Não há postagens no momento!
Rafael Litvin Villas Bôas graduou-se em Jornalismo (2001), é mestre em Comunicação Social (2004) e doutor em Literatura Brasileira (2009) pela Universidade de Brasília. Professor Adjunto da Universidade de Brasília. Coordena o grupo de pesquisa Modos de produção e antagonismos sociais.
Rafael tem se tornado nosso colaborador informal, tendo nos encaminhado diversos textos interesses, entre os quais a sua tese, intitulada Teatro político e questão agrária, 1955-1965: contradições, avanços e impasses de um momento decisivo. Recomendamos sua leitura.
Os companheiros de “Brasil de fato” gentilmente autorizaram a publicação da entrevista de Maria Rita, vice-presidente do Instituto Boal
Ler a Maria Rita é sempre instigante:
“O Brasil é afetivo, encantador, violento e tenebroso”
Para Maria Rita Kehl, o importante é que quem está se mobilizando tenha inteligência política suficiente para saber que pontos políticos podem mobilizar
26/12/2011
Áurea Lopes de São Paulo (SP)
Maria Rita: “Basta a imprensa ignorar e a polícia intimidar que o assunto não existe” – Foto: UFM
Dois pesos: a psicanálise e o jornalismo. Foi a partir dessa parruda união de forças e percepções que Maria Rita Kehl produziu as crônicas de sua mais recente obra, entre muitos escritos em outros livros e jornais – incluindo o artigo que resultou na escandalosa suspensão de sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo por ter defendido políticas do governo Lula, quando o jornal (que faz campanha contra a censura) apoiava o candidato à presidência José Serra.
“Eu até gostaria de fazer crônicas mais literárias, mas os temas da atualidade acabam me roubando… e é pra isso que eu vou”, diz a intelectual, que nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato fala sobre “as dores do Brasil”, eixo agregador dos temas abordados em “18 crônicas e mais algumas”, publicação da Boitempo Editorial lançada em novembro.
Indignada com o descaso dos governos e a indiferença da população diante das mazelas sociais (“restos não resolvidos de 300 anos de escravidão”), Maria Rita fala sobre o engajamento dos jovens nas lutas populares (“ainda é pouco”), a violência policial (“resultado de uma ditadura que termina impune”) e afirma que os recursos para aplacar as dores do país estão na militância: “É hora de fazer política”.
Brasil de Fato – Uma frase que do seu último livro que chamou muito a atenção e teve grande repercussão foi “O Brasil dói”. A pergunta inevitável é: quais as dores do Brasil que você considera mais preocupantes?
Maria Rita Kehl – Bem, não que seja uma frase genial, ao contrário, acho até banal. Mas talvez tenha chamado tanto a atenção porque corresponda ao sentimento de muita gente. A dor que o Brasil sente eu já intuía, mas aprendi com o meu ex-companheiro, o historiador Luís Felipe Alencastro, que é um estudioso da escravidão no Brasil. Uma parte do que se chama de um difuso mal estar tem a ver com os restos não resolvidos politicamente de 300 anos de escravidão. Quer dizer, não há explicitamente uma política de segregação no Brasil, mas nunca houve uma abolição, de fato. A abolição se deu porque economicamente o sistema já estava falido.
A escravidão acabou assim, com miséria, com os escravos chutados dos lugares, ganhando subsalários. Mas não houve nada para proteger essas populações, que foram jogadas nas ruas, sem trabalho, sendo tratadas do mesmo jeito que antes porque a cor da pele não muda… e marcou durante décadas os escravos. Demorou muito para o negro ser visto como um trabalhador livre, como qualquer outro. E mesmo hoje, acho importantes as políticas públicas feitas no governo Lula e no governo Dilma, mas embora não haja preconceito explícito, que agora é ilegal, há, sim, diferenças.
Outra coisa que dói, para pegar aquilo que me atinge, é a forma como a ditadura militar acabou. Igualzinho. De repente acabou, porque estava inviável mesmo… e não tem reparação, não tem investigação, julgamento de quem torturou, de quem matou… crimes de Estado ficaram impunes. Hoje há um movimento mais importante para tentar fazer alguma coisa, com muito esforço, conseguiu- se uma tímida comissão da verdade. Mas a indiferença da população é enorme. E dói também o desamparo de uma parte da população, quando tem inundação, quando desaba um morro… e você vê o modo como a verba pública é desviada, os mistérios não cumprem suas funções…. é isso que dói.
Como essas “dores” atingem, em particular, os jovens? Quais as perspectivas de futuro para que as novas gerações mudem esse cenário? O acesso à educação aumentou, mas e as oportunidades de trabalho?
Pelo que eu vejo nas minhas viagens pelo país, o ProUni (Programa Universidade para Todos) – que foi tão criticado, as pessoas diziam que o governo estava fazendo a privatização do ensino, o que não é – abriu uma perspectiva enorme. Em 2008, por exemplo, eu viajei por uma região do rio São Francisco. Todo mundo que a gente conversava tinha um parente na universidade ou estava na universidade. Isso quer dizer que o cara vai ser um doutor, contratado por um alto salário de uma companhia? Não. Mas significa que a visão de mundo dele vai melhorar, o status dele para emprego vai melhorar. Se vai ter emprego, ou não, não dá pra saber. E o mais importante é que isso revela um interesse desse jovem pelo estudo. Eu lembro, em Barra de São Miguel (AL), o garçom dizendo “eu quero estudar história e meu irmão, filosofia”. O que isso vai melhorar na renda dele de garçom? Não tão grande coisa. Mas a visão de mundo será outra. Então, eu acho que melhorou, mas ainda falta muito.
Como você a participação política dos jovens, hoje?
Acho que hoje há um distanciamento. Como havia antes. Na época da ditadura, a gente pensava que todo mundo estava dentro porque a gente estava dentro. Mas era uma minoria de estudantes, uma minoria de militantes. Eu acho, por exemplo, que o MST é o único movimento que atrai os jovens, hoje, inclusive os de classe média. Os partidos não atraem, a política não atrai, a política estudantil está tendo agora um crescimento, que eu acho importante, mas está minguada, comparando-se ao que já foi. Então, tem gente que diz que o jovem de hoje não está interessado em mudar o mundo. Não parece. Uma porção de jovens de classe média apoia o MST, milita, vai trabalhar lá… até mora embaixo da lona preta.
É como na minha geração. Claro, os estudantes estavam nas ruas… mas quem foi lutar? Uma minoria. As pessoas estavam adorando que o Brasil estava se tornando uma sociedade de consumo. A grande maioria, enquanto teve o milagre brasileiro, estava indo para os shoppings.
Talvez o que aconteça hoje, como não existe a ditadura, é que os jovens se envolvam em vários tipos de militância. A militância ecológica agrega muita gente. E não que eles tenham uma visão de esquerda, anticapitalista, revolucionária… talvez não tenham. Mas eles estão interessados na discussão política do meio ambiente. Porque está mais perto, é mais fácil de compreender, exige menos debate teórico, não sei por quê… mas esse é um campo de militância do jovem. Assim como as lutas pelos direitos individuais, antirracistas, por reconhecimento de homossexuais… Agora, essas lutas são fáceis do capitalismo absorver. A luta anticapitalista no Brasil ainda é confusa. O MST é uma exceção. Nessa crise, por exemplo, um grupo de estudantes acampou no Anhangabaú (Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo), tentando fazer algo como o que aconteceu em Wall Street, nos Estados Unidos. Mas aqui não tem efeito nenhum. Basta a imprensa ignorar e a polícia intimidar que o assunto não existe.
E não precisa muito para a polícia, principalmente a de São Paulo, “intimidar”. O que significa: partir para a pancadaria?
Olha, não existe mais um Doi-Codi aqui em São Paulo. Mas a polícia paulistana é tão violenta quanto. Mata, tortura e há uma indiferença da sociedade em relação a isso. Esse movimento que houve agora na USP não era, como muitos colunistas de jornal falaram, um movimento de jovenzinhos mimados. Eles estão lutando contra a falta de direitos. É confuso, evidente, porque não ter polícia no campus é controverso, pois teve até assassinato lá… Mas a questão é o modo como a polícia age. Não tem uma passeata que não seja dissolvida com porrada, gás de pimenta, cassetete… São Paulo, nesse ponto, é o estado mais conservador do país. E o que me assusta é que a violência é grave e a sociedade fica indiferente. No período militar, tinha uma parte da população que era indiferente também. Tinha uma parte que até apoiava a violência, achava ótimo que apanhassem os comunistas. Mas também tinha uma parte que não apoiava a violência, que não estava indiferente, mas que tinha medo. Hoje não é pra ter todo esse medo de se manifestar. Tudo bem, a polícia pode chegar, jogar gás de pimenta… mas pouca gente se manifesta. Na última passeata na avenida Paulista, não sei se foram uns 3 mil estudantes, mas é pouco. Podia ter uma passeata de 50 mil.
A violência – e a indiferença da sociedade – são mais marcantes no campo, onde a luta de classes é mais selvagem?
A região do agronegócio é um assunto à parte. No livro O que resta da ditadura, uma série de ensaios publicados pela editora Boitempo – esse livro vale ser citado, o leitor que puder deve ler – faz uma análise exatamente disso. Como uma ditadura que termina sem nem um tipo de investigação, de punição, deixa muitos restos. Tem um dado de uma pesquisadora estadunidense que diz que o Brasil, de todos os países que passaram por uma ditadura na América Latina, é o único onde a violência policial aumentou, em vez de diminuir. Só que não é mais contra estudantes, não é mais contra supostos subversivos… é contra pretos, pobres, favelados, contra gente fumando maconha, é o cara do exército que se acha desacatado pelo menino do morro…
A violência de classe no Brasil sempre existiu. Sérgio Buarque de Holanda nos mostrou o que os donos dos escravos faziam dentro de suas terras, por conta própria, a crueldade com os escravos… e a polícia não entrava. O fazendeiro, o senhor de engenho, dentro do seu pequeno feudo, fechado, era rei, policial, juiz. E o Estado não invadia, por uma questão de conluio. O pacto de classes no Brasil colonial e pós-colonial permitia, por exemplo, que o pai de família rural prendesse a filha desvirginada no quarto pro resto da vida… Sem falar nas revoltas populares que foram massacradas durante o período pré-independência. E a gente aprende na escola que a independência se deu sem sangue, dom Pedro lá, bonitinho, no cavalo… Por isso que eu coloquei no meu livro que o Brasil é afetivo, encantador, violento, tenebroso.
A que causas você atribui o aumento da violência?
Eu não sei analisar se a violência está aumentando. O que me preocupa mais, como disse, é a indiferença das pessoas em relação à violência. O que talvez esteja mais acentuado, e eu acho que isso tem a ver com os apelos da sociedade de consumo, é a violência dita banal. A violência que tem a ver com o jovenzinho que para no farol e começa a disputar com o outro quem põe o som mais alto, e acaba em racha, e acaba em tiro… e atropela gente que não tem nada a ver com isso. A violência do sujeito que acha que para se incluir tem de ostentar algum tipo de poder que lhe é conferido por uma mercadoria. Então ele pode matar para roubar um tênis, ou, quando ele consegue um carro, tem que ir até o limite de velocidade e arrisca as pessoas, não agüenta um pequeno confronto de trânsito e já sai para brigar. É o modo como nós estamos cada vez mais definindo quem nós somos, a nossa qualidade humana, pelas mercadorias e as disputas que isso promove.
E olha que interessante… no tempo do império, a segregação pelos signos de poder era tremenda. A roupa que cada um podia usar, o tecido que podia comprar, se andava de carruagem ou de cavalo… Ou seja, a segregação pelo que você pode ter existe em toda sociedade de classes. E talvez já tenha sido até mais forte. Muito poucos podiam ostentar ou desfrutar de benefícios e privilégios e a maioria não desfrutava nem de direitos. Os direitos estão se expandindo.
Inclusive o direito a integrar a sociedade de consumo.
Isso é curioso. Há um ponto includente, na sociedade de consumo. Por exemplo, a não ser que seja um garoto que só compra roupas de marcas importadas, não tem muita diferença entre o que usa um filho de família de classe média e o filho da empregada dessa família. Essas evidências eram muito mais fortes antes, havia menos mercadoria quando as roupas eram muito caras. Talvez por isso é que as pessoas briguem com mais violência por aquilo que as distingue. O filhinho de papai porque tem outro cara com um carrão e ele quer se sobressair. Ou o jovem de classe C, que pode comprar seu primeiro carro, e de repente acha que pode sair perseguindo os outros… Eu digo carro porque, dentro da sociedade de consumo, a propaganda de carro eu acho um horror! Na propaganda de bebida, o máximo que pode ter de segregação é: você comprou a marca X porque não sabia que a marca Y era melhor, então você é um otário. Mas a cerveja qualquer um tem dinheiro pra comprar. Agora, o carro… o cara passa com o carro e todo mundo fica babando a pé… o flanelinha disputa com o outro o direito de guardar o carro do playboy… o cara adora provocar inveja… o carro lhe basta, o mundo pode estar caindo lá fora… é o máximo da convocação para você não ter nenhum tipo de solidariedade com ninguém.
Uma apologia ao individualismo? E, daí, a indiferença em relação ao coletivo?
Um pouco isso. Mas temos de ver que o individualismo tem suas vantagens. Por isso eu não usei essa palavra. Por exemplo, o individualismo que tem a ver com liberalismo eu acho que traz ganhos mesmo na sociedade pós-capitalista, que eu não vou chamar de comunista, mas talvez de socialista, no sentido amplo. Eu espero que esses direitos individuais não se percam. Nós, que somos mulheres, sabemos os ganhos que tivemos com o individualismo. Que cada um possa escolher seus destinos, que cada um possa fazer suas opções sexuais, decidir se vai formar família ou não, que se possa ser mãe solteira, ser mãe por inseminação artificial, não ser mãe… sem ser a escória da sociedade! Que gente rica possa escolher trabalhar com o MST ou ir para comunidades indígenas na Amazônia. A riqueza das diferenças individuais é um ganho do capitalismo liberal, que a gente chama de individualismo. Ao mesmo tempo, o individualismo é nefasto quando lança as pessoas em uma luta de todos contra todos.
Os brasileiros e a sociedade brasileira têm recursos para trabalhar as “dores” do Brasil?
Sim, sem dúvida. Políticas públicas são saídas possíveis, mas precisa haver movimento social que pressione por essas políticas. Uma coisa que talvez tenha sido um problema no governo Lula é que muita gente que se mobilizava até então se sentiu assim: “ah… conseguimos eleger o Lula e as coisas vão acontecer”. Houve uma desmobilização e o próprio estilo de governar do Lula contribuiu para isso. “Deixa que eu cuido… calma, gente, as coisas não podem ser tão rápidas…” Esse estilo de governar eu acho um problema, politicamente. Embora ele tenha sido um grande governante do ponto de vista administrativo. Mas, politicamente, ele se colocar como um “pai” – aí vem aquela história… a gente não pode sempre dizer sim para os filhos. Enfim, ele ajudou muito a desmobilizar. Tudo bem, o papel dele não era mobilizar. Mas era acolher a mobilização. E tem também o crescimento econômico, que desmobiliza. Houve a inclusão econômica de muita gente, pelo menos da classe C, que contribuiu também para desmobilizar. As pessoas se interessam menos pelas outras lutas na hora em que elas começam a ter oportunidades individuais. Começam a cuidar de suas vidas, a fazer suas revoluções individuais. De um modo geral, as pessoas lutam muito pouco por idealismo. E, na maior parte das vezes, só quando a água bate no pescoço. Aí é que acontece a grande luta. O importante é que quem está se mobilizando tenha inteligência política suficiente para saber que pontos políticos podem mobilizar, como é que se dialoga com a sociedade mobilizada. Para articular, para angariar aliados. Senão ficam pequenos guetos de manifestações que ou são reprimidos ou não falam com ninguém. A questão toda, na essência, é fazer política
Serviço
Título: 18 crônicas e mais algumas
Autora: Maria Rita Kehl
Editora: Boitempo Editorial
Páginas: 160
Preço: R$ 30,00
Continuando a nossa política de boa vizinhança traduzimos para o português a classe ministrada por Boal em espanhol. A tradução é da nossa amiga Márcia Fiani
Quero agradecer muito especialmente a Carlos Fos, diretor do Centro de Investigaciones Teatrales , por ter me cedido este texto
Apresentação
Como parte das Atividades Especiais propostas pelo III Festival Internacional de Buenos Aires, realizou-se, de 22 a 27 de setembro de 2001, o ciclo « Classes Magistrais de Teatro Contemporâneo ». Oito artistas relevantes na cena atual africana, européia e americana – Augusto Boal, Frank Castorf, Philip Glass, Sotigui Kouyaté, Alain Platel, José Sanchis Sinisterra, Robert Wilson, Martin Wuttke – ofereceram, cada um deles, uma conferência sobre um tema de sua especialidade. As oito classes magistrais se ministraram na Sala Casacuberta do Teatro San Martín. Dois oito convidados, apenas Wuttke não pode viajar ao Festival, mas esteve presente por meio de uma videoconferência.
