação zelo. Cada produto passou a ser examinado e reexaminado tantas vezes e cada parafuso aparafusado e desparafusado tanto e tanto que a produção de muitas fábricas baixou em 30 e até 40%. Muitos gerentes foram obrigados a pedir aos trabalhadores pra não terem tanto zelo assim. .

289

FORMAS DE RESISTÊNCIA – Intelectuais e Artistas

Aqui, Boal se dirige a um outro companheiro de cela, o “Mosca”:

Mosca, me faz um favor: vai dizer ao Caetano Veloso que sim, que o violão do Baden Powell pode ser de direita ou de esquerda, depende do uso que ele faça dele. Vai dizer a ele que pintar os lábios e remexer os quadris como ele fazia pode ser de direita ou pode ser de esquerda: depende de pra que é que serve. A única coisa que não é possível é que uma pessoa fique entre muitas outras e que ao mesmo tempo se esqueça do mundo, e da política, porque é justamente aí no meio de todas as outras que está a política, aí justamente está o mundo. É preciso primeiro saber quem são essas muitas pessoas, e aí a gente vai ficar sabendo de que lado está o violão.

214 e 215

E eu fui dormir pensando contente que não eram apenas os operários e camponeses que resistiam: pensei também que entre nós, os intelectuais, também entre nós havia muitos que, embora sofrendo pressões econômicas, repressão policial, censura e ameaças, ainda assim não se dobravam. E não era apenas um ou outro compositor: eram também romancistas, jornalistas, dramaturgos, poetas, historiadores, sociólogos, professores, pintores… Pensei em toda essa gente que a ditadura não havia conseguido comprar nem calar… E pensando neles, senti um orgulho enorme de ser intelectual, e de ser brasileiro.

215

Nas duas última páginas do livro, no momento em que está saindo da prisão, Boal conta que se despediu dos companheiros de cela e chorou. Enquanto sai, continua a ouvir a voz cheia de novidades e impressões do companheiro que acabara de chegar:

SAÍDA DA PRISÃO – Estamos vivos!

 

Quando terminei de me despedir de todos, dei a volta no corredor e olhei minha cela pela última vez, pela janela, mas agora já do lado de fora. O magro continuava falando, falando, falando:

– Eles nos queriam matar a todos. Mataram muitos. Uns morreram de bala, outros morreram de medo. O Brasil se transformou em um enorme cemitério. Parecia que os homens saíam de suas casas e se dirigiam sozinhos às suas sepulturas. E os que já estavam mortos aí apodreceram; e os que estavam moribundos aí endureceram, e parecia que todos estavam mortos, bem mortos. Mas alguns começaram a dizer baixinho, “eu estou vivo, eu estou vivo”, e outros ouviram a voz que dizia que estava viva, e de repente começaram a dizer baixinho, primeiro bem baixinho, “eu estou vivo, eu estou vivo”, E outros escutaram e, agora já são muitos os que estão dizendo que estão vivos, são muitos os que estão vivos, dizendo “eu estou vivo, eu estou vivo…” Já são muitos os que estão gritando que não estão mortos, que estão vivos, já são muitos os que estão fazendo coisas de vivos e não coisas de mortos, e esses que já são muitos estão aumentando, já são muitos mais companheiros, é certo que a gente não deve ser otimista demais, mas já existem muitos mais que estão dizendo e fazendo coisas de vivos, e estão vivos, e esse é o milagre, o milagre no Brasil, o povo está vivo, bem vivo, e muito cedo os assassinos que pensaram que seria possível matar o povo, muito cedo esses assassinos vão perceber que os mortos são eles e que já aconteceu o milagre, o povo inteiro, o povo vivo, gritando “eu estou vivo, eu estou vivo…”

Muitos na cela estavam chorando.

Quando desci, no pátio ainda se podia ouvir a sua voz. Abriram um enorme portão de ferro e eu saí. Lá fora, já não se ouvia mais a sua voz. Lá fora muitos tinham medo de falar, muitos tinham cara de medo. Mas certamente estavam vivos; por dentro, inaudivelmente, estariam gritando que estavam vivos.

Fui embora para casa. Se me lembro bem, eu estava contente.

Muito contente.

290 e 291

Em relação à SAUDADE, trago aqui as palavras que Boal me escreveu em um email de outubro de 2003, em resposta a uma mensagem em que eu lhe dizia ter descoberto, pela internet, o contato de queridos amigos da Alemanha, que conheci quando vieram ao Rio em 1991, para fazerem um curso com ele. Boal se disse feliz com a descoberta, que iria escrever para eles e, em resposta a minha declaração de saudade “daquele tempo em que, imagine, eu nem tinha computador”, escreveu:

Também eu sinto saudades daquele tempo. Sinto tantas saudades de tantas coisas, mas penso nas muitas que ainda não fiz e quero fazer para sentir saudades depois. Um beijo, Boal

[i] Apresentado na homenagem Augusto Boal – 80 Anos, em 04 de junho de 2011, na sede da Cia. do Latão, em São Paulo. Reapresentado em 16 de outubro de 2011, no evento Augusto Boal 80 Anos – Nossa Homenagem, no Teatro de Arena de Porto Alegre. Silvia Balestreri é professora do Dep. de Arte Dramática e do PPG Artes Cênicas da UFRGS.

