Augusto Boal

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Homenagem em Porto Alegre

25.10.2011

Porto Alegre, domingo 16 de Outubro

 

Tenho tendência a pensar, com ou sem razão, que texto para blog tem que ser breve, quase telegráfico, porque se não, ninguém lê.
Claro que é uma projeção do meu próprio sentimento, não gosto e me cansa ler no computador.
Vivo imprimindo milhares de coisas, atitude claramente antiecológica!
Mas é assim, na minha época não existia computador.
Dito isto, vou tentar escrever um pequeno texto para contar o que aconteceu em Porto Alegre.
Foi um domingo verdadeiramente alegre e muito rico em boas surpresas.
A primeira foi o encontro com Silvia, que organizou o encontro e convidou para participar dele um grupo grande de professores e animadores culturais da Universidade de Pelotas. Ficamos uma boa parte da tarde intercambiando idéias e colocando todas as questões que surgem quando se inicia um trabalho de TO com comunidades e também com crianças e adolescentes em situação de risco, as dificuldades e resistências.
É um trabalho difícil, muito árduo e é necessária muita persistência e espírito de militância para não desistir. A conclusão foi a mais obvia: temos que realizar mais encontros, constituir uma rede para que o intercâmbio constante nos dê sustentação.
Quero destacar a contribuição de Erika Oliveira,  que está fazendo uma tese sobre violência contra mulheres na Universidade de Assis, no interior de São Paulo. Ela usa o teatro fórum na sua pesquisa e eu gostaria de insistir com ela para que escreva um texto ampliando mais o conteúdo da sua intervenção que vou tentar resumir aqui.
Erika relatou o sentimento de solidão e de frustração que tomou conta dela durante o período em que trabalhava tendo como preocupação principal o produto. E como conseguiu resolver esses impasses quando percebeu que no trabalho com TO o importa não é o produto e sim o processo.
Fico muito grata, mesmo, à Erika porque ela deu nome a uma preocupação que eu tenho.
Existe muitas vezes por parte dos curingas uma preocupação com o espetáculo.
Em minha opinião, não é esse o objetivo do teatro fórum.
Assim como eu o entendo, o teatro fórum deve ser, como já diz o seu nome, um debate.
O teatro fórum é um convite para pensar, pensar em grupo, pensar juntos, encontrar alternativas para situações aparentemente sem saída e colocar essas alternativas em ato, em ação, é o aspecto ensaio do TO.
Outro aspecto muito importante é a circulação de informações. Neste ponto, é fundamental que o curinga, que realiza a mediação entre as partes implicadas, reúna todas as informações possíveis. São particularmente importantes as informações de ordem legal. O grupo que participa do debate deve sair de uma sessão de TO munido de todas as informações que o habilitem a resolver as suas questões na sua realidade concreta.
Se o TO pode ser um momento de encontro divertido e agradável não é essa dimensão que deve ser privilegiada. Queremos que as pessoas que participam possam enriquecer as suas capacidades de resolver da melhor forma as opressões que sofrem e que, certamente, são muito pouco divertidas.

Erika, que trabalha com violência contra mulheres, com certeza já deve ter se confrontado com isso diversas vezes.

 Bom, e paro por aqui hoje, se não o texto prometido, que foi anunciado breve, vai acabar quilométrico!

 Coloco ponto final ao texto de hoje, porém não ao debate.

 Convido Erika para continuá-lo e enriquecê-lo e a todos os que queiram participar.

 Cecilia

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Escrevo hoje este texto a convite da Cecília para dar início a um diálogo que me permita, junto àqueles(as) que praticam Teatro do(a) Oprimido(a) no Brasil, pensar nas práticas características deste tipo de fazer teatral.  Elas têm me permitido repensar as ferramentas metodológicas que podem ser acionadas dentro do campo da Psicologia e de outros campos de saberes/fazeres científicos.  Antes de falar sobre isso, devo mencionar a curinga e professora Silvia Balestreri, que tem discutido e praticado o TO na academia e que, numa atitude generosa e, sobretudo, política, tem socializado esse saber dentro e fora do universo acadêmico, permitindo a abertura de espaços de reflexão  que possam contribuir para o enriquecimento do método criado por Augusto Boal.  O trabalho que desenvolvi junto com a minha orientadora, Maria de Fátima Araújo, faz parte de uma pesquisa de doutorado em Psicologia Social vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis e discutiu o uso do Teatro do Oprimido como instrumento metodológico para a discussão da violência contra a mulher em algumas cidades do interior paulista. Através da capacitação de um grupo de não-atores/atrizes, composto por estudantes universitários, nós levamos um esquete para discutir, por intermédio do Teatro Fórum, o tema da violência doméstica e conjugal, junto às populações menos favorecidas.  Dessas apresentações, vários saberes foram e estão sendo produzidos, dentre eles, um deve receber especial atenção dentro do campo das pesquisas acadêmicas: o TO deve ser entendido como ferramenta processual e não como uma prática que nos oriente em busca de um produto/espetáculo, sendo este muito mais uma consequência de tudo aquilo que se fez ao longo das oficinas.  A nosso ver, inserido na ideia de processo, o TO poderia ser definido, no campo das metodologias, como uma ferramenta própria das pesquisas participativas, por se tratar de construção coletiva entre pesquisador(a) e pesquisados(as), na qual a voz de todos os sujeito é norteadora das opressões e ações que deverão ser discutidas e, quiçá, resolvidas.  Para o campo específico da Psicologia, o TO aparece como um dispositivo político, emancipatório e alternativo que se propõe a trabalhar de modo amplo com várias questões da coletividade, produzindo várias rupturas nos discursos e práticas hegemônicas, dentre elas aquelas do próprio campo dos fazeres psi.  No caso específico da violência contra a mulher, o TO pode ser definido como um método não apenas de investigação, mas também de intervenção social, na tentativa de produzir corpos menos assujeitados e, porque não dizer, corpos mais libertados e libertadores.  Para finalizar, posso dizer que nós, dentro e fora da universidade, precisamos criar cada vez mais espaços para conversações a respeito deste método a fim de que possamos aprimorar nossa prática em prol de um mundo mais justo e igualitário.

Erika Oliveira – Universidade Estadual Paulista