As oito classes foram, oportunamente, gravadas a fim de integrar o Arquivo do Festival e, após um processo de edição literária sob nossa coordenação, encontram-se agora reunidas no presente volume – publicado em coedição com Atuel – podendo também ser consultadas na página web www.festivaldeteatroba.com.ar
Procurando respeitar as versões originais, reduzimos os textos a seus núcleos mais relevantes, assim como cortamos certas marcas de oralidade que poderiam dificultar uma leitura ex visu. Expressamos aqui nosso agradecimento aos tradutores responsáveis pelas versões simultâneas durante as classes, integrantes da equipe dirigida por Silvia Fehrmann. O trabalho de todos eles se revelou uma referência valiosa – especialmente no caso de Castorf e de Wuttke – para a elaboração das traduções que aqui publicamos. Agradecemos igualmente aos companheiros do Taller de Traductores de Teatro (Oficina de Tradutores de Teatro), que forma parte do Centro de Investigación en Historia y Teoria Teatral (CIHTT) (Centro de Investigação em História e Teoria Teatral), que, seguindo nossa orientação, traduziram e se ocuparam da edição dos textos: María Victoria Eandi, Gabriel Fernández Chapo, Silvana Hernández e Nora Lía Sormani.
Esperamos que em seu novo suporte, sobre papel, ou em suporte virtual, as classes preservem algo de sua intensidade e de seu entusiasmo convivial. Bem que estas páginas não possam registrar nem os aplausos, nem os risos, e nem – salvo exceções – as intervenções do público assistente, restam deles alguns ecos entremeados com as palavras dos mestres. Finalmente, desejamos que o livro e a rede possam servir à difusão do pensamento diverso dos oito grandes criadores convocados.
Jorge Dubatti
Augusto Boal , Teatro do Oprimido: métodos e técnicas
Augusto Boal
Diretor, dramaturgo, teórico e pedagogo teatral, Augusto Boal (1933) dirigiu o Teatro de Arena de São Paulo de 1956 a 1971, ano em que foi preso e torturado. Já no exílio, difundiu seu método do Teatro do Oprimido pelo mundo, especialmente em países da América Latina. Publicou mais de vinte livros, traduzidos para vinte e cinco idiomas, entre os quais “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”. É atualmente diretor artístico do CTO-Rio (Brasil). (*)
Vou me referir a uma experiência que, em parte, teve início nesta cidade de Buenos Aires, no Brasil, em Lima (Peru) e em outros países latino-americanos. Curiosamente, hoje em dia este método se pratica em mais de setenta países do mundo, na África, Europa, Ásia e Oceania; e, no entanto, quase não se vê na atualidade daqui, da América Latina. Que eu saiba, na Argentina, por exemplo, muito pouca gente utiliza o Método do Teatro do Oprimido.
O que é o Teatro do Oprimido e por que encontrou essa importância em todo o mundo? Por que existem tantos livros publicados, em inglês, francês, em alemão, em todos os idiomas? Por que se escreve tanto sobre o Teatro do Oprimido, e na América Latina não se conhece quase nada e muito pouco se faz?
Eu sou originário do Brasil onde, por muito tempo, dirigi um teatro. Era o diretor artístico do Teatro de Arena de São Paulo; mas “arena”, em português, tinha o significado de “lugar em que se luta”, arena de touros, dos lutadores. Esse significado de “arena” é o que seria para nós o teatro, pela luta e pelo circular; por esse duplo sentido. Nesse teatro trabalhei, faz muitíssimo tempo. Comecei com o teatro profissional faz quase meio século, quarenta e cinco anos, e estava com um grupo muito grande de gente entre os vinte e os vinte e cinco anos. Era um grupo que tinha muita força e preocupação política. Estávamos começando uma carreira no teatro mas, ao mesmo tempo, nossa preocupação política era importante.
Queríamos fazer um teatro que tivesse sentido no Brasil, um teatro que significasse algo para o público. Não estávamos pensando em fazer meu teatro, “tenho vontade de fazer tal ou tal coisa”, pensávamos sim no nosso público, em levar em consideração isso que se chamava “o povo”. E o que era o povo? Era uma entidade um pouco abstrata, mas queríamos falar com essa entidade; procurávamos o povo e pensávamos no que faríamos para o povo, no que lhe daríamos.
Nessa época – estou falando dos anos 50 e começo dos 60 – havia no mundo um movimento que se chamava Teatro Político, mas que tinha uma falha, um erro básico, que consistia no fato de que o artista tinha que ser o mestre ensinando ao público algo que esse desconhecia. Falava-se muito em teatro didático, teatro com mensagem, a idéia sendo a de que nós, os artistas, embora tão jovens, seríamos os portadores da mensagem. Essa mensagem era às vezes ditada por um partido, uma organização política, uma organização anarquista, etc.; havia no mundo esse movimento: fazer teatro político.
Nós estávamos começando e pensávamos que o que queríamos fazer era um teatro que fosse político mas no sentido de ajudar, de conscientizar as massas, queríamos fazer um teatro que fosse importante para as pessoas que sofriam no Brasil, para os oprimidos. Nos propusemos, então, a trabalhar com os oprimidos e tivemos que nos perguntar quem são os oprimidos no Brasil.
Em primeiro lugar, existe oprimidos do tipo dos negros. As pessoas dizem que não existe preconceito racial no Brasil, o que é uma grande mentira. Por exemplo, se vocês pensarem nos ministros do Governo, não encontrarão negros. O caso de Pelé não vale, porque estava no cargo não por ser negro, mas apesar de ser negro. Isso nos dá uma indicação de que não há negros decidindo assuntos governamentais no Brasil; existem, sim, preconceitos. Há leis contra o racismo; se não houvesse racismo, qual a razão de haver leis tratando do racismo? Evidentemente, se existem leis é porque o racismo existe.
Nós nos dizíamos então que tínhamos que fazer obras contra o racismo, em favor dos negros. E nos propúnhamos a dizer aos negros: “Nós, os artistas, que somos mestres, porta-vozes de uma mensagem, viemos lhes dizer o que devem fazer para lutar contra o racismo brasileiro”. Mas todos nós éramos brancos. E assim mesmo dizíamos aos espectadores: “Façam isso, lutem dessa forma” e nós, brancos, ensinando aos negros o que deveriam fazer. O que nos salvava é que tínhamos as melhores intenções do mundo, que tínhamos um objetivo.
Que outro grupo social era oprimido no Brasil? As mulheres. Viajo como louco, vou a todos os lados, e nunca vi um país onde as mulheres não sejam oprimidas. Vou contar-lhes uma história muito curiosa: a única vez em que me pareceu estar em um país onde não se falava de opressão feminina foi numa estada na Suécia. Estava trabalhando, montando um espetáculo. Costumo fazer espetáculos onde incluo o público, montando cenas. Então perguntei: “Qual o tema que lhes interessa? Vamos preparar, diante de todos, uma obra que fale dos oprimidos daqui”. Uma mulher se referiu então à opressão da mulher. Isso me pareceu natural, pois em qualquer cidade do mundo sempre ouço alguém falar do problema da mulher oprimida. Mas outra mulher se levantou, e disse: “Não, por que vamos tratar de opressão da mulher, aqui as mulheres não são oprimidas.” Sinceramente, fiquei bem contente, porque pela primeira vez iria conhecer um país que eu poderia recomendar às mulheres: “Mudem-se todas para lá, vão ficar contentes, é verdade que faltarão alguns homens no caso de irem todas para lá, mas é bom ter um país onde não serão oprimidas.” Fiquei feliz, mas quis me certificar, quis ter certeza de que aquilo era verdade. Então, perguntei: “Você está segura de que na Suécia as mulheres não são oprimidas?” Ela disse: “Aqui somos todos iguais, homens e mulheres, não existe nenhuma diferença”, e acrescentou que “na França as mulheres se dizem liberais e são oprimidas, no Brasil os homens são todos machistas, mas aqui na Suécia não somos oprimidas.”
Então eu disse: “É verdade que no Brasil são oprimidas, que na França também são oprimidas, porque as mulheres sempre ganham menos do que os homens, ainda que fazendo o mesmo trabalho.” E tornei a perguntar: “Aqui não? Aqui as mulheres são realmente iguais aos homens, ganham o mesmo salário que um homem pelo mesmo número de horas trabalhadas?” Naquele momento, a mulher me olhou e disse que “na verdade, não é tanto assim.” Perguntei qual a diferença, e ela respondeu que “na França ou no Brasil as mulheres ganham menos que os homens por um mesmo trabalho feito, enquanto que aqui são os homens que ganham um pouco mais do que nós”. Nesse momento, eu pude lhe mostrar que sua opressão já estava na sua cabeça, que ela não via a opressão, mas que a opressão existia.
Esse fato acontece com todos nós (homens, mulheres, brancos, negros), em relação à maioria das opressões de que somos vítimas, porque nos acostumamos a elas e elas nos parecem naturais. É natural que um país condene uma pessoa sem provas; é natural que se invada um país e que massacrem seu povo; é natural porque aceitamos que as coisas se passem assim. Mas eu não sou a favor dessas situações, e por isso, voltando atrás, aos anos ’56, ’57, ’58, representávamos obras em favor das mulheres.
Escrevi muitas obras feministas, ensinando às mulheres o que deveriam fazer para se liberarem da opressão de homens como eu, que escrevia as obras. Evidentemente, eu não ensinava tudo o que eu sabia, ensinava em parte como deveriam se liberar, mas sempre escondia alguma coisa, para não perder, eu mesmo, o meu poder. E isso é normal, porque uma pessoa não sabe o que a outra sofre se ela mesma não sofre a mesma opressão. Ainda que eu tenha a maior admiração pela mulher, eu não sou mulher. Sendo um homem, eu não tenho como sentir de que forma escuta, pensa e sente uma pessoa tão diferente de mim.
Visto assim, é muito difícil entender verdadeiramente a um negro, uma mulher, um camponês. Hoje trabalho muito com os movimentos dos camponeses sem terra no Brasil. Só que hoje eu não faço mais teatro de mensagem, faço Teatro do Oprimido, e são eles os que dizem o que querem fazer, eu apenas os ajudo a fazer teatro. E eles fazem, e adotaram o Teatro do Oprimido como sua linguagem de comunicação normal no Brasil.
O Brasil tem oito milhões e meio de quilômetros quadrados, é um país enorme – o quinto do mundo em extensão de terras -, porém dois por cento da população possui oitenta por cento da terra. Este sempre foi um dos grandes problemas do Brasil.
Da mesma forma que a Argentina, o meu país é escravo, e essa escravidão se deve sobretudo a dois problemas: um é a terra, propriedade de pouca gente; o outro (como no caso de vocês) é a dívida externa, vínculo da moderna escravidão. A escravidão do século XIX não serve mais, agora a escravidão é mais higiênica, invisível; as coisas acontecem mas a gente já não se dá conta delas, e de repente recebe um salário menor do que o merecido, ou não tem aquele emprego que tanto faz falta, ou não tem facilidade de acesso ao que quer que seja.
A escravidão de hoje é mais espraiada, não é apenas pela cor da pele, e é tão cruel como a outra. Por isso, para escapar a essa escravidão, ensinávamos aos camponeses o que fazer. Mas um dia aconteceu uma coisa que mudou minha vida, minha perspectiva sobre o teatro político. Havíamos preparado uma obra muito linda sobre a luta dos camponeses pela terra, que mostrava a situação real do Brasil, o que havia a fazer, o que não se deveria permitir, e que terminava com a vitória dos camponeses. Não há dúvidas de que estávamos convencidos de que a obra tinha sempre que terminar com a vitória, para mostrar o bom exemplo. Assim, quando chegava o final da obra, todo o elenco vinha do fundo do cenário com os braços levantados, um fuzil na mão, e cantando uma canção muito forte, que repetia a mesma frase: “Temos que derramar nosso sangue para liberar nossas terras”. Com os fuzis nas mãos, avançávamos cantando: “Temos que derramar nosso sangue para liberar nossas terras”. Essa cena entusiasmava todo o mundo.
Representamos essa obra diante de um público reduzido do Teatro de Arena e depois fomos para o nordeste, para as ligas camponesas, ou seja, fazíamos esse espetáculo para verdadeiros camponeses que trabalhavam as terras, que lutavam e morriam pela terra. A Igreja brasileira nos ajudava. No Brasil, existem duas Igrejas: uma Igreja extremamente reacionária e outra Igreja muito progressista, popular, que realmente deseja seguir o Cristo. Essa segunda vertente da Igreja nos ajudava muito, e continuamos a nos apresentar em terras de camponeses que travavam sua batalha.
A peça era sempre um sucesso, sempre cantando com os fuzis na mão “Vamos derramar nosso sangue para libertar nossas terras”. Até um dia que foi fundamental para mim: o espetáculo findo, veio a ovação dos camponeses que haviam gostado muito do que viram. Era de manhã, e enquanto falávamos com as pessoas, me lembro que apareceu um camponês muito alto e forte, que, quase chorando de emoção, me disse: “Que coisa maravilhosa vocês fizeram, que vêm de uma cidade tão grande e longínqua como São Paulo para dizer exatamente o que nós pensamos”. Nós, muito contentes, olhamos uns para os outros dizendo: “Vejam, nossa mensagem foi aceita, é nossa função educar as massas, conscientizar elas, e o conseguimos .” Mas o camponês acrescentou: “Já que nós pensamos a mesma coisa que vocês, que temos essa identidade de pensamento tão perfeita, de ideologia, peguem seus fuzis tão lindos e venham conosco porque temos que ir a lutar contra um coronel que invadiu nossas terras, e talvez necessitemos derramar nosso sangue.”
Fez-se um longo silêncio. Meus companheiros me olharam e é claro que sempre acho que sou eu quem deve dar explicações. “Companheiro, nós pensamos o mesmo que vocês, por isso estamos aqui. Mas existe um pequeno detalhe: estes fuzis que você está vendo são muito bonitos, mas não disparam ”. O camponês me olhou e perguntou: “Para que fazem fuzis que não disparam? Um fuzil é para disparar”. Tentei explicar que os fuzis eram falsos porque eram estéticos, e seu objetivo não era o de disparar, era apenas estético. “Ter um fuzil na mão quando avançamos cantando ‘Temos que derramar nosso sangue’, dá mais credibilidade às palavras”, eu disse. O camponês então concordou: “Entendo que os fuzis sejam falsos, mas vocês não são falsos, de modo que não se preocupem, podem vir lutar conosco porque temos fuzis para todo mundo”. Nos olhamos outra vez, e eu lhe disse que havia um segundo mal-entendido: “Nós somos verdadeiros, claro, mas verdadeiros artistas, não verdadeiros camponeses”.
Fez-se um desses silêncios monumentais. E ele disse: “Acabei de entender: quando vocês, os artistas, dizem ‘Vamos derramar nosso sangue’, na verdade estão dizendo ‘nosso sangue camponês’, não ‘nosso sangue artístico’”. Só pudemos dar-lhe razão, pedir-lhe desculpas, e pedir-lhe autorização para ir embora pois já estava na hora do avião que nos levaria para São Paulo. Partimos de lá envergonhados e pensando sobre o que estávamos fazendo: incitando as pessoas a fazer coisas que nós mesmos não éramos capazes de fazer nem tínhamos a coragem de fazer. Dizíamos: “Mulheres, façam isso; negros, libertem-se; camponeses, levantem-se e lutem, derramam o seu sangue” e nós olhando o relógio porque o avião não espera, tínhamos que voltar a São Paulo, uma cidade grande, ao nosso conforto para assistir a CNN. Isso não nos pareceu justo e eu me dei conta de que não poderia seguir fazendo aquele tipo de teatro político. Só poderia fazer um teatro político que incitasse as pessoas se nós mesmos fizéssemos as mesmas coisas, corrêssemos os mesmos riscos. Aí sim eu poderia dizer: “Venham comigo, vou lutar com vocês”.
Começamos a pensar no que fazer, porque nunca foi fácil viver de teatro no Brasil, salvo se se fizesse um teatro como o querem as oligarquias, a burguesias, os que têm dinheiro. Mas se se quer fazer um teatro diferente, no Brasil é muito difícil. Nós contávamos com todas as dificuldades; a primeira, a nossa pobreza, era muito difícil conseguir subsídios. Começamos então a inventar: por exemplo, para construir os cenários, usávamos do lixo. A pobreza às vezes nos condena à criatividade; somos pobres, então somos condenados a criar, a nos fazer efetivamente artistas: inventar algo a partir da pobreza. Naquela época, um amigo me contou uma história muito linda: ele fazia espetáculos para os mineiros de minas de estanho e me disse que na maioria dos povoados onde se apresentava não havia eletricidade. Eu disse: “Se não há eletricidade, você tem que se apresentar durante o dia e usar a luz do sol”. Mas meu amigo me respondeu que isso era impossível porque, normalmente, durante o dia os mineiros estavam trabalhando. “De noite, sem eletricidade, como é que você ilumina seus espetáculos?” e ele me explicou: “Temos que ser criativos, eu trabalho com mineiros, e os mineiros tem uma pequena lanterna sobre os capacetes. Quando a obra começa eu lhes peço que olhem para o palco, assim o cenário fica iluminado. Mais, quando uma cena não é boa, o ator se dá conta, porque quando não é boa o mineiro abaixa a cabeça e o palco se escurece, e o ator passa rápido à próxima cena”.
Sempre teremos o inimigo “pobreza”, por isso temos que ser criativos, temos que imaginar o que fazer. No entanto, naquela época tínhamos um outro inimigo: a censura. Naquele tempo, tínhamos que mandar todas as obras teatrais a Brasília, independente de onde o grupo estivesse, e lá os censores policiais cortavam, anotavam, faziam o que queriam e somente depois as devolviam. Ainda, antes da estréia éramos obrigados a representar a peça diante do censor, que assistia a ela sozinho e dizia: “Aqui há muita luz, tem que baixar a luz”, “Esta frase aqui, não” e tínhamos que obeceder.