* BOAL, Augusto. Milagre no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. Esta é a edição utilizada aqui para todas as citações. Os números abaixo e no canto direito de cada citação correspondem às páginas do livro.


 
*Maria Klabin pertence ao Conselho Consultivo do Instituto Boal

COMUNICAÇÃO

BOAL FILÓSOFO. PARA UMA CIVILIZAÇÃO TEATRAL SOLIDARIA

Profa. Dra. Alessandra Vannucci

Universidade Federal de Ouro Preto

RESUMO

Em suas mais recentes reflexões sobre a Estética do Oprimido (2009), Boal descreve nossa sociedade como um império do imaginário e suas estratégias de controle político e estético como uma “invasão de cérebros” que, visando o monopólio dos desejos, acaba provocando a “atrofia do imaginário”. Sintonizado com premissas filosóficas e sociológicas, Boal enfrenta o tema pós-moderno por excelência, a função da arte na indústria cultural, teorizando não o fim da arte mas ao contrário, a necessidade de sua reivindicação como direito de cidadania. Desmontando qualquer pretensa monarquia artística, atores sociais compartilham o teatro como instrumento estético não-violento para a construção de uma civilização solidária. Um mundo melhor possível. A comunicação foca o projeto Madalena, Teatro das Oprimidas, idealizado e realizado por Alessandra Vannucci em parceria com Barbara Santos do CTO-Rio em 2009 e 2010 graças ao Premio Interações Estéticas e Residências do MinC-Funarte. Seis laboratórios envolvendo cerca de 140 mulheres no Brasil, Portugal, Guiné Bissau e Moçambique experimentaram um “laboratório estético” com exercícios de Estética do Oprimido e outros (incluindo as linguagens dança – música – performance – poesia), especialmente dedicados ao corpo feminino. Os laboratórios produziram seis “roteiros” de ações em conflito significativo cuja partitura física reflete a diversidade cultural e individual dessas mulheres às quais o teatro serve como “ponto” de encontro e “ferramenta” para elaboração de alternativas possíveis à realidade de violência e subordinação que vivem.

Palavras-chave: Estética das Oprimidas. Interações estéticas. Dispositivos de cidadania.

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Quando era um jovem diretor, no Brasil da década de 60, Augusto Boal engajava com tons heróicos sua revolta a favor dos oprimidos – sua raiva diante da miséria, da iníqua distribuição de terras, da privação de liberdade sob a ditadura militar. Um dia, recitando com seus companheiros uma cena sobre a necessidade da reforma agrária, seu grito enfático (Verteremos nosso sangue!) provocou, na muda platéia de camponeses, um efeito que marejou os seus olhos. Virgilio, um camponês forte, exultou em ter por companheiros de luta aqueles rapazes intelectuais, “da cidade” e convidou-os para pegar nas foices e junto com eles, naquela tarde mesmo, ir resgatar a terra ocupada pelos coronéis. Missão cumprida, pensou Boal; e seguiu explicando que, sendo eles uma companhia de atores e atrizes, suas foices eram de papelão. “Mas a raiva é sincera, retrucou Virgilio, então vamos juntos, que foice a gente tem”. Boal estremeceu. Como justificar por sincera a raiva de um ator que somente finge usar sua foice contra os opressores e nunca verterá seu sangue para a causa dos oprimidos? Virgilio – guia involuntário – apontava-lhe o problema, não nas palavras de revolta em si, mas no fato que aqueles que as diziam não eram camponeses e sim, artistas.

Voltou a São Paulo. Em cinqüenta anos de teatro, insistiu em viabilizar sua sincera mas imprestável raiva daquele dia buscando formas de teatro alternativas ao “teatro político” no sentido dado historicamente à palavra: atores lançando, do palco, missões nas quais outros (espectadores) lutariam na realidade. Ser solidário – era o mantra guevariano da época – significa correr os mesmos riscos. A solução seria não renunciar ao teatro e passar à luta, mas agenciar o teatro como instrumento de luta, entregando-o às classes oprimidas: desistir de sua doutrinação, adquirindo uma postura transitiva e maiêutica, como na pedagogia de Paulo Freire, onde “conscientizar” não significa colonizar alguém, mas fazer com que repare na própria opressão, se capacite de que pode transformá-la e com quais ferramentas. Boal resolveu não fazer mas teatro político e, sim, fazer do teatro um instrumento para a política: isto é, a arte de governar a polis, a comunidade de cidadãos democrática, a utópica Atenas dos indivíduos livres e iguais, sem heróis e sem delegados. Diante destas novas tarefas, a função do diretor seria mais a de um curinga: um operador maiêutico capaz de levantar as perguntas, observar as contradições da realidade e abrir caminhos em diálogo com a platéia. A largada para o Teatro do Oprimido estava dada: não um estilo, mas um método hoje apropriado por milhões de seres humanos virtualmente livres e iguais, porém oprimidos em seus diversos desejos, em mais de 70 países, nos cinco continentes.

