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Crítica de Izaias Almada à peça "Grajáu conta Dandaras, Grajaú conta Zumbis" da Cia. Humbalada

19.12.2016

SOBRE DANDARAS E ZUMBIS
Izaías Almada
À Cia Humbalada de Teatro
Salve Zumbi dos Palmares! Dunga tará sinherê! Meu irmão de Andalaquituche, de Dambrabanga, do Grajaú. Companheiras Dandaras, companheiros Zumbis ou Zombies. Salve!

Passada uma semana após ter assistido ao espetáculo “Grajaú conta Dandaras e Zumbis”, os ecos de uma noite inesquecível e difícil ainda estão presentes na minha memória.
Inesquecível por presenciar um magnífico trabalho de teatro e difícil por ter de digerir a porrada na cara não só minha ou de minha companheira Bernadette, mas por perceber o grau de hipocrisia e de filhadaputice do Brasil atual, onde a cidade e o Estado de São Paulo lideram aquele que é um dos momentos mais tristes da vida política brasileira.
O lancinante grito de revolta do Grajaú e bairros vizinhos representa o grito de milhões de brasileiros que tentam arrancar do mais fundo de seus corações e de suas almas, algum resto de amor e felicidade, esses sentimentos capturados por um sistema econômico perverso, vil, preconceituoso, racista, machista, homofóbico e tantos outros adjetivos que escancaram para o mundo um país que, parece, finalmente conseguiu encontrar a sua vocação através de uma elite gananciosa, predadora e ainda escravocrata, para dizer o menos.
O conjunto de cenas que vão surgindo e tomando a atenção de cada um de nós espectadores, onde o dia a dia do Grajaú (leia-se Brasil) é visto e ampliado com as lentes dos que procuram por justiça social, igualdade de oportunidades, de direitos, por paz e felicidade, é arrebatador e não deixa a menor dúvida sobre o país em que vivemos. Um país onde a mercadoria mais valiosa é a hipocrisia.
Mães que perdem seus filhos ainda meninos, machões que se embebedam após o futebol, homossexuais caçados e humilhados pelas ruas, travestis que lutam desesperadamente para terem reconhecida a sua condição de seres humanos, negros que embora livres, ainda têm que gritar contra o preconceito e lutar por sua liberdade como Zumbi dos Palmares.
Sentado numa bancada móvel que mudava de posição consoante às cenas que eram apresentadas, embora desperto por fortes emoções, não conseguia de libertar do pensamento e de alguma reflexão sobre o momento em que vivemos, atitude em consonância com o lado épico do espetáculo, sobretudo pela provocação de uma igreja evangélica que se instalou ao lado do teatro, com seus característicos ruídos daquilo a que chamam de “pregação do evangelho”.
Mas o som que vinha das cenas, cantados ou não, abafavam a pregação do demônio, desculpem, a pregação do evangelho.
Cenas que para além da sua acutilante crítica aos valores da sociedade preconceituosa do Brasil de 2016, faziam evocações e, entre elas, uma homenagem ao teatro de Arena dos anos 60 e sua citação ao musical “Arena Conta Zumbi” de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri.
Ali estava o Humbalada a “contar e cantar” o Taboão e adjacências, percorrendo ruas próximas ao teatro antes e depois da apresentação, integrando-se ao entorno e chamando para si a participação de seus habitantes.
O público, que lotou todas as apresentações do espetáculo, parecia hipnotizado pela enxurrada de palavras e cantos, sons e gestos, que eram vomitados para descarregar o acúmulo de injustiças e perversidades que sofrem os habitantes da periferia de São Paulo, igual a tantas outra periferias de um Brasil aprisionado por uma emissora de televisão, dois ou três jornais, uma polícia ignorante e selvagem, uma internet que liberou o fascismo caboclo e uma intelectualidade desnorteada à procura de uma explicação para aquilo que fugiu aos seus modelos de democracia representativa, sem que sequer tenhamos experimentado a democracia participativa.
Dandaras e Zumbis do Grajaú, vocês estão de parabéns pelo belo espetáculo apresentado, pela coragem de apresentá-lo e pela conexão eterna do homem com a sua vontade de ser livre.
 


 

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