Se vocês me permitem dizer alguns palavrões, vou contar uma história de que gosto muito. Uma vez dirigi uma obra de um autor brasileiro tratando da corrupção no Brasil. A metáfora da peça era um time de futebol cujo goleiro se vendia e deixava passar alguns gols. Era uma peça muito boa, porque falava da corrupção, e por cinco vezes se dizia a palavra “merda” e uma vez a expressão “puta que o pariu”. Lemos a peça e pensamos que não seria censurada, porque era sobre homens que se expressavam mesmo mal, que eram agressivos. No entanto, tivemos que ir discutir com o censor, porque muitas partes foram cortadas. “Tem muitos palavrões, que não podem usar”, disse ele. Pedimos então que analisássemos juntos cada expressão censurada, para tentar reconhecer sua importância na obra. “Este ‘merda’ nem se escuta, porque os outros personagens estão gritando, este outro é fundamental, porque expressa a irritação, este aqui é logo depois de uma traição, e o último ‘merda’ é essencial para a composição psicológica do personagem”, argumentamos, tentando convencê-lo. E assim pudemos deixar essas expressões na peça. Por isso digo que a censura era o nosso segundo inimigo naquela época.
Na briga com a censura, umas vezes ganhávamos, outras vezes perdíamos. Também é importante destacar o nível cultural dos censores. Um amigo meu de Porto Alegre queria montar a Antígona, de Sófocles. A peça agradou tanto o censor que chamou o diretor para discutir sobre os cortes. “Olhe, li a Antígona, e gostei muito, mas a atitude da protagonista ao enfrentar o Estado pode ser considerada pelos militares como uma oposição à ditadura”, disse o censor. E concluiu: “Mas como eu sou um censor instruído, que dá valor a essa peça e porque não quero cortá-la de qualquer maneira, proponho que façamos uma reunião com o senhor Sófocles para discutir sobre o que se pode cortar e o que não se pode”.
Naquela época, além da pobreza e da censura, tínhamos como terceiro grande inimigo a violência aberta. Me lembro que, entre os anos ’64 e ’68, datas dos golpes de Estado fascistas no Brasil, havia uma certa liberdade possível, embora já fosse importante a violência paramilitar. Já eram momentos em se raptavam e matavam personagens importantes da cultura e das artes. A ditadura chegou inclusive a invadir teatros, destruindo tudo. A mim também me afetou; quando organizei a “Feira São Paulista de Opinião”, que incluía todos os artistas de São Paulo, representavamos armados com revólveres, e no final do espetáculo estudantes se posicionavam diante do palco, formando um escudo humano para nos proteger dos paramilitares.
Foi nesse clima de violência que se fez teatro; estávamos à mercê das pressões, das torturas. Eu fui preso em dezembro de ’70, depois de uma visita a Buenos Aires. Fui liberado três meses mais tarde graças a telegramas e cartas de protesto contra minha prisão, enviadas por pessoas importantes da cultura de vários países, mas outros ficaram presos três ou quatro anos. Meu processo foi mais rápido graças à pressão internacional.
Minha mulher é argentina, por isso vim para cá e fiquei aqui desde ’71 até ’76, vivendo em Buenos Aires. Nesses cinco anos, de início foi possível trabalhar. Formamos um grupo que se chamou Machete, e com ele montamos uma obra minha intitulada Revolução na América do Sul. Um grupo de atores trabalhava comigo: Rudy Chernicov, Arturo Maly, Luis Barón, Norman Briski. Também trabalhava com Mauricio Kartun, com quem desenvolvemos algumas experiências do que veio a se chamar Teatro do Invisível. Primeiro fiz uma peça de minha autoria, chamada O Grande Acordo Internacional do Tio Patinhas, jogando com a expressão “Grande Acordo Nacional”, do General Lanusse. Naquela época, ainda havia uma certa liberdade dentro da ditadura, mas a situação começou a piorar e me dediquei a viajar por toda a América Latina, principalmente ao Peru.
Se aquele camponês foi o primeiro encontro que mudou minha vida e meu modo de pensar o teatro, o segundo encontro se deu em Lima, Peru, onde eu estava trabalhando como diretor da área teatral em um projeto de alfabetização integral que reunia diferentes disciplinas (teatro, cinema, imprensa) e diferentes línguas (quéchua, aymará, castelhano). Comecei a misturar procedimentos teatrais que já vínhamos praticando: um deles era o Teatro Jornal, técnicas que transformavam rapidamente uma notícia de jornal em cenas de teatro; outro era a Dramaturgia Simultânea, preparação de uma peça apresentando um problema que queríamos discutir com o público. Nesse procedimento, o conflito era apresentado até a sua crise, até que o protagonista tivesse que tomar uma decisão. Ou seja, parávamos o espetáculo e eu dizia: “Este senhor, ou esta senhora, estão vivendo uma situação e não sabem o que fazer”. Ao perguntar aos espectadores o que o personagem deveria fazer, gerava-se uma discussão entre eles, e os atores improvisavam as soluções sugeridas pela platéia. Experimentava-se tudo o que fosse possível dentro da situação.
Isso já era um avanço com relação ao teatro de mensagem, ao teatro que dizia o que o outro deveria fazer. Nós conservávamos o poder da cena; os espectadores tinham o poder de nos dizer o que fazer, mas nós conservávamos o poder do como fazer. Por isso digo que foi apenas um avanço, não ainda a superação do teatro de mensagem.
Eu me desenvolvia nessa linha de trabalho, até que me aconteceu uma coisa muito bonita. De tarde, preparávamos o espetáculo improvisando, e de noite representávamos usando as notícias de jornal e o sistema da Dramaturgia Simultânea. Um dia, uma senhora se apresentou no final do espetáculo e me disse: “Que coisa mais linda vocês estão fazendo, muito democrática, porque todos participam, mas é uma pena”. Perguntei por que era uma pena. Ela respondeu: “Uma pena que vocês só se preocupem com a reforma agrária, a polícia, a dívida externa, com temas políticos; eu tenho um grande problema, mas não é político, ou seja, vocês não podem me ajudar.” Eu lhe disse: “Não, minha senhora, todos os problemas, se olharmos bem, são políticos”. E propus que me explicasse o problema, poderíamos ensaiar no dia seguinte, e à noite o público lhe apresentaria soluções. Mas ela insistia que seu problema não era político. Eu insistia que todos os problemas são políticos, porque se passam na cidade, na polis, e que tudo o que se passa na polis é político por definição. “Não, a polis não me interessa, porque o problema aqui sou eu e meu marido, por isso não é político”, argumentava a senhora. E eu arremetia: “‘A senhora e seu marido’, vê como é político? Porque referindo-se a um marido a senhora está dizendo que foi a um lugar público para contrair matrimônio, havia testemunhas e todos assinaram; toda a cidade tomou assim conhecimento de que a senhora tem um marido, o assunto se tornou de interesse geral, é uma coisa que interessa toda a população”. Ela me olhou, surpreendida: “O que acontece na minha casa é político?”, e eu disse: “É a melhor política, porque é em casa que muita gente revela suas verdadeiras idéias políticas. Vejamos: em sua casa, como anda a democracia, o direito à palavra, a repartição das tarefas? Mais político do que isso, não há nada”. Aí então a senhora se convenceu, e contou uma história terrível sobre o marido: que não trabalhava, que o tempo todo pedia dinheiro a ela usando a desculpa de que estava construindo uma casa para os dois em uma cidade vizinha. Ela dava dinheiro pra ele, e ele desaparecia durante uma semana e voltava com um papelzinho escrito à mão, no qual supostamente estavam anotados gastos com ladrilhos. Ela guardava cada um desses recibos, apesar de não saber ler nem escrever. E vinha de volta o marido e pedia mais dinheiro, para comprar portas, por exemplo. Um dia brigaram, e ela começou a desconfiar que tudo isso fosse mentira e que os recibos fossem falsos. Chamou então a uma amiga que sabia ler, e mostrou a ela os tais recibos. A amiga estranhou os papéis, porque tinham perfume, começou a ler, e aí se deu conta de que não eram recibos e sim cartas de amor da amante do marido.
Aí a mulher explicou que no dia seguinte o marido iria voltar pra casa, e ela queria saber o que fazer. Tentei explicar-lhe que eu não entendia dessas coisas, mas que poderia preparar uma peça sobre seu problema e apresentá-la de noite, em Dramaturgia Simultânea, para que o público apresentasse suas sugestões. Mas cometi a imprudência de permitir que ela viesse assistir ao ensaio. Ela chegou no dia seguinte ao ensaio, que já estava avançado, havíamos trabalhado bastante, distribuído os papéis, improvisado, estava tudo mais ou menos encaminhado. Ela começou a olhar, e eu senti que estava inquieta, até que me perguntou: “Quem é este homem?”. Eu expliquei que o homem era um ator que estava fazendo o papel do marido dela. Ela riu e disse: “O senhor pensa que eu me casaria com um homem assim? Eu quero que esse outro ator faça o meu marido”. “Mas eu sou o diretor, deixe que eu escolha os atores”, respondi, mas a senhora acrescentou: “O senhor é o diretor, mas eu sou o personagem, e lhe digo que esta atriz não pode me representar, porque eu não sou assim, não falo assim, por isso prefiro esta outra mulher”. Começou a mudar todas as marcações e os movimentos. “Eu nunca vou para lá, eu nunca digo essa frase.” Mudava tudo. Naquele momento, eu comecei a compreender um pouco porque o marido ia embora; não que o perdoasse, mas compreendia um pouquinho. Cansado com a situação, eu lhe disse: “Bom, então dirija a senhora mesma a improvisação”, e ela começou a dirigir, e para minha irritação, ela dirigia bem. Fiquei com uma grande inveja, porque ela sabia do que falava, não era o artista falando dos outros, era ela falando dela mesma e mostrando o que tinha que mostrar, usando as pausas necessárias, etc. Estava produzindo um bom espetáculo, e minha irritação aumentava, porque eu queria que o fizesse mal, só pra poder castigá-la.
Chega a noite e eu faço uma apresentação: “Olhem, senhores espectadores, para esta senhora (eu falava de modo bem melodramático para puxar a emoção), que sofreu uma terrível tragédia de amor, justamente de amor, que deveria ser a coisa mais bela da humanidade. Hoje não falaremos de reforma agrária nem de dívida externa, falaremos desta mulher que está aqui, e cujo destino depende de vocês”. Assim começamos a peça, tal como ela a havia dirigido: o marido que dizia “ Vou te fazer uma surpresa” e ela que dizia “Quero ver a casa”, e “Me dá dinheiro, pegue o dinheiro”, “Pegue os recibos”. Fizemos perfeitamente tudo o que ela ensaiou, até chegar o momento da crise, quando o marido batia na porta. Nesse momento eu parei o espetáculo e comecei a explicar o que era a Dramaturgia Simultânea. Perguntei: “O que deve fazer essa senhora quando o marido chegar?” e dei ao público três minutos para pensar e discutir sobre soluções. Armaram-se grupos, as pessoas começaram a falar uns com os outros, até que pedi sugestões.
Eu não gostei nada da primeira solução apresentada, mas não se deve discutir o que o público propõe. Alguém disse que o que a mulher tinha que fazer era chorar muito para que ele se sentisse tão culpado de ver a mulher chorando que acabasse por lhe pedir desculpas, e que ela o perdoasse. Então eu pego os atores, dou a eles essas indicações e peço que improvisem. A representação foi boa e terminou com o marido perdoado e pedindo a ela que fosse pra cozinha preparar uma comida porque ele estava com fome. Quando terminou, perguntei: “É isso o que aconselham que essa mulher faça amanhã?” Todas as mulheres se levantaram e disseram: “Nãããããão.”
Pedi então que apresentassem uma outra das soluções imaginadas, na qual ela deveria fechar a porta e não permitir que o marido entrasse, para que ele se desesperasse ao ver que ia perder a sua mulher. Eu disse à atriz: “Deixe ele lá fora, grite ‘tu não vas entrar mais, porque profanaste nossa casa, nosso lar’”. O marido, improvisando, disse: “Muito bem, eu vou embora e você fica. Vou viver com minha amante, gosto dela mais do que de você”. No Peru, quando uma mulher foi casada e se separa, todos os homens pensam que podem dormir com ela, por isso a separação é um perigo para a mulher. Assim, o público viu que essa solução não era ainda a boa.
Veio uma terceira solução: que ela deveria deixá-lo entrar, e depois ela mesma ir morar com a mãe. A atriz improvisou “Vou embora, e você vai ver como faz falta uma mulher que lava e passa”. O marido, improvisando, respondeu: “A mim não me importa, por mim pode ir, quando você for pra casa da sua mãe eu busco minha amante pra vir morar comigo”.
Comecei a me desesperar, porque todas as idéias que surgiam eram ruins. Percebi, do meu lado esquerdo, uma senhora bastante volumosa, que parecia muito inquieta. Delicadamente, cheguei perto daquela senhora grandona e perguntei se tinha alguma ideia já pronta. “Ela tem que ter uma conversa muito clara com o marido e, depois da conversa muito clara, ela o perdoa”, me respondeu. Na verdade, eu fiquei decepcionado, porque esperava alguma coisa mais violenta, ter uma conversa clara e perdoar era o que já havíamos feito. No entanto, para não aborrecer a grande senhora, eu pedi à atriz que improvisasse. “Eu sou uma boa mulher, e é claro que uma mulher boa não deve ser castigada, por isso é claro que essa situação me faz muito mal, porque é claro que minhas amigas vão saber o que se passa, é claro que vão ter pena de mim, e é claro que eu não quero que tenham pena, é claro isso, é claro aquilo…”, a atriz improvisava, e terminou dizendo “é claro que eu o perdoo”, e o marido disse: “É claro que você vai pra cozinha preparar meu jantar”. A improvisação terminou assim e a mulher grande estava furiosa. Eu lhe disse: “Senhora, nós tentamos fazer o que a senhora pediu, mas não funcionou”, e ela respondeu: “Vocês não estão fazendo o que eu disse, porque você é um homem e um homem nunca vai entender uma mulher”. “Estou de acordo com a senhora, é impossível entender uma mulher; podemos amá-las, mas entendê-las… isso não é possível. Estamos de acordo, não entendemos as mulheres, mas a atriz é uma mulher, e pelo visto ela tampouco entendeu”.
Como vi que a mulher não reagia, propus uma segunda tentativa. Peguei a atriz e lhe pedi que tivesse a conversa mais clara da sua vida, e que só depois disso perdoasse o marido. Começou a cena e a atriz parecia uma metralhadora, disparando “claros” por todos os lados, e a cena terminou de novo com o marido furioso dizendo à mulher que fosse à cozinha e preparasse a comida. Quando eu olhei para a mulher, ela já estava de pé e ia saindo da sala. Quis interrompê-la e explicar que estávamos tentando fazer o que ela havia proposto. Ela começou a gritar sem parar, e eu tentando apaziguá-la. Mas chegou um momento em que eu já estava tão furioso como ela, e acabei dizendo: “Por que a senhora não substitui a atriz e mostra a ela do que se trata uma conversa clara?”. A senhora subiu no palco, pegou uma vassoura que encontrou num canto, olhou para o ator, agarrou ele pelo peito e disse: “Primeiro vamos ter uma conversa muito clara: você me traiu” e começou a dar umas vassouradas no ator. Eu pulei em cima da mulher pra que ela parasse, mas ela era muito mais forte do que eu. Faz 45 anos que faço teatro profissional, e juro que nunca na minha vida vi um ator tão sincero como o nosso quando disse: “Me perdoa, não vou trair você nunca mais”. E quando ela acabou de bater nele, o mandou para a cozinha trazer a comida.
Aí eu fiquei comovido: primeiro pela solidariedade com meu amigo, que havia apanhado e estava machucado. Mas, enquanto esteta, pensei: “Aqui acaba de acontecer uma coisa maravilhosa, extraordinária: a transgressão simbólica. A espectadora invadiu o espaço que normalmente pertence aos sacerdotes da arte de interpretar, aos atores; e nesse espaço ela disse ‘eu também quero dizer o que penso, não quero tradução, quero mostrar o que sou capaz de fazer’”.
Sua transgressão simboliza as ações que temos que assumir para nos liberarmos de nossas opressões; a liberdade não nos é outorgada, não é grátis. Uma liberdade que se recebe, pode ser retirada, por isso não é liberdade, seguimos escravos ainda que estejamos livres. A verdadeira liberdade só se alcança quando transgredimos, quando dizemos “eu não quero mais, eu sou capaz de dizer não”. Quando a espectadora subiu ao palco, cometeu uma transgressão, como um religioso que sobe ao altar: “Eu também posso falar com Deus”, como um soldado que ocupa o lugar do capitão para dizer: “Eu não estou de acordo, não quero lutar aqui”. É uma forma de dizer que eu também existo, que quero ser levado em conta e que minha opinião vale. Ela fez isso. Quando vi aquela mulher subir no palco, vi a dicotomia: ela era ao mesmo tempo e completamente o personagem e a espectadora, porque nós, humanos, temos essa capacidade de duplicar, a capacidade de nos vermos em ação. E isso é o teatro no seu fundamento; todos somos atores, queiramos ou não, porque somos capazes desta dicotomia, desta separação. Essa é a primeira parte de um Teatro Essencial. O Teatro do Oprimido se baseia no Teatro Essencial: todos os seres humanos carregam em si mesmos o ator e o espectador, e trazem também o dramaturgo, porque somos nós que inventamos as palavras que dizemos, passamos o dia improvisando. Uma vez, um ator me disse: “Eu não sei improvisar”, e eu perguntei: “O que é que você faz o dia todo . Sabe de antemão o que vai dizer à sua mulher, à sua namorada, à sua esposa, decorou um texto?”. Nós improvisamos o tempo todo, e todos sabem improvisar. O ator que diz “Eu não sei improvisar” está dizendo “Eu não sei ser humano”. Nós somos o ator, o espectador, o dramaturgo, somos também o figurinista, porque vocês estão vestidos assim porque vieram até aqui; se fossem à praia não estariam vestidos assim, nem tampouco se fossem à missa. E vocês, para dirigir toda essa gente (que cada um de vocês representa), tem também que ser um diretor; porque existem inúmeros conflitos entre os artistas que vocês são… Ou seja, nós temos dentro de nós todas as funções teatrais, que alguns saberão utilizar melhor do que outros, mas que todos temos. Eu posso falar, ainda que não seja um orador, ainda que não tenha feito qualquer curso de oratória. Esta é a primeira questão do Teatro Essencial, do Teatro do Oprimido: todos nós, seres humanos, somos teatro, ainda que não façamos teatro.