O eterno retorno à Atenas, como virtual agorá onde a democracia se inventou participativa e transitiva, implica na revisão periódica de seus fundamentos conceituais e das primeiras ações afirmativas que a conduziram a uma democracia delegada. Sócrates, Platão, Aristóteles são autores com as quais Boal dialoga, à vontade em seus trajes de filósofo maiêutico e convocando seus leitores, como faria um coringa com os espectadores, ao banquete filosófico.  O teatro, narra Boal, no começo era o canto ditirâmbico, a dança desenfreada, a festa dionisíaca. Certa hora, alguém entre os atores resolveu se destacar do coro para defender seu desejo enfrentando o consenso daquele: e foi o drama. Em seguida, alguém resolveu separar palco e platéia: de um lado atores dançando, cantando, vivendo paixões e desejos; do outro lado espectadores, parados e mudos. Acabou a festa. Já participaram – provoca então – de um show de seu cantor preferido? De um jogo de seu time do coração? Conseguiram ficar passivos? Não? No entanto, é isso que acontece ao espectador do teatro dramático o qual, conforme o descreve Bertolt Brecht, pensa: “O sofrimento deste homem comove-me, pois é irreparável. É uma coisa natural. Será sempre assim. Nada pode ser mudado. Sim, eu também já senti isso. Eu também sou assim. Isto é que é arte! Choro com os que choram e rio com os que riem” (BRECHT: 1975, p. 75).

Ao sentir terror e piedade pelo destino inevitável, mesmo que injusto, do herói com cujo desejo foi levado a identificar-se, o espectador padece (em dose homeopática) o mesmo castigo e assim è purgado (vacinado) do desejo que o originou. Ao contrário, o espectador “dialético” que Brecht procura despertar na platéia, diante do mesmo destino, pularia do banco revoltado e exclamaria: “O sofrimento deste homem comove-me porque seria remediável. Não! Isso daí, eu nunca passaria. Isto tem que acabar. Isto é que é arte! Rio de quem chora e choro com os que riem.”

O mesmo drama pode ter, assim, um efeito catártico (purgar o desejo do espectador) ou dinamizador (fazer com que descubra que seria capaz de realizá-lo). Ao primeiro uso do teatro como aparelho disciplinador através do mecanismo da catarse (assim nomeado por Aristóteles na Poética, por isso tachado por Brecht de “aristotélico”), opõe-se um uso alternativo e “épico” do teatro, capaz de mostrar simultaneamente os diversos pontos de vista na luta de classe: as contradições da realidade. O ator trata de mostrar como vão as coisas realmente e não de revelar a verdade sobre elas. O espectador, de passivo, se torna assim “dialético”, isto é, politicamente alfabetizado, preparado para a revolução.

Mesmo militando na campanha anti-catarse movida por Brecht, Boal radicaliza a estética brechtiana quando propõe um teatro que não se limite a transformar o espectador mas inclua-o como participante no jogo da transformação (por Platão no Simpósio aludido com a palavra metaxis, que Boal aqui adquire)[1] que a ficção teatral implica. Espelho da realidade, o teatro è um jogo que “ensaia” ou “finge” a sua possível transformação. Sendo, propõe Boal, a teatralidade neste sentido uma prerrogativa da espécie, pois qualquer ser humano consegue “se ver” como em um espelho,[2] ser espectador de si mesmo como sujeito e objeto da própria ação e reflexão, então não há espectador passivo: todo espectador è ator. Melhor: espect-ator.  Funciona assim. O ator apresenta o drama de alguém que tenta mudar a sua realidade opressiva. O espectador dialético vê, no drama apresentado, a realidade como è e, também, como poderia ser; reconhece os muitos opressores que são antagônicos à luta do protagonista e impedem-lhe de realizar seu desejo, elabora e treina estratégias alternativas. Neste momento – è o teatro-forum – o espectador entra em cena e joga o seu jogo como ator, tentando transformar aquela realidade opressiva.

