Augusto Boal

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Encontro de Porto Alegre

30.12.2011

O encontro realizado em Porto Alegre continua provocando manifestações criativas dos participantes
Queremos publicar hoje este  relatório de Milena Beltrão que nos foi enviado por Silvia Balestreri
Amigos(as),
Segue o relatório de Milena Beltrão, formanda de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, no evento que fizemos em Porto Alegre, defendeu a importância de que mostrássemos imagens em vídeo de Boal, tendo ficado responsável por uma seleção inicial de imagens na internet. A atividade, programada para o hall do teatro, foi enriquecida pela seleção de vídeos feita por Fabian Boal e levada por Cecilia para a homenagem – em que se destacam entrevistas, cenas do programa que Boal manteve na TV Manchete nos anos 1980 – com teatro invisível na ruas do Rio de Janeiro – e muitas outras preciosidades. O texto de Milena chama a atenção, por se tratar de um “relatório acadêmico” muito inspirado. Com ele, seguimos, nos rastros de Boal, rumo a um 2012 de ação poético-política. Boa leitura!
Silvia Balestreri
Augusto Boal – Imagem Viva
              Relátorio de Tarefas – Milena Mariz Beltrão
                         Teatro de Arena  de Porto Alegre
                              Outubro de 2011
Fiquei responsável no evento pelas imagens em vídeo. A imagem de Boal sempre me impressionou. Defendi a ideia da projeção das imagens. O rosto de Boal tem uma expressão tranqüila, mas o olhar é certeiro, o gesto é entusiasmado. Dá a impressão que está tendo conosco uma conversa íntima, séria, cada palavra que fala é pontuada, não é dita sem profundidade, o verbo em Boal não se joga fora, nem na palavra, nem na ação.
Ao ver as imagens do vídeo projetadas no telão do teatro depois de toda a maquinaria instalada, ou mesmo costurada entre fios, o que se sente é no mínimo a suspensão. As intervenções de Boal causam a sensação de que as coisas precisam parar um pouco, serem repensadas e tomarem uma outra direção.
Vê-se Boal na Índia, caminhando triunfante em direção ao lugar onde deverá falar para uma multidão, ao seu redor percebem-se pessoas emocionadas, aí está, um brasileiro, revestido com a autoridade do orador grego, do épico, aquele que conta a história do seu país aos outros, mas que vai além, porque fala pela condição humana, o que informa, o que inventa, o que dá as diretrizes de como caminhar no mundo, um contador de histórias ou o mais velho da tribo, aquele a quem se deve reportar na hora do aperto.
Seguem-se canções – Meu Caro Amigo, cantada por vários artistas e pessoas comuns -, veem-se nas imagens inúmeras pessoas comuns atingidas pelo trabalho dos atores. Boal se preocupava com elas, atores sociais e artistas de teatro estão todos inseridos num mesmo plano: a rua, o cotidiano. O teatro vai até lá, não precisa se deslocar e pagar ingresso. O teatro vai até os planos inesperados para o olhar do espectador acostumado às novelas, aos filmes. Vai ao shopping, ao restaurante, à loja de roupas.
Num shopping um casal de atores caminha despreocupadamente com a atriz no papel da mulher encoleirada, forma de repressão que ela não vê e que não se vê. A imagem incomoda as pessoas, o debate começa. O olho começa a mudar de foco, sai das sombras da caverna e vai para a luz. Não se sabe exatamente a repecurssão interna da questão nas pessoas, mas o chamado para acordar está lá, é hora de levantar, de agir, de pensar.
Seguem-se depoimentos, dentre eles o de Fernanda Montenegro, elogiosos. Boal não é apenas um homem de teatro, mas é um pensador atuante, pensa e faz, promove, discute. Seu corpo, seu olhar tem vivacidade, ele vive o que pensa, e se estendeu tanto, que se fala no presente de Boal, está vivo, no conjunto da obra e no pensamento.
Numa época em que se promove o pouco esforço, a apropriação de tecnologias, o deslocar-se sem grande sacrifício, o exemplo do pensador dá esperança, porque é um otimista, não deixa que os obstáculos impeçam de agir e sustenta esta postura. Boal me dá a sensação de que não há tempo para lamentar-se, para deprimir-se, para reclamar, mas para agir.
Dentre outros vídeos pesquisados na internet, grupos no mundo inteiro praticam o teatro do oprimido, o teatro imagem, o teatro invisível. Boal é indicado ao prêmio Nobel da Paz, é considerado embaixador do teatro. Cria teatro fórum, candidata-se a vereador. Se não há lugar para o teatro no mundo como deveria ser, Boal quer conquistar esse lugar e o conquista. Cria possibilidades. Poderíamos ter no teatro mais cinco atuadores com a extensão política e artística de Augusto Boal e muita coisa estaria mudada, para melhor.
Nos relatos colhidos do livro Milagre no Brasil por Silvia Balestreri, a saída da prisão e a voz que diz “ – Estou vivo, estou vivo” é a confirmação de vida e de sustentação interna. O horror não foi tão forte, a prisão não foi opressora o suficiente, a tentativa de abafar a voz do pensamento não conseguiu, não venceu, quem vence é a sustentação, a ação, o caminhar, o olhar desperto.