A segunda questão do Teatro do Oprimido é o Teatro Objetivo. Todos estamos na vida atuando, mas também assistindo atuar, sendo espectadores. Há momentos em que colocamos nossa energia no atuar, outros em que a transferimos ao observar. Por exemplo, essa energia de observar vem agora para cá, para o lugar onde eu estou, e com isso vocês estão criando um espaço dentro do espaço que já existia. Ao criar um espaço a partir do espaço, esse novo espaço se torna dicotômico: se nós somos atores e observadores de nós mesmos, somos igualmente capazes de criar aqui um outro espaço que também é dicotômico. Quer dizer que, além das três dimensões do espaço físico, existem outras duas: a memória e a imaginação. A partir desse momento (do momento em que dirigiram sua energia de espectadores) este espaço é tetradimensional, ou seja, extremamente poderoso.
A terceira questão fundamental do Teatro do Oprimido é a linguagem. A linguagem que nós utilizamos no dia a dia é a linguagem dos atores no palco. Eles falam como nós falamos. A linguagem teatral é a linguagem humana por excelência, é o que já fazemos, não como os atores, porque eles têm consciência disso, mas como seres humanos e sociais.
Então, o que é o Teatro do Oprimido? É um sistema, que começa com os exercícios mais simples, que vão na direção de se sentir o que se toca, de se olhar o que se vê, ou ver o que se olha, escutar o que se ouve, exercícios de múltiplos sentidos simultâneos. Nós temos quatro categorias de exercícios. Depois, fazemos jogos com intercâmbio de mensagens, mas sem utilizar necessariamente a palavra. Também utilizamos uma das técnicas do Teatro do Oprimido, que é o Teatro Fórum.
Outra das técnicas que empregamos é o Teatro Invisível, que consiste em montar uma cena em espaços públicos, em um trem ou supermercado, por exemplo, sem que as pessoas se deem conta de que é teatro, para que elas participem mais intensamente.
Também recorremos ao Teatro Imagem, muito pedagógico. Uma outra forma de encarar este sistema é o “Arco-Íris do Desejo”. São onze técnicas que permitem teatralizar conflitos internalizados nas pessoas, opressões que não são visíveis para os outros. Para trabalhar essas opressões é necessário torná-las teatrais, visíveis. Existe todo um conjunto de técnicas introspectivas com o objetivo de encenar os problemas que temos na cabeça.
A última experiência a que estou me dedicando é a do Teatro Legislativo, que consiste em trabalhar com grupos organizados, sejam eles de negros, mulheres, camponeses, moradores de favelas. Com eles, fazemos jogos, exercícios, utilizamos diferentes técnicas, e depois, a partir das intervenções dos espectadores, tomamos nota de tudo e nos reunimos em escritórios de advogados e assessores para transformar aquelas sugestões, que o povo apresentou dentro de uma instância teatral, em projetos legislativos. Esses projetos são apresentados a diferentes comissões do Conselho Deliberante do Rio de Janeiro. Assim, de quarenta projetos que apresentamos, treze se tornaram leis atualmente em vigor na cidade. Ou seja, a partir do teatro, da vontade do povo, se expressava e se manifestava concretamente o desejo de transformação.
Isso é o Teatro do Oprimido, que não faz nada por si mesmo, mas que serve para que se faça com ele alguma coisa. O Teatro do Oprimido não tem nada de mágico, tem apenas a dinâmica das pessoas, a democratização do pensamento, o intercâmbio e o diálogo de ideias, e o intuito de chegar a coisas concretas.
Em fevereiro [de 2002] se realizará, em Porto Alegre, o Fórum Mundial Social contra a Globalização, e durante o Fórum, de cinco a dez grupos de camponeses Sem Terra vão apresentar suas peças, suas sugestões de mudanças. Vamos ter cinco grupos com quem trabalhamos no projeto do Teatro Legislativo do Rio de Janeiro, e vamos levar um ou dois grupos de presos de São Paulo. Também convidamos um grupo que apresenta teatro de diálogo para que participe de um local permanente que nos foi reservado durante o Fórum. Esse local, esse espaço teatral, não exclui outras formas de teatro. Já fiz todas as formas de teatro, até mesmo o teatro surrealista de Federico García Lorca e Júlio Cortázar. Montei mesmo uma peça muito pouco conhecida de Cortázar, Nada más a Calingasta.
Penso que teatro, temos que fazê-lo de todas as formas possíveis. Fazer teatro é a forma humana de existir, por excelência. O Teatro do Oprimido, portanto, não exclui nenhuma forma teatral, mas ocupa seu próprio espaço: o espaço da democracia, o espaço em que as pessoas podem utilizar o espetáculo, podem utilizar a linguagem teatral para discutir suas opressões, para pensar o passado, para estudá-lo no presente e para inventar o futuro.
Perguntas dos assistentes
O senhor poderia aprofundar um pouco sobre o Teatro Fórum? Ou seja, se trabalha com a participação direta do público na cena, ou se trabalha de forma mista público e atores?
Boal: Depende. Tenho o costume de dizer que todos podem fazer teatro, querendo dizer com isso que o teatro é essencial ao ser humano. Adoro trabalhar com os bons atores, é uma glória ver um ator crescendo, mas gosto muito mais de ver um cidadão que tem algo a dizer e que sobe à cena e lá se expressa melhor do que fora dela. Muitas vezes utilizo atores profissionais para o Teatro Fórum; muitos atores profissionais têm medo deste tipo de teatralidade porque é um ambiente, um território, que não estão acostumados a dividir com ninguém, e ficam com medo de dividi-lo com pessoas que desconhecem completamente os códigos teatrais. Mas os bons atores não têm medo, pelo contrário gostam da ideia porque é para eles uma forma de se desenvolver como atores e como seres humanos.
Qual é a diferença entre o que o senhor chama de ator profissional e não profissional? Seus atores, quando os chama de profissionais, têm uma formação técnica diferente?
Boal: A diferença está no salário. Um ganha salário, o outro não. Para mim, não existe diferença artística. Trabalho com a maior atriz brasileira e também com pessoas que nunca pisaram num palco, e para mim são seres humanos iguais, que utilizarão uma linguagem que nos é comum a todos: o teatro. É claro que quando uma pessoa se profissionaliza ela tem obrigação de saber, senão tudo, pelo menos o máximo que possa. Tem que estudar o tempo todo. O amador também estuda, mas tem menos tempo, porque sua profissão é outra. Vou contar para vocês uma história que aconteceu comigo faz mais ou menos um ano. Eu estava trabalhando com grupos não profissionais, um desses grupos era formado por empregadas domésticas. Um dia elas me disseram que queriam fazer teatro dentro de um teatro, porque eu lhes dizia o tempo todo que o que elas faziam era teatro. “Se fazemos teatro, queremos representar em um teatro de verdade e queremos que tudo seja como é com os profissionais”. Acrescentaram: “Queremos bilheteria, um porteiro que rasgue as entradas dos espectadores”. Eu lhes dizia que a maioria das pessoas que vinham vê-las não tinham dinheiro para comprar entrada. Elas insistiam: “Não importa, tem que ir à bilheteria e tirar um bilhete, mesmo que seja grátis, tem que cumprir todo o ritual, como no teatro profissional”. Eu pensava que não era necessário, mas queriam tanto que eu acabei dizendo “Está bem, vamos fazer assim”. Alugamos um teatro no centro do Rio de Janeiro e fizemos um festival com seis grupos. O primeiro dia foi uma maravilha: o teatro estava cheio, as pessoas aplaudiam muito, entravam no palco, participavam com sugestões. No segundo dia o sucesso foi ainda maior. No terceiro dia as empregadas domésticas chegaram, ensaiaram toda a tarde como profissionais e se apresentaram à noite. A representação foi um sucesso muito grande, mas me disseram que uma delas começou a chorar. Fiquei preocupado, pensando que algo havia passado para que estivesse chorando: bateu na mesa, se esqueceu de uma fala, etc. Fui até ela e perguntei o que havia passado. Ela me explicou que tinha se emocionado muito, porque era uma empregada doméstica, e que às empregadas domésticas se ensina que tem que ser invisíveis, que tem que fazer a comida, levar a comida à mesa, tirar os pratos, lavar, arrumar as crianças para a escola, mas que tem que passar o mais desapercebidas possível. A mulher me contou “Eu gostaria de escutar o que dizem à mesa, os amigos que discutem de política com os donos da casa, mas não posso participar, não posso dizer nada porque sou muda e surda, esta é minha função como empregada doméstica, me ensinaram a não existir. Hoje à tarde estava ensaiando como uma atriz profissional e de repente vi um homem em uma escada arrumando os refletores e me dizendo: ‘Não fique aí, venha um pouco mais para cá, mude de posição porque quero iluminá-la’”. E a mulher acrescentou: “De repente, deixei de ser invisível, de repente surgiu um técnico para tornar meu corpo visível, colocaram um microfone para mim, que era muda, e o que mais me emocionou foi que a família para quem trabalhei durante 10 anos estava sentada na plateia, no escuro e calada. Quando me sentei diante do espelho, no camarim, foi a primeira vez em que vi uma mulher. Antes só via uma empregada doméstica.” Fiquei então pensando no lindo que pode ser o teatro, o lugar onde uma pessoa entra e transforma as imagens. Isto é o teatro: um espelho que nos mostra como nós somos, e o Teatro do Oprimido tem a pretensão de ser um pouco mais, de ser um espelho mágico onde se possa penetrar, e quando uma imagem que vemos lá dentro não nos agradar, modificá-la.
Complejo Teatral de La Ciudad de Buenos Aires
(Complexo Teatral da Cidade de Buenos Aires)
“Centro de Documentación de Teatro y Danza”
(Centro de Documentação de Teatro e Dança)
No encontro de novembro em Buenos Aires, os companheiros portenhos se referiam o tempo todo a ” una clase magistral de Augusto en el teatro San Martin”
Intrigada perguntei ( eu já hava esquecido que eu mesma estivera com Boal nesse momento em Buenos Aires) , que classe é essa?
E os companheiros me relembraram o ciclo para o qual Boal tinha sido convidado, acrescentando: ” de todos os convidados o único ” maestro ” foi ele”
E é verdade, relendo este texto, escrito em espanhol, o espanhol do Boal, um poquinho “aportuguesado” sentimos o humor, o vigor e a inteligencia que sempre caracterizaram as seus falas. O seu desejo de ensinar , de contagiar todo mundo com as suas ideais
Desejo publicar esta classe magistral , tal com ela foi pronunciada, sem corrigir o espanhol
E, na pressa por publica-la , dispenso as correções e deixo também fluir o meu português, um pouquinho ” “espanholado”
Segue a classe em espanhol e , a continuação, a tradução para o português
Leiam porque vale a pena!
Cecilia
Presentación
Entre las Actividades Especiales del III Festival Internacional de Buenos Aires se realizó, del 22 al 27 de setiembre de 2001, el ciclo “Classes Magistrales de Teatro Contemporáneo”. En él ocho artistas sobresalientes de la escena actual de Africa, Europa y América – Augusto Boal, Frank Castorf, Philip Glass, Sotigui Kouyaté, Alain Platel, José Sanchis Sinisterra, Robert Wilson, Martin Wuttke – ofrecieron cada uno una conferencia sobre un tema de su especialidad. Las ocho clases se dictaron en la Sala Casacuberta del Teatro San Martín. Sólo Wuttke no pudo viajar al Festival, y estuvo presente a través de una videoconferencia.
Las ocho clases fueron grabadas oportunamente para integrar el Archivo del Festival y, tras un proceso de edición literaria bajo nuestra coordinación, son reunidas ahora en el presente volumen – publicado en coedición con Atuel – y pueden consultarse también en la página web www.festivaldeteatroba.com.ar
Tratando de respetar las versiones originales, hemos reducido los textos a sus núcleos más relevantes, así como los hemos despojado de aquellas marcas de oralidad que dificultaban la lectura ex visu. Expresamos aquí nuestro agradecimiento a los traductores que realizaron las versiones simultáneas durante las clases, integrantes del equipo dirigido por Silvia Fehrmann. El trabajo de todos ellos resultó una valiosa referencia – especialmente en el caso Castorf y Wuttke – para la elaboración de las traducciones aquí publicadas. Agradecemos de la misma manera a los compañeros del Taller de Traductores de Teatro, que forma parte del Centro de Investigación en Historia y Teoría Teatral (CIHTT), quienes tradujeron y cuidaron la edición de los textos siguiendo nuestra orientación: María Victoria Eandi, Gabriel Fernández Chapo, Silvana Hernández y Nora Lía Sormani.
Ojalá en su nuevo soporte, ya sea de papel o virtual, las clases preserven algo de su intensidad y entusiasmo conviviales. Si bien estas páginas no pueden registrar los aplausos, ni las risas, ni las intervenciones del público asistente – salvo excepciones -, quedan algunos de esos ecos entretejidos con las palabras de los maestros. Finalmente deseamos que el libro y la red sirvan para difundir el pensamiento diverso de los ocho grandes creadores convocados.
Jorge Dubatti
Teatro del Oprimido:
métodos y técnicas
Augusto Boal
A Boal- presentacion:
Director, dramaturgo, teórico y pedagogo teatral, Augusto Boal (Brasil, 1931- 2009) dirigió el Teatro Arena de San Pablo de 1956 a 1971, año en el que fue apresado y torturado. Una vez exiliado, difundió su método del Teatro del Oprimido por el mundo, especialmente en Latinoamérica. Ha publicado más de veinte libros, traducidos a veinticinco lenguas, entre ellos “Teatro del Oprimido y otras poéticas políticas”. Se desempeña como director artístico del CTO-Río (Brasil).
Con la palabra, Augusto Boal
Voy a referirme a una experiencia que en parte empezó en esta ciudad de Buenos Aires, en Brasil, en Lima (Perú), y en otros países de Latinoamérica. Hoy curiosamente este método es practicado en más de setenta países del mundo, en África, Europa, Asia, Oceanía; sin embargo en la actualidad acá, en América Latina, prácticamente casi nada. En la Argentina, por ejemplo, que yo sepa, muy poca gente utiliza el Método del Teatro del Oprimido.
Qué es el Teatro del Oprimido y por qué tuvo esta importancia en todo el mundo? Por qué hay tantos libros publicados en inglés, en francés, en alemán, en todas las lenguas? Por qué se escribe tanto sobre el Teatro del Oprimido, y en América Latina casi nada se sabe y muy poco se hace?
Vengo de Brasil, donde dirigí durante mucho tiempo un teatro. Era el director artístico del Teatro Arena de San Pablo; pero “arena” en portugués tenía el significado de “lugar donde se pelea”, arena de toros, de los luchadores. Esta significación de “arena” es lo que sería para nosotros el teatro, por la pelea y lo circular; por ese doble sentido. Y en ese teatro ejercí hace muchísimo tiempo. Empecé con el teatro profesional hace casi medio siglo, hace cuarenta y cinco años. Era un grupo que tenía mucha fuerza y preocupación política. Estábamos comenzando una carrera en teatro pero, al mismo tiempo, teníamos una preocupación política muy importante.
Queríamos hacer un teatro que tuviera un sentido en Brasil, un teatro que significara algo para el público. No estábamos pensando en hacer mi teatro, “tengo ganas de hacer tal cosa o tal otra”, sino que pensábamos en nuestro público, en tener en cuenta eso que se llamaba “el pueblo”. Y qué era el pueblo? Era una entidad un poco abstracta, pero queríamos hablar con esta entidad; entonces buscábamos al pueblo y pensabamos : que vamos a hacer para el pueblo, que le vamos a dar?
En esa época, estoy hablando de los años ’50 y aun los ’60, había un movimiento en el mundo que se llamaba Teatro Político, que padecía de una falla, un error básico consistente en el hecho de que el artista tenía que ser el maestro que enseñara al público algo que éste desconocía. Se hablaba mucho del teatro didáctico, del teatro con mensaje, la idea de que nosotros los artistas, aun siendo tan jóvenes, éramos los portadores del mensaje. Este mensaje venía a veces de un partido, de una organización política, de una organización anarquista, etc; en el mundo había este movimiento de hacer teatro político.
Y nosotros estábamos empezando y pensamos que lo que queríamos hacer era un teatro que fuera político en el sentido de ayudar, de concientizar a las masas, queríamos hacer un teatro que fuera importante para la gente que sufría en Brasil, para los oprimidos. Entonces nos planteamos trabajar con los oprimidos y nos tuvimos que preguntar quiénes son los oprimidos en Brasil.
En primer lugar, hay oprimidos como los negros. Allá se dice que Brasil es un país que no tiene prejuicios raciales y esto es una gran mentira. Si en Brasil uno, por ejemplo, mira todos los ministerios del gobierno, no se ven negros. El caso de Pelé no cuenta porque estaba ahí, no por ser negro, sino a pesar de ser negro. Esto nos indica que no hay negros que decidan cosas gubernamentales en Brasil; hay prejuicios. Hay leyes contra el racismo; si no existiera el racismo, por qué habría que tener una ley sobre el racismo? Evidentemente, si hay leyes, es porque hay racismo.