Dissolvendo uma das mais profundas aporias do teatro moderno – a incongruência entre sua alma “espiritual” e sua natureza de mercadoria no império do entretenimento – a destituição do ator de seu monopólio profissional (enquanto “especialista” da arte) visa re-fundar o teatro como espaço estético e político comunitário (lugar onde a polis se vê, se espelha, se transforma) anulando a opressora divisão de tarefas entre palco e platéia. Todos podem fazer teatro, inclusive os atores. Pois como toda arte, o teatro è uma linguagem e nenhuma linguagem è inocente quando utilizado por uma parte social: ao contrário, è veiculo de desejos, interesses, intenções. Se a arte – a consciência de dispor dela como linguagem – è um direito universal, cabe ao artista devolve-la à multidão como ferramenta de expressão e de luta: capaz de mudar a realidade e não somente de descrevê-la. O publico que se espelha no drama exerce um poder dialético e, também, transformador. A força probatória das soluções propostas no jogo teatral pode ser transferida à realidade. De teatrum mundi, ou paradigma do palco-cênico social (como em GOFFAMM, 1969), o teatro passa a ser arena para esta luta democrática, especialmente participativa, sem heróis, sem delegados e sem maiorias, já que não exige pré-requisitos virtuosísticos. Arena da cidadania, do dissenso, da diversidade, da paz e do conflito – porque somente saindo da passividade e enfrentando os opressores è que o oprimido se liberta e conquista a paz – o espaço teatral configura-se como “praça” menos usurpada do que um palco e mais próxima da utópica agorà de Atenas. Dado o seu objetivo externo – a construção do mundo real – a obra não se contenta de exibir bons conselhos e exortar à ação, mas se propõe como laboratório pedagógico transitivo cujos participantes (espect-atores) reproduzem o jogo de interação social percebendo a rede (complexa, dinâmica) de poderes antagônicos e experimentando estratégias de mudança. Em cena, ideologias viram personagens, regrados em seu gestual por códigos de conduta socialmente determinados (o que Brecht designa de gestus). Nesta interface dialética entre mundo real e mundo representado, o espect-ator (instrumento, objeto e autor coletivo de sua obra) vai ocupando, no teatro de Boal, aquele que poderia ser designado, seguindo o carismático apelo humanista de Hegel, como um “terceiro lugar” de autonomia do ator social (cidadão) voltado à construção de uma civilização teatral solidária. Não mais um lance utópico, mas um formidável método empírico, coletivo e não violento para inventar e ensaiar a possibilidade de um mundo melhor.

Na Estética do Oprimido (2009) sua última obra e legado para militantes do método no mundo inteiro, já que oferece uma teoria em diálogo com práticas contemporâneas, Boal lança nova campanha, convocando todo o arsenal das artes como armas, para reverter o processo a que chama de “invasão do cérebro”, isto é, a monopolização dos desejos dos cidadãos, cujos neurônios absorvem o domínio da mídia global desde a mais tenra infância. Aponta para um novo império: o “fascismo da imagem” que reduz a percepção metafórica e inibe a natural criatividade do ser humano, causando sua degradação artística. A atitude de Boal frente à indústria cultural se apropria e ao mesmo tempo resolve a ambigüidade de Walter Benjamin e a postura apocalíptica de Theodor W. Adorno, fontes com as quais dialoga. Se a aura è uma “aparição única de algo distante, por mais próximo que seja” como descreve Benjamin (1985, p. 170) ela não pertence ao objeto, afirma Boal, mas è “uma projeção que o observador faz sobre o objeto” (2009, p. 41) uma vez construído. Sendo complemento ideológico e não substancia intrínseca à obra, a aura é uma arma a disposição de quem possui ou produz arte. Longe de ser sabotada pela reprodução técnica, como Benjamin imaginava, ela é apropriada pela indústria cultural, “construída” e multiplicada pela mídia “como forma de acrescentar valor a obras que nem sempre o têm” (idem, p. 45). Daí a atitude do Boal ser afirmativa quando radicaliza a denúncia de Adorno quanto ao uso que a mídia capitalista faz da cultura visando alienar a multidão em massa de consumidores acríticos e infantilizados. No mundo desencantado de Adorno, a arte seria um “sono sem sonhos” do qual o filosofo, como o homem platônico quando tenta tirar seus companheiros da caverna, em vão tenta acordar o povo oprimido. Boal não acha em vão. Movido por uma visão dialética do mundo em movimento constante, onde há lugar para o homem comum fazer sua história, Boal propõe atacar o sistema da arte pela própria arte, desobediente aos imperativos da mass-cultura global (HARDT&NEGRI: 2001). Seu artivismo mobiliza os próprios artistas a recusar toda hegemonia, desmontando qualquer pretensa categoria de exceção e ao contrário multiplicando e devolvendo a arte à multidão de oprimidos (“subversivos submissos”) como arma para subverter seu estado de submissão e elaborar as soluções sustentáveis para o futuro da humanidade em nosso planeta vendido.

