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Rede Brasileira de Teatro de Rua e seus rumos políticos

19.03.2014

Por Adailtom Alves Teixeira

 

A questão central é descobrir se você quer uma cidade para as pessoas ou para o lucro. Para construir uma cidade diferente, é preciso ser anticapitalista. Não há outra forma.

David Havey

 
A Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), formada em 2007, realizará de 21 a 27 de março, na cidade de Londrina/PR, seu XIV Encontro, que vem se desenhando para ser um dos maiores até o momento, pois deve reunir mais de duzentos articuladores de todo o Brasil – que arcarão com os custos das passagens, que, diga-se de passagem, são bastante onerosas em ano de Copa. A recepção dos articuladores ficará a cargo do Movimento dos Artistas de Rua de Londrina (MARL), que realizará também uma Mostra, com apresentações de artistas e grupos locais.
A RBTR é a única rede organizada nacionalmente em seu seguimento e a que mais cresce. Negligenciada pelo poder público, tem à sua frente muitos desafios. Por outro lado, justamente por não ter nada a perder, pode radicalizar sua luta. Penso que, sem esgotar a discussão e para além de sua categoria, o primeiro desafio seja assumir uma luta classista; nesse sentido, parte dos articuladores é favorável. Outro ponto é a disputa da cidade por meio de sua arte, papel que já realizam, mas que precisa ser radicalizado, na medida em que as cidades, médias e grandes, tornaram-se produtos, sendo fontes inesgotáveis para o lucro capitalista. Logo, as cidades são campo de luta e pelo que se luta – a questão a se colocar é como a arte poderá intervir nos rumos da cidade. Um terceiro ponto, que já vem sendo pauta de discussões em alguns encontros da RBTR, é a construção de políticas públicas para as artes públicas.
Os objetivos estão interconectados, mas, para clarear um pouco mais o meu ponto de vista quanto ao fato de a luta ser única, ainda que se divida em muitas frentes, discorro rapidamente sobre eles. Em dezembro de 2013, na cidade de São Paulo, ocorreu o encontro estadual do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. A constatação a que se chegou foi de que há uma completa ausência de políticas públicas que contemplem as artes públicas. Quando os artistas populares ocupavam os espaços ditos democráticos para questionarem o poder público, o que se ouviu em muitos relatos foi a perseguição aos artistas, inclusive com ameaças de morte. E estamos falando do Estado mais rico da Federação e onde, supostamente, a democracia teria avançado. Como ficou claro, o coronelismo ainda impera – o que dirá nos rincões mais distantes do Brasil.
Claro que, ao longo da história da humanidade, os artistas populares sempre foram perseguidos, mas se alardeia agora um Estado de Direito, em que a livre expressão seja assegurada. Quem escolhe a rua como palco, sabe que fazê-lo é uma escolha política. Trata-se de disputa, não só de realizar uma arte diferente e que chega a todos sem distinção, mas que também intervém em como se deve pensar a cidade. Logo, ao se colocar no espaço aberto, todo artista deveria saber que disputa o imaginário das pessoas e uma determinada concepção de cidade.
Para avançar na luta se fazem necessárias políticas públicas, na medida em que seus fazedores não veem sua arte como mercadoria, mas como possibilidade do desenvolvimento humano; isso requer, portanto, investimento material – recursos que só poderão vir do Estado, já que a iniciativa privada jamais irá investir em algo que não dê lucro.
Mesmo aí há limites, na medida em que o próprio Estado, burguês que é, serve ao capital e não aos interesses sociais. De qualquer forma, com organização e pressão pode-se avançar para exigir melhores condições, sem falsas ilusões. Uma maneira de fazer isso é criar uma pauta que dê unidade com outros movimentos culturais. Em âmbito federal, está difícil a construção de algo mais palpável, só com muita pressão, já que a lógica continua sendo mercadológica.
Basta dizer que uma instituição como a Fundação Nacional de Artes (Funarte) está quase falida, com parcos recursos, tendo que recorrer a leis de renúncia fiscal para manter alguns de seus prêmios. Ou seja, é um órgão do Governo Federal que vem recorrendo sistematicamente à Lei Rouanet, por exemplo, para captar recursos junto a empresas estatais para manter seus prêmios. Algo incompreensível à primeira vista, mas que, olhando mais de perto, faz sentido em uma gestão que fez uma opção no campo das artes: a opção pelo mercado e pelo sucateamento de instituições que poderiam realizar interlocuções com artistas populares.
Por tudo isso, fica claro que a luta é grande e deve ser anticapitalista. Por isso, faz-se necessário um projeto classista, construído em aliança com outros seguimentos organizados da classe trabalhadora, ao mesmo tempo – mas sem ilusões, repito – em que buscam construir políticas públicas visando uma melhor condição material para seus fazedores.
Exemplos de tomadas de posição classista dentro da própria RBTR são muitos, por isso há muita esperança nos rumos do encontro em Londrina, que promete ser um marco nessa direção. Afinal, não é possível mudar o mundo se não pensarmos em mudar os valores culturais que o norteiam. Como o velho está grávido do novo, há esperança! Claro que não basta esperar, é preciso parir o novo. E se os artistas populares nunca saíram de perto da população, dos trabalhadores, cabe apenas um maior e melhor direcionamento político nessa perspectiva.
Publicado originalmente no Brasil de Fato.