Entonces nosotros decíamos que teníamos que hacer obras contra el racismo, a favor de los negros. Y nos planteábamos ir a decirles a los negros: “Nosotros, los artistas, que somos los maestros, los portavoces del mensaje, vamos a decirles lo que tienen que hacer para luchar contra el racismo brasileño”. Pero nosotros éramos todos blancos. Entonces decíamos a los espectadores: “Sigan así, peleen de esta forma” y nosotros, blancos, ahí enseñando a los negros que hacer. Nos salvaba que teníamos las mejores intenciones del mundo, que teníamos un buen propósito.
Qué otro grupo social era oprimido en Brasil? Las mujeres. Viajo como loco, yendo de un lado a otro, y nunca encontré un país donde las mujeres no sean oprimidas. Les voy a contar una historia muy curiosa: la única vez que me pareció encontrar un país donde no se hablara de la opresión femenina fue en Suecia. Una vez estaba trabajando, haciendo un espectáculo. Suelo hacer espectáculos donde se incluye al público armando escenas. Entonces pregunté: “ Que tema les interesa? Vamos a preparar una obra delante de toda la gente sobre los oprimidos de acá”. Una mujer se refirió a la opresión de la mujer. Me pareció muy natural porque en cualquier ciudad del mundo siempre oigo el problema de la mujer oprimida. Pero otra mujer se levantó y dijo: “No, por qué vamos a tratar de la opresión de la mujer si acá las mujeres no somos oprimidas?”. Sinceramente me quedé muy contento porque era la primera vez que iba a conocer un país que podía recomendar a las mujeres: “Vayan todas para allá, porque van a estar muy contentas, les van a faltar unos cuantos hombres, por supuesto si van todas para allá, pero es bueno tener un país donde no sean oprimidas”. Me quedé feliz, pero quería certificar, tener seguridad de que era verdad. Le pregunté: “Usted está segura que en Suecia las mujeres no son oprimidas?”. Y ella dijo: “Acá somos todos iguales, hombres y mujeres, no hay ninguna diferencia”, y agregó que “en Francia las mujeres se dicen liberales y son oprimidas, en Brasil los hombres son todos machistas, pero acá en Suecia no somos oprimidas”.
Entonces dije: “Es verdad que en Brasil son oprimidas, que en Francia también son oprimidas porque las mujeres siempre ganan menos que los hombres por el mismo trabajo”. Y volví a inquirir: “Acá no, acá las mujeres son iguales, ganan el mismo salario que el hombre por el mismo número de horas?”. En ese momento, la mujer me miró y dijo que “en realidad no es tan así”. Pregunté qué diferencia había y ella respondió que “en Francia o Brasil las mujeres ganan menos que los hombres por el trabajo que hacen, mientras que acá son los hombres quienes ganan un poco más que nosotras”. Ahí fue cuando le señalé que su opresión está en su cabeza, que no ve la opresión pero existe.
Esto nos sucede a todos (hombres, mujeres, blancos, negros) con la mayoría de las opresiones porque estamos tan acostumbrados a ellas que ya nos parecen naturales. Es natural que un país condene a una persona sin pruebas; es natural que se invada un país y lo masacren; es natural porque uno acepta que las cosas sean así. Pero no quiero esas situaciones y por eso, volviendo atrás, a los años ’56, ’57, ’58, nosotros hacíamos obras a favor de las mujeres.
Escribí muchas obras feministas, enseñándoles a las mujeres sobre lo que tenían que hacer para liberarse de la opresión de los hombres como yo, que escribía las obras. Por supuesto, yo no enseñaba todo lo que sabía, enseñaba en parte cómo liberarse, pero algo dejaba para que mi poder no se perdiera. Era normal, porque uno no sabe lo que sufre el otro, si uno no sufre la misma opresión. Aunque tenga la más grande admiración por la mujer, no soy mujer. Entonces, siendo un hombre, no puedo sentir como oye, piensa y siente una persona que es tan diferente a mí.
En ese sentido, es muy difícil entender realmente a un negro, a una mujer, a un campesino. Hoy trabajo mucho con los movimientos de campesinos Sin Tierra en Brasil. Pero hoy en día, ya no hago teatro de mensaje, sino Teatro del Oprimido, y son ellos quienes dicen lo que quieren hacer y yo sólo los ayudo a hacer teatro. Y lo hacen y han adoptado al Teatro del Oprimido como su lenguaje de comunicación normal en Brasil.
Brasil tiene ocho millones y medio de kilómetros cuadrados, es un país enorme – el quinto en el mundo en extensión de tierras -, pero el dos por ciento de la población posee el ochenta por ciento de la tierra. Este siempre fue uno de los grandes problemas de Brasil.
Al igual que la Argentina, mi país es esclavo, y esta esclavitud se debe sobre todo a dos problemas: uno es la tierra que es poseída por poca gente; el otro (como para ustedes) es la deuda externa, vínculo de esclavitud moderno. Ya no sirve más la esclavitud del siglo XIX, ahora la esclavitud es más higiénica, invisible; la cosa pasa pero uno no se da cuenta y de pronto recibe un sueldo menor al que merecía, o no tiene el empleo que hace falta tener, o no tiene la facilidad para acceder a nada.
La esclavitud actual es más desparramada, no es sólo por el color de la piel, pero es tan cruel como la otra. Entonces, para escapar de esta esclavitud, nosotros enseñábamos a los campesinos qué hacer. Me acuerdo que un día pasó una cosa que cambió mi vida, mi perspectiva del teatro político. Preparamos una obra muy linda sobre la lucha de los campesinos por las tierras y mostraba la situación real de Brasil, qué había que hacer, qué no se podía permitir, que terminaba con la victoria de los campesinos. No hay dudas que estábamos convencidos de que había que terminar siempre con la victoria para mostrar el buen ejemplo. Así era que, cuando llegaba el final de la obra, todo el elenco venía del fondo del escenario con las manos levantadas, con un fusil en la mano, cantando una canción muy fuerte que repetía la misma frase: “Tenemos que derramar nuestra sangre para liberar nuestras tierras”. Con los fusiles en mano, avanzábamos cantando: “Tenemos que derramar nuestra sangre para liberar nuestras tierras”. Esta escena inflamaba a la gente.
Hicimos esta obra para un público reducido del Teatro Arena y después nos fuimos para el nordeste, para las ligas de campesinos, o sea que hacíamos este espectáculo para verdaderos campesinos que trabajaban las tierras, que luchaban y se morían por la tierra. La Iglesia en Brasil nos ayudaba. En Brasil tenemos dos Iglesias: una Iglesia extremadamente reaccionaria y otra Iglesia muy progresista, popular, que quiere realmente seguir a Cristo. Esta segunda vertiente de la Iglesia nos ayudaba mucho y seguimos haciendo funciones en tierras de campesinos que estaban librando su batalla.
La obra siempre era un éxito, siempre cantando con los fusiles en la mano “Vamos a derramar nuestra sangre para liberar nuestras tierras”. Y un día, que fue fundamental para mí, terminó el espectáculo y vino la ovación de los campesinos a quienes les gustó muchísimo. Era por la mañana, y cuando estábamos hablando con la gente, me acuerdo que vino un campesino muy alto y fuerte que casi lloraba de emoción y me dijo: “Qué cosa maravillosa que han hecho ustedes, que vienen de una ciudad tan grande y lejana como San Pablo y vienen para decir exactamente lo que nosotros pensamos”. Entonces nosotros, muy contentos, empezamos a mirarnos unos a otros y a decir: “Miren, nuestro mensaje se cumplió, tenemos la función de educar a las masas, concientizar a las masas y lo logramos”. Pero el campesino agregó: “Ya que nosotros pensamos lo mismo que ustedes, que tenemos esta identidad tan perfecta de pensamiento, de ideología, ustedes agarren sus fusiles tan lindos y vengan con nosotros porque tenemos que ir a pelear contra un coronel que ha invadido nuestras tierras y tal vez necesitemos derramar nuestra sangre”.
Hubo un largo silencio. Mis compañeros me miraron y siempre siento que soy yo quien tiene que dar explicaciones. “Nosotros, compañero, pensamos lo mismo que ustedes, por eso estamos acá, pero hay un pequeño detalle: los fusiles que usted ve son muy bonitos pero no disparan balas”. El campesino me miró y me preguntó: “ Para que hacen fusiles que no disparan? Un fusil es para disparar”. Traté de explicarle que los fusiles son falsos porque son estéticos, porque el objetivo no es disparar, sino meramente estético. “Cuando tenemos el fusil en nuestra mano y avanzamos cantando ‘Hay que derramar nuestra sangre’, esto da más credibilidad a las palabras”, le dije. Entonces el campesino asintió con la cabeza: “Entiendo que los fusiles son falsos, pero ustedes no son falsos, así que no se preocupen y vengan con nosotros a pelear porque tenemos fusiles para todos”. Otra vez nos miramos entre todos, y le dije que había un segundo malentendido: “Nosotros somos verdaderos, sin duda, pero verdaderos artistas y no verdaderos campesinos”.
Hubo un silencio de esos silencios monumentales. Luego él expresó: “Ya terminé de entender, cuando ustedes, los artistas, dicen ‘Vamos a derramar nuestra sangre’, ustedes están hablando de ‘nuestra sangre campesina’, no de ‘vuestra sangre artística’”. No pudimos hacer otra cosa que darle la razón, pedirle disculpas y pedir permiso para irnos porque el avión que nos llevaba a San Pablo ya iba a salir. Nos fuimos avergonzados y pensando qué estamos haciendo acá: estamos incitando a la gente a hacer cosas que nosotros mismos no somos capaces de hacer ni tenemos el coraje de hacer. Estamos diciendo: “Hagan esto mujeres, libérense negros, álcense en combate campesinos, derramen vuestra sangre” y nosotros tenemos que mirar el reloj porque el avión nos espera, tenemos que volver a San Pablo a una ciudad grande, al confort para mirar la CNN. Esto no nos pareció justo y me di cuenta que ese tipo de teatro político ya no lo podía hacer más. Podría hacer un teatro político para incitar a la gente si pudiera hacer las mismas cosas, correr los riesgos juntos. Entonces sí puedo decir: “Vengan conmigo, voy a luchar con ustedes”.
Empezamos a pensar qué íbamos a hacer, porque nunca fue fácil vivir del teatro en Brasil, salvo que uno haga el teatro que quieren las oligarquías, la burguesía, los que tienen plata. Pero si uno quiere hacer un teatro diferente, es muy difícil hacerlo en Brasil. Y nosotros teníamos todas la dificultades; la primera era la pobreza, era muy difícil conseguir subsidios. Entonces vivíamos inventando cosas, por ejemplo, para hacer la escenografía teníamos que usar basura. La pobreza es a veces una condena a la creatividad; somos pobres, entonces estamos condenados a crear, a hacernos realmente artistas: inventar algo a partir de la pobreza. Un amigo mío me contó en aquella época una historia muy linda: él hacía espectáculos para los mineros de unas minas de estaño y me dijo que la mayoría de los pueblos donde iban no tenían electricidad. Entonces pensé: “Si no hay electricidad, tenés que hacer los espectáculos durante el día para utilizar la luz del sol”. Pero mi amigo me contestó que eso no se podía hacer porque normalmente durante el día los mineros estaban trabajando. Dije: “A la noche, sin electricidad, cómo iluminás tus espectáculos?” y él no dudó en explicarme: “Hay que ser creativos, yo trabajo con los mineros y los mineros tienen una lucecita en el casco y cuando comienza la obra, les digo que miren el escenario y así en el escenario sube la luz. Incluso así el actor se da cuenta que la escena no es buena porque cuando no es buena el minero baja la cabeza y la escena se oscurece y van rápido para la otra escena”.
Siempre tendremos el enemigo “pobreza”, entonces hay que ser creativos, hay que imaginar que hacer. Sin embargo, en esa época teníamos otro enemigo: la censura. En esos años debíamos mandar todas las obras teatrales a Brasilia, no importa dónde estuviera el grupo, y allí los censores policiales la cortaban, anotaban, hacían lo que querían y después recién la devolvían. Incluso antes del estreno había que hacer una función para el censor, quien miraba solito el espectáculo e iba diciendo: “Acá está muy iluminado, hay que bajar la luz”, “Acá esta frase, esta frase no” y teníamos que obedecer.
Si ustedes me permiten decir algunas palabras feas, puedo contar una historia que me gusta mucho. Una vez dirigí una obra de un autor brasileño que trataba sobre la corrupción en Brasil. La metáfora de la obra era un equipo de fútbol en el que el arquero se vendía y dejaba pasar unos cuantos goles. Era una obra muy buena, pero hablaba de corrupción y tenía cinco veces la palabra “mierda” y una vez la expresión “puta que los parió”. Lo leímos y pensamos que no la iban a censurar porque era una obra de hombres que hablan mal, que son agresivos. Sin embargo, tuvimos que ir a hablar con el censor porque muchas partes fueron cortadas. “Pusieron muchas palabras feas que no se pueden usar”, nos dijo. Entonces le pedimos que analizáramos juntos cada expresión censurada para reconocer la importancia que tenía. “Este ‘mierda’ no se escucha porque los otros personajes están gritando, éste otro es fundamental porque implica la bronca, éste está justo después de una traición, y el último ‘mierda’ es esencial para la composición psicológica del personaje”, le argumentábamos para convencerlo. Así fue como pudimos dejar esas expresiones en la obra. Por eso digo que la censura era el segundo enemigo que teníamos en aquella época.
En la disputa con la censura había veces en que ganábamos y otras perdíamos. Incluso es importante destacar el nivel cultural de los censores. Un amigo mío de Porto Alegre quería montar Antígona de Sófocles, y al censor le gustó mucho la obra, por lo cual llamó al director para arreglar el asunto de los cortes. “Mire, leí Antígona y me gustó mucho, pero la actitud de la protagonista de enfrentarse al Estado puede ser considerada por los militares como una oposición a su dictadura”, dijo el censor. Y luego agregó: “Pero como soy un censor instruido que valora esa obra y no quiero hacer cortes en cualquier lado, lo que vamos a hacer es una reunión con el señor Sófocles para discutir qué se puede quitar y qué no”.
En esa época, además de la pobreza y la censura, teníamos como tercer gran enemigo la violencia abierta. Me acuerdo que entre los años ’64 y ’68, que fueron las fechas de los golpes de Estado fascistas en Brasil, había una cierta libertad posible, pero había también una violencia paramilitar importante. Eran momentos en que se raptaban o mataban personajes de la cultura y las artes. La dictadura llegó hasta a irrumpir en teatros destruyendo todo. Incluso a mí también me afectó; cuando organicé la “Feria Sao Paulista de Opinión”, que comprendía a todos los artistas de San Pablo, hacíamos las funciones armados con revólveres y al terminar el espectáculo los estudiantes se ponían frente al escenario formando un escudo humano para protegernos de los paramilitares.
Era en este clima de violencia que se hacía teatro; uno estaba a merced de las presiones, de las torturas. Incluso, despues de una visita a Buenos Aires en diciembre del ’70, fui preso. Gracias a los telegramas y cartas de protesta contra mi prisión, que mandaron personas importantes de la cultura de varios países, fui liberado a los tres meses, pero había gente que se quedaba tres o cuatro años. Digamos que mi proceso fue mucho más rápido por la presión internacional.
Mi mujer es argentina, entonces vine para acá y me quedé desde el ’71 hasta el ’76 viviendo en Buenos Aires. En esos cinco años, en el comienzo era posible trabajar. Formamos un grupo que se llamaba Machete, con el cual pusimos en escena una obra mía llamada Revolución en América del Sur. Tenía un grupo de actores que trabajaban conmigo (Rudy Chernicov, Arturo Maly, Luis Barón, Norman Briski). También trabajaba con Mauricio Kartun, con quien desarrollamos algunas experiencias de lo que se denominó Teatro Invisible. Hice primero una obra mía que se llamaba El gran acuerdo internacional del Tío Patilludo, que jugaba con la expresión del “Gran Acuerdo Nacional” del General Lanusse. En ese entonces había una cierta libertad dentro de la dictadura, pero luego la situación empezó a empeorar y me dediqué a viajar por toda Latinoamérica, principalmente por Perú.
Si aquel campesino fue el primer encuentro que cambió mi vida y mi forma de pensar el teatro, el segundo encuentro fue en Lima, Perú, donde me encontraba trabajando como director del área de teatro en un proyecto de alfabetización integral que reunía varias disciplinas (teatro, cine, prensa) y lenguas (quechua, aymará, castellano). Allí empecé a hacer una mezcla de procedimientos teatrales que ya venía practicando: uno era el Teatro Periodístico, que consistía en técnicas para transformar en escenas de teatro rápidamente una noticia del diario; otro, la Dramaturgia Simultánea, preparación de una obra que presentaba un problema que queríamos discutir con el público. Entonces el conflicto era presentado hasta la crisis, hasta que el protagonista tenía que tomar una decisión. Es decir que se paraba el espectáculo y yo decía: “Este señor o esta señora están en esta situación y no saben qué hacer”. Al indagar qué pensaban los espectadores sobre qué debía hacer el personaje, se generaba una discusión entre unos y otros, y los actores improvisaban las soluciones que proponía la platea. Intentábamos todo lo que era posible hacer en una determinada situación.
Esto ya era un avance en relación al teatro de mensaje, al teatro que decía lo que se debía hacer. Nosotros conservábamos el poder de la escena; el espectador tenía el poder de decirnos qué hacer pero el poder del cómo hacer lo seguíamos teniendo nosotros. Por eso digo que esto sólo fue un avance y no la superación del teatro de mensaje.