Atendendo ao convite, em 2009 e 2010 desenvolvi um percurso de interação estética[3] em sete etapas de viagem (entre diversas regiões do Brasil, dois países da África e em Portugal) e vivencia com mulheres: trabalhadoras, mães, filhas e bisnetas, “atrizes” em seu cotidiano contemporâneo, entre a necessidade de repetir todo dia o mesmo papel ancestral e o desejo de ser outra, de ocupar outros lugares, de ter voz. Um laboratório de artes (dança, pintura, canção, poesia e finalmente, construção de cena) levantou gestos antigos com que, em cada região, mulheres de hoje cumprem, em seu corpo, o destino de gerações de mulheres engajadas na luta pela sobrevivência no campo, no rio, no mato ou no sertão. Seus corpos, suas vozes são territórios marcados pela opressão. Seus desejos, lutas e cantos são transformadores.

O percurso – dedicado a Madalena, ícone de uma presença submissa e calada – pretendia devolver visibilidade e voz, através de ferramentas artísticas, para a expressão estética desta inquietação feminina que a imagem homologada pela mídia global ignora e censura. Cada etapa produziu uma cena que passou a circular no circuito do TO assim como em festivais internacionais, multiplicando o debate, com emoções e idéias, e também o numero de mulheres querendo participar dele.[4]

É evidente que o corpo feminino está passando por mudanças radicais no que diz respeito à sua vivência bem como à sua representação pública. Mesmo nesta fase de aparente emancipação caracterizada pelo acesso ao mundo do trabalho, as relações de exploração do corpo feminino como reprodutor e produtor (no caso do trabalho doméstico, obrigatório, e de outros trabalhos tradicionais) permanecem as mesmas que oprimiam as nossas ancestrais – a primeira, a desvalorização do trabalho feminino em si e a necessária renuncia à outros que ela poderia vir a escolher, por iguais direitos. Mais do que no masculino, é no corpo feminino que se trava hoje a maior contradição entre ancestrais submissões e desejos urgentes, seja suscitados pelo espelho ilusório da mídia e seja pela consciência de ser portadora de direitos humanos universais. Essa condição comporta ilusões, feridas, descobertas e a inquieta busca por alternativas.

Na etapa que ocorreu em Brasília focamos uma comunidade engajada em um gesto de trabalho que faz parte do cotidiano das mulheres desde os tempos mais antigos: o de “catar”, isto é, recolher e reutilizar dejetos da natureza, urbanos ou industriais, o que hoje se diria “reciclar”. Trata-se de uma pratica auto-sustentável característica de uma economia de trocas, ecológica e comunitária, tradicionalmente feminina, que resgata uma mentalidade pré-capitalista muito bem sucedida na história da civilização humana, antes do advento do patriarcado. Ao contrário deste, fundado na propriedade particular, na divisão do trabalho por gêneros e na exclusão dos resíduos (seja objetos como indivíduos), o modelo social matrilinear teria se fundado no direito natural (consumo segundo necessidade e não segundo possesso), na cooperativização do trabalho e na reciclagem comunitária dos bens.

Pensando nisso, em fevereiro de 2010, fui buscar minhas atrizes entre as catadoras de lixo reciclável de cidades “satélites” de Brasília, seguindo uma intuição de que, estando elas à margem da metrópole seja na cartografia e seja pela atividade que exercem (indispensável, mesmo assim desqualificada por ser o ultimo anel da cadeia do consumo), disporiam de outros canais expressivos que não os que regram a conduta das classes “civilizadas”. Sua integração se daria pelos caminhos da criatividade, da inteligência emocional e da auto-estima e não pelo “acesso” à sociedade pelo paradigma do consumo. A opção pelo lixo (o que sobrou do bem após ser consumido, já sem nenhum valor nem utilidade para o mercado) como material de trabalho pretende revelar o paradoxo de uma ordem mundial que se organiza pela inclusão/exclusão de indivíduos e percursos de vida, mais “descartáveis” na medida de sua menor capacidade de compra. Ao mesmo tempo, garantiria um perfeito encaixe no trabalho cenotécnico, tradicionalmente embasado na reciclagem de elementos já usados. Desmontando um mundo, cria-se outro.

A partir do conceito que qualquer diálogo, opressão e conflito entre um indivíduo e a sociedade se inscreve em seu corpo, organizamos um repertorio comum de ações físicas e sonoras que expressassem as emoções e histórias do cotidiano das atrizes. Atingindo a este repertorio sociocultural “orgânico”, agregado às vivências pessoais, montamos uma partitura essencial da qual elas dariam conta com seu corpo, voz, imagens pintadas e instrumentos construídos com materiais catados. Surgiu um tema forte (o direito à moradia) que foi debatido em três sessões de teatro-forum e motivou um percurso legislativo,isto é uma sessão especial, com a presença de especialistas no assunto e legisladores, visando uma proposta de Lei que foi elaborada e votada (em 10 de março) pela assembléia dos espect-atores e está atualmente tramitando no Congresso Nacional. A história apresentada sob o titulo Brazilha – uma mulher que ocupa um terreno por necessidade e constrói nele o próprio lar e, ao ser expulsa pela polícia e abandonada pelo companheiro, não podendo cumprir exigências burocráticas, não consegue reivindicar sua permanência e de seus filhos no lar nem em nome da evidente necessidade e nem pelo cuidado da ocupação pregressa – aponta para um direito evidente, embasado em um desejo natural e indispensável do ser humano, negado a um individuo por antagonistas amparados em todas as instâncias sociais. Perante a também evidente incapacidade destas mesmas instâncias (sindicatos, instituições) encontrar uma solução justa e humana à situação infelizmente tão comum,não parece utópica a tentativa de um grupo di cidadãos em buscar soluções alternativas interrogando a polis, em plena agorà.

