Augusto Boal

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Feiras: origens e evolução histórica

07.08.2020

As feiras, como espaço de troca e negociação de produtos entre as pessoas, estão presentes ao longo da história da humanidade. Da antiguidade aos dias atuais, geralmente essas trocas aconteciam dentro de uma temporalidade e de um espaço geográfico. Assim, por exemplo, na Europa da idade média, essas trocas de produtos aconteciam nas encruzilhadas das rotas comerciais, em um dia determinado da semana, ou do mês, ou de outro tipo de periodicidade.

Oriente Médio – Antiguidade

Os registros mais antigos desses eventos datam, no Oriente Médio, de 500 anos aC, mais precisamente na cidade-estado chamada Fenícia do Tiro. Há registros de feiras nas antigas civilizações grega, fenícia, romana e árabe.

Europa

Na Europa, a origem das feiras está associada a festas religiosas. Nesses dias, os produtores aproveitando o dia de festa, levavam os produtos de suas aldeias para trocar com os vizinhos. A influência da religião pode ser observada inclusive na etimologia da palavra que vem do latim feria, em português, feriado ou dia santo, ou seja, dia que não se trabalhava, o que facilitava as trocas, o “comércio”. Esse tipo de evento, desde a antiguidade, atraía artistas, que aproveitavam a oportunidade para distrair o público presente, evidenciando, desde muito tempo, uma relação da feira com a cultura popular.

Com as cruzadas e a consequente reabertura do Mar Mediterrâneo, o Oriente reconectou-se com a Europa. Isso possibilitou o renascimento do comércio e o reaparecimento das feiras em toda a Europa, a partir do séc. XI. Entre os séculos XI e XIV, essas feiras aconteciam dentro dos burgos e vão estar diretamente relacionadas com o surgimento das cidades e de uma nova classe social, os comerciantes, que passou a ser denominada de burguesia. Com a oferta de especiarias vindas do oriente, as feiras cresceram a tal ponto que algumas atingiram dimensão internacional, provocando o ressurgimento da moeda, e posteriormente dos bancos.

Com o passar dos tempos, sobretudo com a modernidade e o advento da indústria a partir do século XVIII, as feiras foram se especializando. Surgiram as feiras temáticas, entre as quais, as feiras industriais, as feiras profissionais, as feiras de arte, de livros, etc.

Durante os séculos XIX e XX assistiremos a transformação das feiras rurais em mega exposições de produtos industriais. Várias feiras nacionais e internacionais serão realizadas como forma de incentivar a produção industrial.

Esse tipo de evento terá seu momento de apogeu na 1ª feira realizada em Londres, em 1851.  Eventos desse tipo ocorrerão em outras cidades europeias na segunda metade do século XIX, tais como Paris, na França, e Dresden, na Alemanha. Com o êxito das feiras e exposições, o foco da produção é deslocado para forma, a aparência, dando espaço para o desenvolvimento do desenho industrial. (Wagner Braga Batista, UFCG. Uel. Br pdf)

Brasil

No Brasil, o atraso na implementação das técnicas agrícolas, associado à libertação tardia da mão de obra escrava, impediam a industrialização no país e quase impossibilitaram a participação do Brasil nas grandes feiras industriais internacionais. Essa participação só começa a ocorrer a partir de 1862, em Viena, com produtos e técnicas agrícolas. Em função disso, surgem as exposições nacionais que ocorrem no Largo de São Francisco, em 1861 e 1866. A Primeira Exposição Internacional só acontecerá no país em 1922, por ocasião das comemorações do centenário da Independência.

Feiras – relação entre política, economia e cultura

A presença da música, de mágicos, e de alguns gêneros de teatro nas feiras foi uma constante ao longo dos tempos, evidenciando a relação estreita entre economia e cultura popular. Contudo, os registros são mais abundantes na Idade Média, a partir do século XII, estendendo-se até o século XVII, quando começam a surgir as grandes companhias teatrais nas principais cidades europeias. Em Paris, duas feiras merecem destaque – a de Saint- Germain, que acontecia nos arredores da Abadia de St Germain de Près, e que surge no século XII, e a de Saint Laurent que se inicia no século XIV e torna-se permanente no século XVIII. No período (XII- XVII), além de saltimbancos, malabaristas e, palhaços etc., surgem espetáculos teatrais os mais variados, entre os quais teatro de bonecos, autos e mistérios da igreja, e pequenas peças de gosto popular, voltadas para o entretenimento da população. Esse tipo de espetáculo, o teatro das barracas, fugia dos limites das normas vigentes, diferindo, tanto com relação ao público como ao repertório, das danças e apresentações teatrais que aconteciam dentro dos muros dos palácios reais. Com a fundação da Comédie Française no século XVII, um decreto real estabelece que só as peças dessa Companhia poderiam ser encenadas em Paris. A partir daí inicia-se a censura e a perseguição política a outros grupos estrangeiros:

“efetivada por sua Majestade e ou pelos organismos reais da lei e da ordem, pela Igreja, e mesmo pelos próprios artistas competidores, logicamente, os que se encontravam sob a proteção do manto real. Isto irá obrigar o teatro das barracas de feira a utilizar ou experimentar várias formas e estilos de encenações dramáticas: desenvolver personagens que compartilhassem a mesma cena, mas que não poderiam dialogar, juntando-se apenas de forma metafórica num todo; cenas sem fala; diálogos tirados do bolso dos atores em forma de pequenos rolos para serem mostrados ao público ou com cartazes expostos acima da caixa teatral seguros por crianças vestidas de anjo. O diálogo realizado era não apenas no palco, mas, com canções cantadas pelo público com atores disfarçados que o dirigiam, enquanto no palco havia atores emudecidos, mas atuantes; diálogos curtos e rápidos e sempre com abertura ao exótico”

CAMARGO,R.C., 2006


As diversas relações de Feiras com a cultura popular e festividades podem ser observadas até os dias de hoje. Muitos festivais de cultura recebem hoje o nome de Feira, como acontece com a Feira de Literatura de Paraty (FLIP), feiras de livro, de teatro, de artesanato, etc. Ao mesmo tempo em que podemos encontrar em muitas festas populares religiosas ou não, barracas similares às que encontramos nas Feiras, vendendo de comida à artesanatos evidenciando a relação acima mencionada.

Feiras de Opinião

Cartaz da Primeira Feira Paulista de Opinião, arte de Jô Soares
Acervo Augusto Boal

Em 1968, em plena ditadura militar, o Teatro de Arena de São Paulo realizou a 1ª Feira Paulista de Opinião, em resposta à censura política aos artistas, algumas vezes inviabilizando a encenação dos textos. Dirigida por Augusto Boal, a Feira reuniu artistas de diversos matizes e setores em torno de uma pergunta: “Que pensa você do Brasil de hoje?”

Setenta artistas entre dramaturgos, compositores, artistas plásticos e poetas responderam a essa questão através de suas peças, composições, poesias etc. Além de se constituir em um evento cultural de resistência politica, a feira conseguiu realizar um diálogo, já presente no Teatro de Arena, sobretudo, nas peças dirigidas por Boal, entre a dramaturgia, a música e a cenografia. Em face dos inúmeros cortes realizados pela censura, a produção da Feira decidiu realiza-la à revelia da censura. Nos anos 1970, foi reeditada em Nova Iorque (1970) e em Lisboa (1977).

Hoje, 52 anos depois, em plena pandemia da Covid 19, o Instituto Augusto Boal inspirado no evento de 1968, resolveu criar a Feira de Opinião 2020, apresentada no seu canal de Youtube. A mesma pergunta “Que pensa você do Brasil de hoje?” será feita aos feirantes e usuários, nas feiras de bairro, na cidade de São Paulo.

Por que essa tradição se mantém até os dias de hoje?

Segundo os pesquisadores do tema, alguns fatores podem explicar a permanência dessa tradição no caso das feiras originais: produtos frescos, diferenciação e qualidade dos produtos, e preços mais acessíveis uma vez que a figura do intermediário (os mercados e supermercados) desaparece, possibilitando uma negociação direta entre o produtor e o comprador.

Além disso, a Feira já faz parte de uma tradição cultural, que não se restringindo apenas ao comércio, tornou-se um lugar de encontro, que inclui diversas manifestações artísticas performáticas e festas, o que a mantém viva e pulsante.

Pesquisa e texto: Célia Costa e Thaís Paiva

FONTES

MAGALHÃES, Victor Alves, FERREIRA; Kilvia Souza; CAVALCANTE, Lara Capelo. Feiras móveis: Uma perspectiva histórica comparativa com as feiras medievais. Publicado na Revista Extensão em ação. v. 2, n. 14, 2017.

BATISTA, Wagner Braga. As feiras do século XIX e a digressão da cultura de projetos. Link: http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anas8/artigos/WagnerBragaBatista.pdf consultado em 29.07.2020

GARCIA, Milandre. Da resistência à desobediência: Augusto Boal e a Feira Paulista de Opinião. (1968).Varia.Hist [online].2016, vol 32, n. 59, p.357-398.

CAMARGO, Robson Corrêa de. A pantomima e o teatro de feira na formação do espetáculo teatral: o texto espetacular e o palimpsesto. Link: http://www.revistafenix.pro.br/PDF9/7.Dossie.Robson_Correa_%20de_Camargo.pdf consultado em 20.07.2020

GUIMARÃES, Camila Aude. A feira livre na celebração da cultura popular. São Paulo, 2010. Link: https://paineira.usp.br/celacc/sites/default/files/media/tcc/140-481-1-PB consultado em  20.07.2020

Acervo Augusto Boal. Feira de Opinião. Link: http://acervoaugustoboal.com.br/?s=Feira+de+Opinião&serie=&assunto=&ano=&codigo=&tipo_doc=

Feiras Profissionais. Origens – Wikipédia. Consultado em 13.07.2020

Origem e história das feiras – Wikipédia. Consultado em 13.07.2020