Estaba desenvolviéndome en esta línea de trabajo y aconteció la cosa más hermosa para mí. A la tarde preparábamos el espectáculo improvisando y a la noche representábamos con las noticias del diario y con el sistema de la Dramaturgia Simultánea. Un día una señora vino al final del espectáculo y me dijo: “Qué cosa más linda que están haciendo, muy democrática porque todos participan y dicen lo que piensan, pero qué lástima”. Y pregunté por qué. Ella respondió: “Lástima que ustedes sólo se preocupan por la reforma agraria, la policía, la deuda externa, es decir por los temas políticos, y tengo un enorme problema pero no es político; entonces ustedes no me pueden ayudar”. Enseguida le dije: “No, señora, todos los problemas, si uno los mira bien, son políticos”. Y ahí nomás le propuse que nos diera el problema para que lo ensayáramos al día siguiente y el público le diera las soluciones en la función de la noche. Pero ella insistía que su problema no era político. Y yo insistía en que todos los problemas son políticos porque pasan en la ciudad, en la polis, y todo lo que pasa en la polis es político por definición. “No, la polis no me interesa, porque el problema aquí soy yo y mi marido, por lo cual no es político”, contraatacaba la señora. Y yo arremetía nuevamente: “‘Usted y su marido’, ve cómo es político, porque al referirse a un marido está diciendo que fue a un lugar público a contraer matrimonio, había testigos y todos firmaron; entonces toda la ciudad tomó conocimiento que usted tiene un marido, se volvió de interés general, es algo que interesa a la población”. Ella me miró sorprendida: “¿Lo que pasa en mi casa es político?”, y le dije: “Es la mejor política porque hay mucha gente que en su casa revela las verdaderas ideas políticas. Vamos a ver: en su casa ¿dónde está la democracia, el derecho a la palabra, la distribución del trabajo? Entonces, más político que eso, no hay nada”. Ahí se convenció la señora y empezó a contar una historia terrible sobre su marido: que no trabajaba y que se lo pasaba pidiéndole plata a ella con la excusa de que estaba construyendo una casa para los dos en una ciudad vecina. Ella le daba plata y él se iba por una semana para volver con un papelito escrito a mano donde supuestamente estaban los gastos de ladrillos. Ella guardaba cada uno de esos recibos, aunque no sabía leer ni escribir. Después venía el marido y le pedía más plata para comprar las puertas, por ejemplo. Un día se pelearon y ella sospechó si todo eso no sería una mentira y si esos recibos no serían falsos. Entonces llamó a una amiga que sabía leer y escribir y le mostró los recibos. A la amiga le extrañaron un poco los papeles porque tenían perfume, y comenzó a leerlos, y se dio cuenta que no eran recibos sino cartas de amor de la amante del marido.
Ahí fue cuando la mujer me explicó que su marido pasado mañana iba a volver y quería saber qué debía hacer. Traté de hacerle entender que yo no entiendo de esas cosas, pero lo que podía hacer era preparar una obra sobre su problema y a la noche hacer la Dramaturgia Simultánea para que el público aportara sugerencias. Pero cometí la imprudencia de permitirle venir al ensayo. Entonces ella vino al otro día al ensayo cuando ya habíamos trabajado bastante: habíamos distribuido los roles, improvisado, ya estaba más o menos todo encaminado. Pero ella empezó a mirar y yo sentía que estaba inquieta hasta que de repente me pregunta: “¿Quién es este hombre?”. Ahí le expliqué que ese hombre era un actor que estaba haciendo el papel de su marido. Ella se ríe y me dice: “¿Usted piensa que yo me iba a casar con un hombre así; yo quiero que ese otro actor haga de mi marido”. “Pero yo soy el director, deje que yo elija a los actores”, respondí, cuando la señora volvió a agregar: “Usted es el director pero yo soy el personaje y le digo que esa actriz no puede representarme porque yo no soy así, no hablo así, por lo tanto prefiero esa otra mujer”. Empezó a cambiar todas las marcaciones y movimientos. “Que yo nunca voy para allá, que yo nunca digo esa frase”. Cambiaba todo. En ese momento empecé a entender un poquito por qué se iba el marido; no lo perdonaba pero lo entendía un poquito. Cansado de la situación, le dije: “Bueno, dirija usted misma la improvisación”, y empezó a dirigir ella misma y para mi bronca dirigía bien. No me causó una envidia terrible porque ella sabía de lo que hablaba; no era el artista hablando de los otros, sino que era ella hablando de ella misma y mostrando lo que había que mostrar con las pausas necesarias, etc. Estaba produciendo un buen espectáculo y mi rabia aumentaba porque yo quería que lo hiciera mal para poder castigarla.
Entonces a la noche hago la presentación: “Miren ustedes, espectadores, a esta señora (lo hacía bien melodramático para atraer la emoción), quien sufrió una terrible tragedia de amor, justo de amor, que debería ser la cosa más bella de la humanidad. Hoy no hablaremos de reforma agraria, ni deuda externa, hoy hablaremos de esta mujer que está acá y entonces su destino depende de ustedes”. Así fue como empezamos la obra, tal como ella lo había dirigido: el marido que decía: “Te voy a dar una sorpresa” y ella que decía: “Quiero ver la casa”, que “Dame plata, tomá la plata”, “Tomá los recibos”. Todo lo que ella había ensayado, lo hicimos perfecto, hasta llegar al momento de la crisis, cuando el marido llamaba a la puerta. En ese momento paré la escena y empecé a explicar cómo era la Dramaturgia Simultánea. Lancé la pregunta: “¿Qué va a hacer esta señora mañana cuando llegue su marido?” y les di tres minutos para pensar y debatir soluciones. Se armaron en grupos, y la gente empezó a hablar, unos con otros, hasta que les pedí las sugerencias.
La primera solución que vino no me gustó nada, pero no hay que discutir lo que el público propone. Alguien dijo que lo que tenía que hacer la mujer era llorar mucho para que él se sintiera tan culpable de ver una mujer llorando que le ofreciera disculpas y que ella lo perdonara. Entonces agarro a los actores y les doy estas líneas de acción para que improvisen. La representación anduvo bien y terminó con el marido siendo perdonado y pidiéndole a ella que fuera a la cocina a preparar la cena porque tenía hambre. Al terminar, pregunto: “¿Es eso lo que ustedes aconsejan a esta señora para que haga mañana?”. Todas las mujeres se levantaron y dijeron “Nooooooooo”.
Entonces pedí otra de las soluciones pensadas, que consistía en que ella tenía que hacer que cerraba la puerta y no permitirle al marido entrar, para que él se desesperara al darse cuenta que iba a perder a su mujer. Entonces le dije a la actriz: “Déjalo afuera, incrépalo con que ‘vos no entrás más, que profanaste nuestra casa, nuestro hogar’”. El marido, improvisando, dijo muy bien: “Sí, me voy y te vas a quedar. Me voy a vivir con mi amante, la quiero más que a ti”. Y en Perú cuando una mujer estuvo casada y después se separa, todos los hombres piensan que se pueden acostar con ella por lo cual es un peligro para la mujer. De este modo, el público percibió que no era una buena sugerencia.
Ahí vino la tercera solución: que ella tendría que dejarlo entrar para luego la misma mujer irse a vivir con su madre. Entonces la actriz improvisó: “Me voy y vas a ver cómo hace falta una mujer, porque la mujer lava, plancha”. Y el marido improvisando le respondió: “No me importa, por mí ándate, cuando te vayas a la casa de tu madre, voy a buscar a mi amante para que venga acá”.
Empecé a desesperar, porque todas las ideas que venían eran malas. Entonces miré que a mi lado izquierdo había una señora de gran tamaño que estaba inquieta. Muy delicadamente me acerqué a esa señora grandota y le consulté si tenía una idea. “Ella tiene que tener una conversación muy clara con el marido y después de la conversación muy clara, ella lo perdona”, me dijo. La verdad que me quedé decepcionado porque esperaba una cosa mucho más violenta, tener una conversación clara y perdonar, era lo que ya habíamos hecho. Igual, para no enervar a la gran mujer, le pedí a la actriz que la improvisara. “Yo soy una buena mujer y claro que una buena mujer no puede ser castigada, entonces es claro que esto me hace muy mal, porque es claro que mis amigas van a saberlo, es claro que van a tener piedad de mí y es claro que yo no quiero que tengan piedad, y claro esto y claro el otro”, actuaba la actriz y terminó por decir que “es claro que te perdono” y el marido dijo: “Es claro que vas a la cocina y traes mi cena”. Ahí terminó la improvisación, pero veo que la mujer grandota estaba furiosa. Entonces le dije: “Señora, nosotros intentamos hacer lo que usted quería pero no funcionó” y ella me responde: “Ustedes no hacen lo que yo dije, porque usted es hombre y el hombre nunca va a entender a una mujer”. “Estoy de acuerdo con usted, es imposible entender a una mujer; uno puede amarlas si quiere, pero entenderlas… eso no es posible. Entonces estamos de acuerdo, no entendemos a las mujeres, pero la actriz es mujer, aunque por lo visto ella tampoco entendió”.
Como veía que la mujer no reaccionaba, le propuse hacer una segunda vuelta. Agarro a la actriz y le pido que tenga la conversación más clara de su vida y sólo después de eso lo va a perdonar. Empezó la escena y la actriz era una ametralladora que tiraba “claros” por todas partes y volvió a terminar con el marido furioso diciendo que vaya a la cocina y traiga la comida. Cuando miro a la mujer, ésta se había levantado y se estaba yendo. La quise detener y explicarle que estábamos haciendo lo que ella proponía. Ella empezó a gritarme y gritarme y yo intentando ser razonable. Llegó un momento que yo estaba tan furioso como ella, que terminé diciéndole: “¿Por qué no reemplaza a la actriz y muestra lo que es una conversión clara?”. La señora sube al escenario, agarra una escoba que se encontraba en un costado, mira al chico, lo agarra por el pecho y le dice: “Primero vamos a tener una conversación muy clara: vos me traicionaste” y empezó a pegarle unos escobazos al actor. Me tiré encima de la mujer para frenarla pero ella era mucho más fuerte que yo. Yo hace 45 años que hago teatro profesional y juro que nunca vi en mi vida un actor tan sincero cuando decía: “Perdóname, no te voy a traicionar nunca más”. Cuando ella terminó de pegarle, agarró y lo mandó a la cocina a traerle de comer.
Entonces me quedé conmovido: primero por solidaridad con mi amigo, a quien le habían pegado y estaba lastimado. Pero como esteta, pensé: “Pasó aquí una cosa maravillosa, extraordinaria, que era la transgresión simbólica. La espectadora invadió un espacio que pertenece a los sacerdotes del arte de interpretar, a los actores; en nuestro espacio ella dijo: ‘yo también quiero decir lo que pienso, no quiero traducción, quiero mostrar lo que yo soy capaz de hacer’”.
Su transgresión simboliza las acciones que tenemos que hacer para liberarnos de nuestras opresiones; la libertad no nos es otorgada, no se recibe gratis. Una libertad que se recibe puede ser retirada, entonces no es libertad, porque seguimos esclavizados aunque estemos libres. La verdadera libertad se alcanza cuando uno transgrede, cuando uno dice “yo no quiero más, yo soy capaz de decir que no”. Cuando la espectadora entró en escena, creó esta transgresión como si fuera un fiel religioso que sube al altar: “Yo también puedo hablar con Dios”, como si fuera un soldado que ocupara el lugar del capitán para decirle: “Yo no estoy de acuerdo, no quiero atacar acá”. Es una forma de decir que yo también existo, que debo ser tenido en cuenta y mi opinión vale. Ella hizo eso. Cuando vi a aquella mujer entrar en escena, hubo esta dicotomía: ella era totalmente el personaje y la espectadora a la vez, porque los humanos tenemos la capacidad de duplicarnos, esta capacidad que tenemos de vernos en acción. Esto es el teatro fundamentalmente; todos somos actores, queramos o no, porque somos capaces de esta dicotomía, de esta separación. Esta es la primera parte de un Teatro Esencial. El Teatro del Oprimido se basa en el concepto del Teatro Esencial: todos los seres humanos traen en sí mismos al actor y al espectador, y además traen también al dramaturgo, porque las palabras que decimos las inventamos nosotros, estamos improvisando todo el día. Una vez un actor me dijo: “Yo no sé improvisar”, entonces le pregunté: “¿Qué hacés todo el día: ya sabes lo que le vas a decir a tu mujer, a tu enamorada, a tu esposa, o memorizaste un texto?”. Uno improvisa todo el tiempo y todos lo saben hacer. El actor que dice “yo no sé improvisar” está diciendo “yo no sé ser humano”. Entonces somos el actor, el espectador, el dramaturgo y hasta somos el vestuarista, porque ustedes están vestidos así, porque vinieron acá; si fueran a la playa no vendrían así; si fueran a la misa tampoco. Y ustedes, para dirigir a toda esta gente (que cada uno de ustedes es), tienen que ser un director; porque hay tantos conflictos entre los artistas que ustedes son… Es decir que nosotros tenemos dentro nuestro todas las funciones teatrales, algunos las sabrán utilizar mejor que otros, pero todos las tienen. Puedo hablar aunque no sea orador, aunque no hice ningún curso de oratoria. Esta es la primera cuestión del Teatro Esencial, del Teatro del Oprimido: todos nosotros, seres humanos, somos teatro aunque no hagamos teatro.
La segunda cuestión del Teatro del Oprimido es el Teatro Objetivo. Todos estamos en la vida actuando y mirando actuar, siendo espectadores. Hay momentos donde ponemos la energía en actuar y otros que la transferimos al observar. Y, por ejemplo, esa energía de observar ahora viene para acá donde estoy yo, entonces ustedes en este lugar crean un espacio dentro del espacio que ya existía. Al crear un espacio dentro del espacio, este espacio se torna dicotómico: si nosotros somos actores y observadores de nosotros mismos, somos capaces también de crear acá otro espacio que también es dicotómico. Quiere decir que además de las tres dimensiones del espacio físico tienen dos más: la memoria y la imaginación. Desde este momento (en que ustedes pusieron sus energías de espectadores) este espacio es tetradimensional, o sea extremadamente poderoso.
Y la tercera cuestión fundamental del Teatro del Oprimido es el lenguaje. El lenguaje que nosotros utilizamos día a día es el lenguaje de los actores en escena. Ellos hablan como nosotros hablamos. El lenguaje teatral es el lenguaje humano por excelencia, es lo que ya hacemos, no como los actores porque ellos tienen conciencia de ello, sino como seres humanos y sociales.
Entonces el Teatro del Oprimido: qué es? Es un sistema que empieza con los ejercicios más sencillos que van en dirección de sentir lo que se toca, mirar lo que se ve, o ver lo que se mira, escuchar lo que se oye y ejercicios de múltiples sentidos simultáneos. Entonces tenemos ejercicios de cuatro categorías. Después hacemos juegos donde hay intercambios de mensajes sin necesariamente utilizar la palabra. También utilizamos una de las técnicas propias del Teatro del Oprimido que es el Teatro Foro.
El Teatro Invisible es otra de las técnicas que empleamos y que consiste en armar una escena en espacios públicos, en el tren o en el supermercado por ejemplo, donde la gente no se dá cuenta que es teatro y entonces participa más intensamente.
También recurrimos al Teatro Imagen, que es muy pedagógico, y hay otra forma de encarar este sistema que es el “Arco Iris del Deseo”. Son once técnicas para teatralizar los conflictos internalizados dentro de las personas, las opresiones que no son visibles por los demás. Para trabajar esas opresiones, hay que tornarlas teatrales, visibles, entonces hay todo un conjunto de técnicas introspectivas para poner en escena los problemas que uno tiene en la cabeza.
Y la última experiencia que estoy haciendo es la del Teatro Legislativo, que consiste en trabajar con grupos organizados que pueden ser de negros, mujeres, campesinos, habitantes de una villa miseria. Con ellos hacemos juegos, ejercicios, diversas técnicas y después, a partir de las intervenciones de los espectadores, se toma nota y nos juntamos en una oficina con abogados y asesores para convertir esas sugerencias del pueblo en instancia teatral, en proyectos legislativos. Estos proyectos son presentados a las diversas comisiones del Concejo Deliberante de Río de Janeiro. De este modo, de cuarenta proyectos presentados por nosotros, trece se convirtieron en leyes que actualmente están en vigor en esa ciudad. Es decir que desde el teatro, desde la voluntad de la gente, se expresaba el deseo de transformación y se manifestaba concretamente.
Así es el Teatro del Oprimido, que no hace nada por sí mismo, pero sirve para que hagan con él alguna cosa. El Teatro del Oprimido no tiene nada de mágico, tiene apenas la dinámica de la gente, la democratización del pensamiento, el intercambio y el diálogo de ideas, y el propósito de llegar a cosas concretas.
En febrero [de 2002] se realizará en Porto Alegre el Foro Mundial Social contra la Globalización y ahí vamos a tener de cinco a diez grupos de campesinos Sin Tierra que van a presentar sus obras, sus sugerencias de cambio, vamos a tener cinco grupos que trabajaron con el proyecto de Teatro Legislativo en Río de Janeiro y vamos a llevar uno o dos grupos de presos de San Pablo. También invitamos a un grupo que hace teatro de diálogo para que participe de un local permanente que tendremos mientras dure el Foro. Y este local, este espacio teatral, no excluye otras formas de teatro. Ya hice todas las formas de teatro, hasta teatro surrealista de Federico García Lorca y Julio Cortázar. Hice una obra de Cortázar muy poco conocida que se llama Nada más a Calingasta.