Com efeito, o êxito do processo, com soluções que no debate surgem diversas, justas no sentido de humanas, auto-sustentáveis e viáveis, já que ancoradas ao contexto local, mostra o essencial da participação cidadã – a assembléia dos indivíduos conscientes de seu direito/dever de legiferar e livre da imposição de delegas e maioria – no êxito de qualquer processo de gestão democrática de algo como uma cidade, nação ou planeta: metaforizando o lar, moradia do ser humano. Alertando-nos do risco de ter somente respostas que não transformam, mas repetem as fórmulas homologadas do liquidificador midiático, o teatro do Boal oferece a possibilidade de re-aprender a dizer NÃO e resistir, se opor, buscar alternativas, cada um com sua diversidade, seus desejos e escolhas: com a coragem de ser feliz.

BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Th. & HORKEIMER,Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Editora Brasiliense: São Paulo, 1985.

BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009

BRECHT, Bertold. Estudos sobre Teatro. Portugália: Lisboa, 1975, p.75 REVER CIT.

GOFFMANN, Erwing. La vita quotidiana come rappresentazione. Bologna: Il Mulino, 1969 (ed. orig. 1956).

HARDT, Michael  &  NEGRI, Toni. Impero. Il nuovo ordine della globalizzazione. Milano: Rizzoli, 2001


[1] Conforme Platão, sendo o homem um ser intermédio entre esfera animal e esfera divina, mundo real e mundo das idéias, ele participa com sua existência (irredutível a simples fenômeno) da transformação (metaxis) entre mortalidade e imortalidade, repetição do erro e conquista da excelência, vicio e virtude. Esta é a dimensão propriamente humana.
[2] Psiché em grego indica seja o objeto que reflete e seja a alma humana e sua função auto-reflexiva.
[3] Viabilizado pelo MinC através do Prêmio Interações Estéticas e Residências Artísticas em Ponto de Cultura, realizado em parceria com o Centro Teatro do Oprimido (especialmente Barbara Santos) e em seguida, na etapa de Brasília, com o Ponto de Cultura ESTEC – Tecnologia Cênica e com a Cooperativa de Catadores de Lixo.

[4]Graças as novas curingas, já foram realizadas multiplicações em Moçambique, Argentina, Índia e várias cidades européias. Em Berlim, um núcleo permanente de Madalenas, guiado por Barbara Santos, está preparando um encontro mundial para 2012.

Ariane Mnouchkine e Juliana Carneiro,  diretora e atriz du Theâtre du Soleil,  são membros do Conselho Consultivo do Instituto Boal

Fórum das Letras discutirá a relação entre memória e esquecimento

Evento será realizado entre 12 e 15 de novembro e abordará questões ligadas à política, cultura e história, com participação de autores de diversas nacionalidades

 

A sétima edição do Fórum das Letras já tem programação definida. Sob o mote “Memória do Esquecimento”, o encontro deste ano será realizado entre os dias 11 e 15 de novembro, em Ouro Preto, e terá como eixo central a abordagem da memória artística e literária da cidade. As passagens de Elizabeth Bishop e do Living Theatre pela região terão destaque especial, bem como alguns dos maiores projetos literários fundados em Minas Gerais. Uma das presenças mais importantes em 2011 será a da atriz e escritora Judith Malina, que, há exatos 40 anos, foi expulsa do Brasil sob acusação de, juntamente com os demais integrantes do Living Theatre, difamar a imagem nacional em outros países, em um dos episódios mais controversos que a ditadura produziu no campo cultural. O Fórum das Letras é realizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e toda a programação do evento é gratuita.

Esta será a primeira vez que a dramaturgia ganha espaço de destaque no Fórum das Letras. O trabalho será realizado com curadoria da professora e pesquisadora Alessandra Vanucci (UFOP), que centrou a programação em duas figuras-chave para entender o teatro como forma de manifestação política no Brasil: Judith Malina e Augusto Boal. No dia 12 de novembro, sábado, Cecília Boal e Judith Malina conversam sob mediação de Sérgio Mamberti sobre a vida e a obra de Boal. Em seguida, a psicanalista e viúva do dramaturgo se une à profa. Eleonora Ziller, curadora do Acervo Boal, para uma homenagem à sua memória, com intervenção de alunos de Artes Cênicas da Universidade. No dia seguinte, domingo, atores e alunos das Artes Cênicas encenarão um ato público em homenagem aos desaparecidos na ditadura nas ruas de Ouro Preto e no Cine Teatro Vila Rica, com texto inédito de Judith Malina.