Pienso que el teatro hay que hacerlo siempre de todas formas que uno pueda. Hacer teatro es la forma humana por excelencia de existir. Entonces el Teatro del Oprimido no excluye ninguna forma teatral, pero ocupa su propio espacio: el de la democracia, el espacio en que la gente puede utilizar el espectáculo, puede utilizar el lenguaje teatral para discutir sus opresiones, para pensar el pasado, para estudiarlo en el presente y para inventar su futuro.
Preguntas de los asistentes
¿Podés ahondar más en el Teatro Foro? ¿Actualmente se trabaja con la participación directa del público en el escenario o se trabaja en forma mixta con actores?
Boal: Depende. Tengo la costumbre de decir que todos pueden hacer teatro y con esto quiero decir que el teatro es esencial al ser humano. Amo trabajar con los buenos actores, es una gloria ver un actor creando, pero amo muchísimo más ver a un ciudadano que tiene algo que decir y que entra en escena y lo dice mejor que cuando está fuera. Muchas veces utilizo los actores profesionales para el Teatro Foro; muchos actores profesionales tienen miedo de este tipo de teatralidad porque es un ambiente, un territorio que no están acostumbrados a dividir con nadie y de pronto tienen miedo de compartirlo con personas que no saben nada de códigos teatrales. Pero los buenos atores no tienen miedo; por el contrario, les gusta la idea, porque es una forma de desarrollarse como actor y como ser humano.
¿Cuál sería la diferencia entre lo que llamás actor profesional y no-profesional? ¿Tus actores, cuando decís profesionales, tienen una formación técnica diferente?
Boal: La diferencia es el sueldo. Uno cobra y el otro no. Para mí, diferencia artística no hay. Trabajo con la mayor actriz brasileña y también con gente que nunca pisó un escenario y para mí son seres humanos iguales, que van a utilizar un lenguaje que nos es común a todos: el teatro. Es cierto también que cuando uno se profesionaliza, tiene obligación de saberlo todo, o lo más que pueda. Entonces tiene que estudiar todo el tiempo, mientras que el aficionado también estudia, pero tiene menos tiempo porque su profesión es otra. Voy a contarles una historia, que me pasó hace un año más o menos. Estaba trabajando con los grupos que no son profesionales y dentro de estos grupos tenía uno formado por empleadas domésticas. Un día ellas me dijeron que querían hacer teatro dentro de un teatro, porque yo les decía todo el tiempo que lo que ellas hacían era teatro. “Si hacemos teatro, queremos representar en un teatro de verdad y queremos que sea todo como es para los profesionales”. “Queremos boletería, un portero que rasgue las entradas de los espectadores”, agregaban. Yo les decía que la mayoría de las personas que vienen acá, no tienen plata para comprar la entrada. Ellas insistían: “No importa, tienen que ir allá a la boletería y sacar un boleto gratis, tienen que cumplir todo el ritual, como en el teatro profesional”. Yo creía que no era necesario, pero tanto querían hacerlo que entonces dije que “bueno, vamos a hacerlo”. Alquilamos un teatro en el centro de Río de Janeiro y hicimos un festival con seis grupos. El primer día fue una maravilla: estaba lleno el teatro, aplaudían mucho y entraban en escena, participaban dando sugerencias. El segundo día más éxito todavía. Al tercer día, se presentaron las empleadas domésticas que ensayaron a la tarde como profesionales y a la noche representaron. La representación fue un éxito muy grande, pero me contaron que una de ellas empezó a llorar. Entonces me quedé preocupado porque pensé que si estaba llorando algo le pasaba: se llevó la mesa por delante, se olvidó la frase, etc. La fui a buscar para preguntarle qué le pasaba. Ella me explicó que se emocionó mucho porque es una empleada doméstica y a las empleadas domésticas les enseñan a ser invisibles, a hacer la comida, traer la comida para la mesa, levantar los platos, lavarlos, arreglar los chicos que tienen que ir para la escuela, pero tienen que pasar lo más inadvertidas posible. La mujer me contaba que “Yo quiero oír lo que dicen a la mesa, a los amigos que están hablando de política con los dueños de la casa, pero no puedo participar, no puedo decir nada porque soy muda y sorda, esa es mi función como empleada doméstica, me enseñan a no existir. Hoy a la tarde estaba ensayando como una actriz profesional y de pronto vi a un hombre en una escalera con los reflectores que me decía: ‘No te quedés acá, vení un poco para acá, y cambiá de posición que te quiero iluminar’”. Y la mujer agregó: “De pronto dejé de ser invisible, de pronto había un técnico para hacer mi cuerpo visible, me ponían un micrófono para mí, que era muda, y lo que me emocionó más fue que la familia para la cual trabajé durante 10 años estaba sentada allá en la platea, en la oscuridad y callada. Y cuando me senté delante del espejo en los camarines, fue la primera vez que vi una mujer, antes sólo veía una empleada doméstica”. Entonces me quedé pensando qué cosa más linda puede ser el teatro, el lugar donde una persona entra y transforma las imágenes. Eso es el teatro: un espejo que nos muestra cómo somos, y el Teatro del Oprimido tiene la pretensión de ser un poco más, de ser un espejo mágico en donde se pueda penetrar y cuando a uno no le gusta la imagen que está dentro, cambiarla.
Complejo Teatral de La Ciudad de Buenos Aires
“Centro de Documentación de Teatro y Danza”
O encontro realizado em Porto Alegre continua provocando manifestações criativas dos participantes
Queremos publicar hoje este relatório de Milena Beltrão que nos foi enviado por Silvia Balestreri
Amigos(as),
Segue o relatório de Milena Beltrão, formanda de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, no evento que fizemos em Porto Alegre, defendeu a importância de que mostrássemos imagens em vídeo de Boal, tendo ficado responsável por uma seleção inicial de imagens na internet. A atividade, programada para o hall do teatro, foi enriquecida pela seleção de vídeos feita por Fabian Boal e levada por Cecilia para a homenagem – em que se destacam entrevistas, cenas do programa que Boal manteve na TV Manchete nos anos 1980 – com teatro invisível na ruas do Rio de Janeiro – e muitas outras preciosidades. O texto de Milena chama a atenção, por se tratar de um “relatório acadêmico” muito inspirado. Com ele, seguimos, nos rastros de Boal, rumo a um 2012 de ação poético-política. Boa leitura!
Silvia Balestreri
Augusto Boal – Imagem Viva
Relátorio de Tarefas – Milena Mariz Beltrão
Teatro de Arena de Porto Alegre
Outubro de 2011
Fiquei responsável no evento pelas imagens em vídeo. A imagem de Boal sempre me impressionou. Defendi a ideia da projeção das imagens. O rosto de Boal tem uma expressão tranqüila, mas o olhar é certeiro, o gesto é entusiasmado. Dá a impressão que está tendo conosco uma conversa íntima, séria, cada palavra que fala é pontuada, não é dita sem profundidade, o verbo em Boal não se joga fora, nem na palavra, nem na ação.
Ao ver as imagens do vídeo projetadas no telão do teatro depois de toda a maquinaria instalada, ou mesmo costurada entre fios, o que se sente é no mínimo a suspensão. As intervenções de Boal causam a sensação de que as coisas precisam parar um pouco, serem repensadas e tomarem uma outra direção.
Vê-se Boal na Índia, caminhando triunfante em direção ao lugar onde deverá falar para uma multidão, ao seu redor percebem-se pessoas emocionadas, aí está, um brasileiro, revestido com a autoridade do orador grego, do épico, aquele que conta a história do seu país aos outros, mas que vai além, porque fala pela condição humana, o que informa, o que inventa, o que dá as diretrizes de como caminhar no mundo, um contador de histórias ou o mais velho da tribo, aquele a quem se deve reportar na hora do aperto.
Seguem-se canções – Meu Caro Amigo, cantada por vários artistas e pessoas comuns -, veem-se nas imagens inúmeras pessoas comuns atingidas pelo trabalho dos atores. Boal se preocupava com elas, atores sociais e artistas de teatro estão todos inseridos num mesmo plano: a rua, o cotidiano. O teatro vai até lá, não precisa se deslocar e pagar ingresso. O teatro vai até os planos inesperados para o olhar do espectador acostumado às novelas, aos filmes. Vai ao shopping, ao restaurante, à loja de roupas.
Num shopping um casal de atores caminha despreocupadamente com a atriz no papel da mulher encoleirada, forma de repressão que ela não vê e que não se vê. A imagem incomoda as pessoas, o debate começa. O olho começa a mudar de foco, sai das sombras da caverna e vai para a luz. Não se sabe exatamente a repecurssão interna da questão nas pessoas, mas o chamado para acordar está lá, é hora de levantar, de agir, de pensar.
Seguem-se depoimentos, dentre eles o de Fernanda Montenegro, elogiosos. Boal não é apenas um homem de teatro, mas é um pensador atuante, pensa e faz, promove, discute. Seu corpo, seu olhar tem vivacidade, ele vive o que pensa, e se estendeu tanto, que se fala no presente de Boal, está vivo, no conjunto da obra e no pensamento.
Numa época em que se promove o pouco esforço, a apropriação de tecnologias, o deslocar-se sem grande sacrifício, o exemplo do pensador dá esperança, porque é um otimista, não deixa que os obstáculos impeçam de agir e sustenta esta postura. Boal me dá a sensação de que não há tempo para lamentar-se, para deprimir-se, para reclamar, mas para agir.
Dentre outros vídeos pesquisados na internet, grupos no mundo inteiro praticam o teatro do oprimido, o teatro imagem, o teatro invisível. Boal é indicado ao prêmio Nobel da Paz, é considerado embaixador do teatro. Cria teatro fórum, candidata-se a vereador. Se não há lugar para o teatro no mundo como deveria ser, Boal quer conquistar esse lugar e o conquista. Cria possibilidades. Poderíamos ter no teatro mais cinco atuadores com a extensão política e artística de Augusto Boal e muita coisa estaria mudada, para melhor.
Nos relatos colhidos do livro Milagre no Brasil por Silvia Balestreri, a saída da prisão e a voz que diz “ – Estou vivo, estou vivo” é a confirmação de vida e de sustentação interna. O horror não foi tão forte, a prisão não foi opressora o suficiente, a tentativa de abafar a voz do pensamento não conseguiu, não venceu, quem vence é a sustentação, a ação, o caminhar, o olhar desperto.
Homenaje a Augusto Boal en Argentina
por Cora Fairstein
El 23 de noviembre de 2011 realizamos el primer Homenaje a Augusto Boal en Argentina, en la ciudad de Buenos Aires. Lo hicimos en el marco de las XVII Jornadas de Teatro Comparado, en la sede de la Escuela Municipal de Arte Dramático (EMAD). Fue un evento muy importante para quienes practicamos To en este país, y, por qué no, para quienes nos dedicamos al teatro en general, ya que pudimos conocer no solamente experiencias de Boal en estos pagos, sino que además vimos otras facetas no tan conocidas, relatadas en primera persona por quienes compartieron aquellos días junto a él. Contamos con la presencia de Mauricio Kartún, quién relató algunos momentos compartidos con Boal que luego se transformaron en una gran influencia en toda su producción artística. También Ricardo Talento nos compartió su experiencia, y vimos una escena de teatro participativo, inspirado a partir del teatro foro. Por su parte Cecilia Boal hizo una reseña histórica de los años compartidos en Argentina junto a Augusto.
Por otra parte, diferentes investigadores teatrales expusimos trabajos realizadas tanto sobre Boal como acerca del Teatro del Oprimido en particular. Y compartimos, además, la experiencia actual de varios grupos que desde hace algunos años vienen trabajando en Argentina, Brasil y Uruguay.
Fue una jornada larga y muy productiva, altamente concurrida, con mucha gente dispuesta a escuchar y aprender más y más acerca de Augusto Boal. El broche de oro fue la mesa final a la cual se sumaron, además de las personalidades mencionadas, Laura Yusem, Osvaldo saidon y Carlos Fos.
Para quienes realizamos Teatro del Oprimido en Argentina eventos como este son de suma importancia, ya que muchas veces la falta de acceso al material teórico hace dificultosa la tarea de formarse y conocer, para poder seguir avanzando en esta línea artística y política. Es por eso que celebramos la realización de este homenaje y esperamos que sea la primera de muchas acciones que nos ayuden a nutrir y profundizar nuestras prácticas, generando nuevas preguntas e inquietudes, y acercando la obra de Augusto Boal cada vez a más personas.
Vidas que valem a pena
Quando a Cecília me convidou para escrever este texto, achei que demoraria pelo menos uma semana para organizar as ideias. O que eu não sabia, contudo, é que o texto já estava todo escrito dentro da minha cabeça, bastando, portanto, um único pedido para que eu o escrevesse de um só golpe. E se ele já estava escrito, precisando apenas se materializar nesta página é porque, no fundo, eu sentia uma imensa necessidade de colocar em palavras aquilo que venho pensando enquanto faço as minhas leituras cotidianas. Agradeço, portanto, mais uma vez ao convite da Cecília já que, a partir dele, posso colocar para fora aquilo que vai aqui, debaixo da minha pele.
Quero começar falando de Judith Butler, teórica feminista, que em seu texto “Violência, luto, política”[1], escrito em 2004, nos recorda o velho ensinamento psicanalítico: somos todos(as) desamparados(as), necessitamos do Outro para sobreviver. O vínculo com o Outro nos constitui ao mesmo tempo em que nos desintegra, por ele somos habitados(as) e despossuídos(as). Este pensamento trazido por Butler não pode ser compreendido de modo individualizado, cabe ressaltar. Para ela, cada um de nós se constitui politicamente em virtude da vulnerabilidade social de nossos corpos. Em maior ou menor grau estamos, irremediavelmente, ameaçados(as) pela dor da perda, pelo luto advindo dela, pelas violências e humilhações que podemos vir a sofrer ao longo de nossas vidas. Para além destas considerações iniciais, Butler indaga-se a respeito das vidas que contam como vidas, ou melhor, sobre o que faz com que uma vida “valha a pena”. Algumas vidas são consideradas, pelos discursos oficiais, como sendo dignas de serem vividas em contraposição àquelas que, invisibilizadas por este mesmo discurso, poderiam ser apagadas a qualquer momento e relegadas ao esquecimento. Nós continuaríamos nossas vidas, achando que essa divisão entre aqueles(as) que “valem a pena” e aqueles(as) que não “valem a pena” é algo um tanto natural e fatídico. Mas Butler nos leva a pensar melhor sobre isso, argumentando que o nosso “eu” está inserido numa comunidade, por ela é afetado, ao mesmo tempo em que atua sobre os outros. Ela insiste em defender a noção de uma vulnerabilidade corporal “comum” a todos(as) nós. Se a partir daí, conseguimos entender a nossa formação como seres humanos, somos levados(as) a refletir sobre o porque de certas vidas serem altamente protegidas ao passo que outras não gozam de nenhum apoio, sendo desprestigiadas e desqualificadas. Entenderíamos que essas escolhas que agem como uma espécie de loteria, premiando alguns(as) e rechaçando outros(as), são um tanto políticas, criadas e mantidas em função de vários interesses sociais, econômicos, religiosos etc.
Feitas essas considerações, quero agora tentar estabelecer um laço com o pensamento e a prática de Augusto Boal. A meu ver, fica muito claro a sua luta, a partir da criação do Teatro do(a) Oprimido(a), para denunciar a existência destas vidas que, para tantos(as), não “valeriam a pena”. Além desta demonstração, outro convite feito por Boal, também audacioso, deve ser mencionado aqui. Não bastaria denunciar o fato de que em nossa sociedade muitas vidas são tratadas como não merecedoras de tratamento humanizado. Para tanto, ele convida os próprios indivíduos implicados nesse estado de coisas, a narrarem essa experiência de ser tratado como um corpo abjeto (usando expressão de Butler). Segundo ela, o corpo abjeto diz respeito a todo tipo de corpo cuja vida não é considerada “vida” e cuja materialidade é entendida como “não importante”. Este exercício de relatar as opressões vividas faz parte das contribuições mais libertadoras do Teatro do(a) Oprimido(a). Aquele ser, antes tratado como invisível, anônimo, despossuído, um verdadeiro outro, ganha agora o status de sujeito, de protagonista de sua história. Ele passa a construir uma narrativa que lhe permite dizer como é estar no lugar de quem tem a vida tratada pelos outros (por nosso Estado, nossa sociedade), como uma vida indigna de “valer a pena”. Boal dá, a um só tempo, um pontapé em posturas estáticas decorrentes das várias expropriações sociais às quais estamos expostos(as) e nos faz dizer: estamos indignados(as) com isso! O espaço estético, concedido por ele, recria a dimensão humana muitas vezes perdida em nós. Esta dimensão é inaugurada pela capacidade que temos de rememorar e rearticular nossa história, contando-a para os(as) demais. Walter Benjamin, dizia: “[…] somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação” (p. 203). Boal, ao incitar as pessoas para um verdadeiro trabalho de memória (não vamos varrer nossas mazelas para debaixo do tapete!), inaugura a possibilidade de nos tornarmos grandes narradores(as) de uma história surpreendente; a nossa história! Ressignificar a dor ou a opressão vividas, projetando-as politicamente, através do compartilhamento com os(as) outros(as), é a sua proposta. Não apenas ressignificar, mas dividir as opressões, buscando provocar uma indignação, agora coletiva. Vamos voltar ao pensamento inicial deste texto. Junto com Bulter (ou melhor, amparada por ela), pergunto-me: e se conseguíssemos, através da compreensão de que somos todos(as) vulneráveis, aprender que nossa responsabilidade sobre a vida humana, em função disso, passa a ser coletiva? Tendo um insight a respeito desta questão, poderíamos, quem sabe, inaugurar uma agenda cujo tópico principal seria a promoção de uma cultura da paz, através das discussões das violações de tantos direitos humanos que estamos acompanhando atualmente. À mulher que é espancada, à criança que é maltratada, ao(à) homossexual que é exterminado(a), ao pobre que é totalmente excluído, enfim, a todas as minorias (que recebem esta designação injustamente, melhor seria falarmos, no caso do nosso país, em “maiorias”), juntaríamos nossos esforços, como desejava Boal, para promover um mundo mais justo. Isso só seria possível, penso eu, quando abandonarmos nossos concepções preconceituosas a respeito daqueles(as) que não somos “nós”, mas que estão diretamente implicados com aquilo que somos ou queremos ser um dia: os(as) outros(as). Termino este texto desejando boas festas a todos(as) e usando as palavras de Judith Butler a respeito de nós, humanos(as): “Não posso pensar na questão da responsabilidade sozinha, isolada do Outro; se o faço, expulso a mim mesma fora do laço relacional que desde o começo marca o problema da responsabilidade” (p. 74).[2]
[1] O título em espanhol é “Violencia, duelo, política”.