A promoção da literatura brasileira e o estreitamento das relações entre países lusófonos seguem como uma das principais bandeiras do evento. Em 2011, este objetivo será reforçado pela participação da romancista Lídia Jorge e do poeta Álamo Oliveira, de Portugal (com o apoio do GT Artes e Humanidades, em conjunto com o Instituto Camões). A presença de agentes literários como Nicole Witt, da Alemanha; e Jonah Straus, dos Estados Unidos; do pesquisador e tradutor alemão Berthold Zilly e do presidente da Biblioteca Nacional do Uruguai, Carlos Liscano, será fundamental para discutir também as possibilidades de integração de esforços entre a literatura latino-americana e brasileira.

Como tradicionalmente acontece, a língua francesa terá lugar especial, com a presença do francês Henri Loevenbruck, considerado um dos mestres do thriller na França e músico conhecido em toda a Europa, e do togolês Kagni Alem, com sua respeitada obra a respeito das manifestações originadas da relação Brasil / África durante o período da escravidão. Para Guiomar de Grammont, idealizadora do evento, “esta aproximação é fundamental para Minas Gerais e Ouro Preto, pois a cultura francesa é orgânica na formação da cultura brasileira”.

Entre os brasileiros confirmados para o encontro, ganham ênfase Adriana Lunardi, Ana Maria Gonçalves, Arnaldo Bloch, Marcelo Tas, Eduardo Jardim, Marcia Tiburi, Miguel Sanches Neto, Ronaldo Correia de Brito, Rubem Alves e Max Mallman. Destaque também para Adriano Macedo, Branca Maria de Paula, Jeter Neves, Malluh Praxedes e Sérgio Fantini, integrantes do Coletivo 21, grupo de escritores mineiros criado em 2011 com o objetivo de estimular a troca de ideias e buscar novas formas de aproximação entre os autores, leitores e possibilidades do mercado literário.

Em 2011, o Fórum das Letras será resultado de um processo colaborativo entre professores dos cursos de Filosofia, Letras, Artes Cênicas, Jornalismo e Música da UFOP, com curadoria geral da professora Guiomar de Grammont. Para a idealizadora do evento, “o Fórum se consolida como momento de amostra do que de melhor tem sido feito no mundo literário e assume, cada vez mais, sua missão de defesa e promoção da literatura brasileira em nosso país e no exterior. A história e a memória de Ouro Preto e Minas Gerais são centrais nesta edição, pois a importância do Fórum das Letras encontra-se, sobretudo, no fato de se situar na antiga Vila Rica, cidade na qual tiveram origem alguns dos mais importantes movimentos literários do Brasil”.

De acordo com o pró-reitor de Extensão da Universidade, Armando Wood, cerca de 35.000 pessoas são aguardadas para esta edição do evento. “Esperamos que o Fórum ganhe proporções cada vez maiores e que cresça também nossa aproximação com escritores, editoras e, principalmente, com os leitores e a comunidade local. A memória de Ouro Preto merece ser valorizada, e é isso que pretendemos ao eleger o tema que norteará os debates e todas as homenagens que fazem parte deste encontro, como o centenário de Elizabeth Bishop, que aqui viveu durante tantos anos, e os 300 anos de Vila Rica”, afirma.

Homenagens

São diversas as homenagens previstas para o evento. A literatura mineira terá destaque especial, com homenagem à vida e obra de Rui Mourão e a participação de Frei Betto e Lucas Figueiredo no debate “As Minas Gerais: 300 anos de Aventura, Literatura, e fé”. Terão espaço ainda a comemoração de aniversários de projetos fundamentais para a cultura brasileira, como os 25 anos do Projeto Sempre Um Papo, comandado pelo jornalista Afonso Borges, e os 45 anos de fundação do Suplemento Literário de Minas Gerais, um dos mais importantes periódicos literários do Brasil.

 

O centenário Elizabeth Bishop (1911-1979) será celebrado por meio do Congresso Internacional “Deslumbrante Dialética: O Brasil no Olhar de Elizabeth Bishop”, promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O encontro será realizado entre os dias 9 e 12 de novembro, em Ouro Preto e Mariana, e se debruçará sobre a rica obra deixada pela americana, cuja vida foi marcada pela passagem pelo Brasil. O evento conta com coordenação da professora Maria Clara Galery e está voltado para professores universitários, graduandos e pós-graduandos (mestrado e doutorado) e as inscrições podem ser feitas pelo email congressobishop@gmail.com.

 

Programação paralela

Em 2011, o Fórum das Letras dará prosseguimento à programação paralela, marcada pela Via Sacra Poética – conjunto de eventos de música e poesia, composto pela realização de saraus, leitura de poesias, entre outros, sob coordenação de Flaviano Silva – e pelo Fórum das Letrinhas, importante conjunto de atividades voltadas para o público infanto-juvenil, que acontece ao longo do semestre nas escolas públicas de Ouro Preto e seus distritos. O Fórum das Letrinhas é centrado na promoção de debates com a participação de crianças e adolescentes, esquetes teatrais baseadas em literatura, distribuição de livros para escolas e ações educacionais, como oficinas e colóquios para educadores, com curadoria da professora e escritora Mônica Versiani.

Outro destaque será o Ciclo Bravo! de Jornalismo Cultural, organizado pela professora Marta Maia. O projeto, resultado de uma parceria entre o Fórum das Letras e a revista Bravo!, é voltado para estudantes de Comunicação de todo o país e tem como objetivo promover discussões a respeito da produção jornalística no campo cultural. Na edição deste ano estarão presentes os jornalistas Arthur Dapieve (O Globo), Eliane Brum (Revista Época), João Gabriel de Lima (Bravo!), Paulo Roberto Pires (Serrote) e Paulo Markun, entre outros, como palestrantes. Pela primeira vez, o evento contará também com a realização de cursos, com a participação de Paulo Roberto Pires na oficina “Jornalismo Cultural” e Mathews Shirts em “Crônicas”. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site www.forumdasletras.ufop.br.

Em parceria com o Fórum das Letras, o Instituto Cultural Amilcar Martins (ICAM) expõe pela primeira vez sua rara coleção Mineiriana. Mais de cem obras – entre livros, revistas e documentos históricos – poderão ser vistas pelo público na mostra “300 anos de impressões”, que será realizada no Centro Cultural da Fiemg.  Entre os destaques estão as primeiras edições dos livros de Marília, de Tomás Antônio Gonzaga. Duas outras joias expostas serão o Áureo Trono Episcopal e o Triunfo Eucarístico, que retratam as duas maiores festas barrocas do século XVIII. Do século XIX, destacam-se as coleções do escritor romântico Bernardo Guimarães e, do início do século XX, a obra poética do simbolista Alphonsus de Guimaraens. A curadoria conjunta foi feita pelo diretor do ICAM, Amilcar Martins Filho, pelo jornalista André Nigri, pelo crítico literário Cléber Cabral e pela ensaísta e crítica de arte Cristina Ávila.

Mais informações sobre a sétima edição do Fórum das Letras de Ouro Preto estão disponíveis no site www.forumdasletras.ufop.br.

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Fórum das Letras 2011
Ouro Preto, 12-15 de novembro 2011
TEMA: MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO
Programação relativa aos dias 12 e 13 de novembro
12.11, às 19h conversa aberta Judith Malina – Cecilia Boal. Entrevistador: Sergio Mamberti.
às 20.30 BOAL: vida, arte, resistência
Participantes: Cecília Boal, profa. Dra. Eleonora Ziller (diretora da Faculdade de Letras da UFRJ e curadora do Projeto Boal na UFRJ). Mediadora: Alessandra Vannucci (DEART-UFOP). Intervenções de alunos do DEART-UFOP com cenas de textos dramatúrgicos de Boal (Projeto de Extensão: Madalenas, Teatro das Oprimidas).
Local: cinema.
13.11              às 13h JUDITH MALINA: vida, arte, resistência
Participantes: Judith Malina, Sergio Mamberti (Secretário de Políticas Culturais do MinC), prof. Dr. Zéca Ligiero (UNIRIO), Cecilia Boal, Brad Burgess e Thom Walker (Living Theatre), alunos e alunas do DEART-UFOP. Textos do Julian Beck, inéditos no Brasil e outros. Local: cinema
 
às 14h30 ATO PUBLICO EM MEMORIA DOS EXILADOS E DESAPARECIDOS SOB A DITATURA MILITAR. Local: Praça Tiradentes
 
Programação sob a curadoria e direção da prof. Dra. Alessandra Vannucci (DEART-IFAC).
Realização Forum das Letras em parceria com o Departamento de Artes Cênicas da UFOP.
Produção: Fernanda Bento, cell. 031-93242562
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ASSESSORIA DE IMPRENSA
 
ETC COMUNICAÇÃO – (31) 2535-5257
Jihan Kazzaz – jihan@etccomunicacao.com.br
Núdia Fusco – nudia@etccomunicacao.com.br
Tamira Marinho – tamira@etccomunicacao.com.br

*do blog ColetivoRJ Memória, Verdade e Justiça
www.coletivorj.blogspot.com



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