[2] Conforme o texto original: “No puedo pensar la cuestión de la responsabilidad solo, aislado do Outro; si lo hago, me expulso a mí mismo fuera del lazo relacional que desde el comienzo enmarca el problema de la responsabilidad”
BENJAMIN, W. (1985). O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov (pp. 197-221). In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense.
BUTLER, J. (2000). Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In LOURO, G. L. (Org.), O corpo educado: pedagogias da sexualidade (2ª ed.). (pp. 153-172). Belo Horizonte: Autêntica.
BUTLER, J. (2004[2006]). Violencia, duelo, política. In: ______. Vida precaria: el poder del duelo y violencia (pp. 45-77). Buenos Aires: Paidós.
Lives that are worth
When Cecília invited me to write this text I thought I would take at least a week to organize the ideas. However, what I did not know was that the whole text was written inside my head, and a single request was enough for me to write at one stroke. And if it was already written, needing only to materialize in this page, it is because basically I felt an immense need of putting into words what I have been thinking of while I make my quotidian readings. So once again I thank Cecília for her invitation since because of it I can put outside something that goes here, under my skin.
I want to start by talking about Judith Butler, a feminist theorist who in her text “Violence, mourning, politics”[1], written in 2004, reminds us of the old psychoanalytical teaching: we are all helpless; we all need the Other to survive. The link with the Other constitutes us at the same time it disintegrates us; by him/her we are inhabited and unpossessed. We must emphasize that this thinking brought out by Butler cannot be comprehended in an individualized way. For her, each one of us is politically constituted as a result of the social vulnerability of our bodies. To a higher or lower extent we are irremediably threatened with the pain of loss, with the mourning which proceeds from it, with the violences and humiliations we may suffer along our lives. Going beyond these initial considerations, Butler asks herself about lives which are counted as lives, or rather, about what makes a life to be worth. Some lives are considered by the official discourses as worthy of being lived in contraposition to those lives which, made invisible by this same discourse, could be obscured at any time and relegated to forgetting. We would carry our lives on thinking that this division between those who “are worth” and those who “are not” is somewhat natural and fateful. But Butler leads us to think better about that, arguing that our “I” is inserted in a community and is affected by it, at the same time that this “I” acts on the other people. She insists on defending the notion of a bodily vulnerability which is “common” to all of us. If from this point we manage to understand our formation as human beings, we will be lead to reflect about why some lives are highly protected whereas other ones are not supported at all, being discredited and disqualified. We would understand that those choices which act as a kind of lottery, rewarding some people and repelling other ones, are somewhat political, created and maintained in terms of several social, economic, religious interests and so on.
After these considerations, now I will try to establish a link with Augusto Boal’s thought and practice. In my view, from the creation of the Theatre of the Oppressed (Teatro do Oprimido) his struggle to denounce the existence of these lives which, for many people, “would not be worth the while”, becomes clear. In addition to this demonstration, another audacious Boal’s invite must be mentioned here. It would not be enough to denounce the fact that in our society many lives are treated as worthy of a humanized treatment. For that he invites the individuals implicated themselves in this situation to narrate this experience of being treated like an abject body (as in Butler’s expression). According to her the abject body concerns every kind of body whose life is not considered as “life” and whose materiality is perceived as “not important”. This exercise of relating the oppressions lived is part of the most liberating contributions of the Theatre of the Oppressed. That being who was treated as anonymous, unpossessed, a real “other” now gets the status of subject, of protagonist in his/her own history. He/she begins to construct a narrative which allows him/her to tell how it is to be in the place of someone whose life is handled by other ones (like our State, our society) as an “unworthy” life. At the same time Boal kicks motionless postures resulting from several social expropriations to which we are exposed and makes us say: We are indignant with this! The esthetic space given by him recreates the human dimension which many times is lost in ourselves. This dimension is inaugurated by the capacity we have of recalling and rearticulating our history by telling it to the other people. Walter Benjamin used to say: “[…] we are poor in surprisingly stories. The reason is that the facts already come to us accompanied by explanations. In other words: almost nothing of what is happening is at service of narrative, and almost everything is at service of information” (p. 203). By inciting people to a real work of memory (Let’s not sweep our blemishes under the rug!) Boal inaugurates the possibility for us to become great narrators of a surprisingly story; our history!
His proposal is to ressignify the lived pain or oppression by projecting them politically through sharing with other ones. Not only to ressignify but to share oppressions, trying to provoke a now collective indignation. Let’s go back to the initial thought of this text. Together with Butler (or rather, supported by her) I ask myself: what about if, by means of comprehending that we are all vulnerable, we managed to learn that, because of it, our responsibility for human life turns to be collective? With an insight about this question who knows we could inaugurate an agenda the main topic of which would be the promotion of a culture of peace, through discussions about the violation of so many human rights that we see nowadays. To the woman who is hit, to the child who I mistreated, to the homosexual who is exterminated, to the poor who is totally excluded, in short, to all the minorities (which receive this designation wrongly; in the case of our country, we should talk about “majorities”) we would join our efforts, as Boal wished, to promote a fairer world. I think this could only be possible when abandon our preconceived conceptions about those people who are not “we”, but who are directly involved in what we are or in what we want to be someday: the other ones. I finish this text wishing everybody nice holidays and making use of Judith Butler’s words about us, humans: “I cannot think about the question of responsibility alone, isolated from the Other; if I do it I expel myself from the relational link which from the beginning marks the problem of responsibility” (p. 74).
[1] The title in Spanish is “violencia, duelo, politica”.
BENJAMIN, W. (1985). O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov (pp. 197-221). In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense.
BUTLER, J. (2000). Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In LOURO, G. L. (Org.), O corpo educado: pedagogias da sexualidade (2ª ed.). (pp. 153-172). Belo Horizonte: Autêntica.
BUTLER, J. (2004[2006]). Violencia, duelo, política. In: ______. Vida precaria: el poder del duelo y violencia (pp. 45-77). Buenos Aires: Paidós.
Um ano se termina e as coisas estão andando no Instituto Augusto Boal
Foi um ano de muitas realizações , de muitos encontros , de velhos amigos e novas parcerias
E esse importante passo que foi a assinatura do termo de comodato com a Ufrj que passa a assegurar a preservação do acervo
Não queremos deixar este ano se terminar sem agradecer a todos e todas que nos acompanharam de forma tão afetiva e solidária
Foram tantos os companheiros, tão eficientes as parcerias que é uma tarefa difícil e a lista seria tão longa que arriscamos entediar a quem se arrisque a nos ler
Mas vamos assim mesmo arriscar :
Obrigada Sérgio e Lauro, obrigada Walter e Fernanda, obrigada Rita
Obrigada Sílvia , Érika, e Cora !!
Obrigada Fabian , Luiz e a maravilhosa Constança, obrigada equipe da Oi Futuro e a Teresa que me colocou na pista
Obrigada Jayme, Clara e Ana
Obrigada Géo , Helen e toda a equipe do Cto Rio
Obrigada Eleonora super Ziller, obrigada Eduardo e Priscila, e Dani e André e Pedro e Bel
Obrigada também para os Magníficos, e para o também magnífico Fernando Haddad
Obrigada meninas super poderosas ( e charmosas ) , Eva e Adriana !!
E obrigada Célia que nos deu régua e compasso , risadas e carinho
Nada teria sido feito sem vocês
Muitos , muitos mais nos ajudaram
Noni que carregou caixas e organizou livros
Sónia que corrigiu textos
E Julian , de longe, com seus comentários sempre pertinentes , que felizmente agora serão mais frequentes porque ele já está bem perto
Rosa Luísa e Rafael e as suas inestimáveis colaborações
E paro por aqui porque está ficando muito chato
Mas o Instituto não para, muito antes pelo contrário, apenas se inicia , está na área e o jogo está apenas começando!!
Obrigada Fabian e Luiz pela paciência!!!
Um Feliz Ano para todos!!!
Cecilia
El pasado 23 de noviembre participamos del Homenaje a Boal en la Escuela de Arte Dramático.
Esta experiencia renovó las energias para seguir trabajando.
Dicen los que saben que en materia de libertad, hay 3 clases de hombres y mujeres: están los que son libres, los que creen que son libres, y los que no saben lo libres que son. Estos últimos, dicen, le pasan el trapo a los anteriores, y aunque escapan a cualquier clasificación, se los puede encontrar en los más diversos lugares.
Nosotros, que pertenecemos a alguna de las dos categorías anteriores, no lo sabemos con certeza, nos topamos con un grupo de la tercera el viernes 28 de octubre del corriente, en la cárcel de Devoto.
Un mes antes, recibimos la invitación para llevar nuestra obra de Teatro Foro a Devoto, a partir de un taller de Teatro del Oprimido que funciona en la unidad, como parte del proyecto “TrafO” (Teatro para la Transformación Social).
TrafO[1] lleva adelante la tarea de facilitar talleres de Teatro del Oprimido, una técnica teatral latinoamericana creada por Augusto Boal[2], desde el año 2007 en diversos contextos, entre ellos, las cárceles, como Ezeiza y Devoto.
Nosotros, el Grupo Casonero de Teatro del Oprimido, hace poco más de un año nacimos en el lugar al que hacemos honor con el nombre, la Casona de Humahuaca, donde comenzamos nuestro tránsito por la técnica y seguimos trabajando actualmente.
Nuestra obra “La Vecinita”, de creación colectiva según la técnica, ha visitado diversos espacios culturales, y en virtud de nuestra prestancia, nos llegó esta oportunidad. Dijimos que sí, sin pensarlo, y cuando lo hicimos, caímos en la cuenta de que deberíamos vencer algunos prejuicios y hacer las modificaciones pertinentes a la obra, en respeto por los compañeros privados de la libertad, o de una parte de ella, como después comprobamos.
Transitando nuestras contradicciones humanas, llegamos la mañana del 28 de octubre, tempranito, a la puerta de ese monstruo blanco que nos esperaba con sus puertas bien cerradas, múltiples candados y revisaciones, permisos, planillas y más revisaciones, como sombras de esas pesadillas del pasado que persisten en nuestra memoria. Nosotros, que no le tenemos miedo a nada, nos sacamos unas fotos ilustrativas, golpeamos el portón y entramos nomás, temblando.
Acompañados por dos maestros de la escuela que funciona en el módulo 2 de educación del Penal, llegamos al espacio pensado para la función, y armamos nuestra escenografía, con los inconvenientes técnicos que acompañan a toda compañía teatral sin producción. Hicimos nuestros juegos habituales para entrar en clima, calentar cuerpo, voz y sentimientos, mientras veíamos pasar a algunos grupos de internos que salían a los patios (luego supimos que de salir al patio una sola vez por semana, este ultimo mes lograron que los dejen salir 3 veces, para tomar aire, jugar al futbol y todas las cosas que a uno le gusta hacer cuando esta en un espacio al aire libre).
Se hizo la hora y no venía nadie. Surgieron entonces las apuestas acerca de cuántos nos iban a venir a ver. Al momento, ganaba el que dijo “cero”.
Tras arduas tareas por parte de uno de los maestros, se logró que bajaran 4 internos, y pasó a ganar el que apostó por dicha cifra. Mientras esperábamos al resto del auditorio, nos pusimos a charlar y conocernos. Uno, el “chaqueño”, simpático y hablador, nos interiorizó sobre la suerte en Ezeiza y en Devoto, la convivencia en el pabellón, la lucha ganada de las salidas al patio, entre bromas y mates.
Pasadas las 11.15, nos informaron que iban a obligar a los que estaban en el patio a asistir a la función, por lo que, cuando terminaron de jugar al fútbol, los hicieron ponerse la remera, agarrar una silla y bajar.
A eso de las 11.40, con un amable publico de unas 15 personas, arrancamos (y todos perdieron la apuesta). Con las colas al borde de la silla, como queriendo hablarnos al oído, nuestros Espect- actores abrieron grandes sus entusiasmados y pícaros ojos.
Hicimos unos juegos para entrar en confianza, les explicamos la técnica[3], sobre todo el detalle de que, una vez terminada la escena, venía el foro en el que las propuestas no había que decirlas, había que actuarlas. Aquí sobrevino el primer indicio de que nos encontrábamos ante un grupo de la tercera categoría: “¿Hay que actuar?” preguntó uno, “Buenísimo, yo soy re buen actor”. Más tarde, este compañero nos confesó que “de chico era tartamudo… me hubiese gustado hacer teatro…. Pero tenía timidez”. Cabe aclarar que fue el primero en pasar, luego.
Dimos comienzo a la obra. Junto con los actores, actrices y el técnico, impecables en su trabajo, comenzamos lentamente el proceso de transformación que luego comprenderán.
Los muchachos, deseosos de que todo termine pronto para poder pasar ellos a actuar, rápidamente se conectaron con la obra; el “Chaqueño” se agarraba la cabeza, y las expresiones de “No lo puedo creer, yo esto lo viví”, saltaban de cara en cara. Algunos se reían y nos miraban a los que no actuábamos en ese momento, cómplices, y sucedió lo que Artaud y Brecht soñaron, pero sólo Boal consiguió: la comunión entre actores y espectadores, la disolución de elitistas barreras que separan a los productores de los consumidores, la escena de las butacas, y fue un encuentro de participación plena. No había ficción y realidad, todos estábamos inmersos en una historia, identificados con personajes y situaciones, comentando, aconsejando, aplaudiendo, riéndonos, poniendo y sacando la cuarta pared como se nos antojara. Entonces nos dimos cuenta de ante quiénes estábamos, por hacernos sentir tan cómodos, por creer que nos tocaba a nosotros mostrar lo que es el Teatro del Oprimido, cuando los que nos dieron una clase magistral fueron ellos. Porque, sin anestesia, esta gente nos pasó el trapo.
La obra llegó a su final, y entre risas y aplausos, comenzó el foro. Tuvimos tres intervenciones, en las cuales dos espect- actores reemplazaron al personaje de la oprimida, Cayetana, con sobresaliente actuación, y uno a Leo, personaje aliado de la oprimida (que le hubiera gustado terminar la escena con un beso apasionado). Las reflexiones fueron profundas y sentidas, “Fa, por un momento me fui, eh”, compartió uno de los espect- actores; se habló de la importancia de estudiar, de construir un futuro, de darle un momento a cada cosa y saber esperar ciertos deseos según su grado de importancia; se habló sobre las formas de ser, los amigos, la joda, los jueguitos electrónicos, la juventud, los hijos, las personalidades, la importancia de respetar las diferencias…
Tuvimos la oportunidad de sumarlos al taller de T O que funciona en el penal, porque, lo más sorprendente, de los presentes sólo uno participaba. Nos despedimos con besos, bendiciones, la promesa de volver con nueva escena, y un “Gracias por animarse a venir”, que nos llenó el alma.
Ellos se quedaron, y nosotros, los que habíamos entrado, también, y salimos otros, transformados. Por la experiencia, el intercambio y la grandeza de quienes nos demostraron ser libres a pesar del encierro. Por haber vencido nuestros prejuicios y habernos enseñado todo esto que ahora compartimos con ustedes. Por la humildad de no saber lo libres que son, por nuestra deuda con ellos por poder salir y el deseo de que pronto estén todos en la calle…
Experiencia facilitada por:
Grupo Casonero de Teatro del Oprimido, con la colaboración de Guillermo Castañeda
tocasoneros@gmail.com, https://www.facebook.com/grupo Casonero de TO
TrafO, Teatro para la Transformación Social
trafo-trafo.blogspot.com
Equipo docente del módulo 2 de educación del Complejo Penitenciario Federal, C.A.B.A.
Conceição Senna, membro do conselho consultivo do Instituto Boal, está dirigindo um novo documentário. O título é “Anjos de Ipanema” e o tema é o movimento hippie no Brasil, com foco no píer de Ipanema no verão mágico de 1971/72.
Ainda no começo, a diretora está entrevistando os hippies do píer com quem conviveu e também seus filhos, adotando o mesmo ritmo de produção usado em “Brilhante”, ou seja, ir gravando aos poucos para construir lentamente o filme. A idéia é resgatar o ponto de vista e os sentimentos dos que viveram a aventura do desbunde, o que significou em suas vidas e o que ainda significa.
Como em “Brilhante” e também em seu primeiro documentário, “Memória do Sangue”(1988), tem a ver com a memória, com acontecimentos que viveu pessoalmente
*Conceição Senna é diretora, atriz e membro do conselho consultivo do Instituto Boal.
Não há postagens no momento!